ANTHONY
ANTHONY
Leia esse capítulo com essa música de fundo
Se possui spotify, clica aqui e leia.
Daquele dia eu lembro do mar de
sangue que tomou toda a casa, uma casa grande, quatro quartos, cinco banheiros,
uma cozinha gigante casada com uma das salas, biblioteca... (minha tia tinha
biblioteca!), livros antigos, gigantes, pesados, alguns possuíam tranca, e um
super computador dentro dela. Ela não desfez dos livros, mas nunca dispensou o
bom e velho Google.
A grama do quintal ficou vermelha...
As flores que não foram cortadas, amassadas, ficaram murchas, enegrecida e
mortas.
A grande árvore, marcas de corte no
seu grosso tronco, em alguns via-se os anéis de uma árvore idosa, robusta,
cansada.
Independente do clima, da estação,
sempre coberta com musgos ricos em vidas, seus galhos poderosos, verdadeiro
condomínio de passarinhos, suas folhas em verde vivo, nesse dia ficaram marrom,
os passarinhos, sempre havia ao menos um a cantar, silenciaram...
Havia um lagarto no quintal, minha
tia o alimentava, assim, ele não subia na árvore para atacar os
passarinhos, embora eu desconfiasse que
o equilíbrio da paz entre as espécies seja mais pela rígida vigília do carcará,
o gavião que morava no topo, sempre a encarar o lagarto Rosé, sempre em que ele
cismava de sair de algum buraco do quintal, onde só ele sabia onde era pra
pegar sol.
Tudo que lembro é da minha mãe a
gritar assim que passou pelo portão da casa.
_Anthony! Anthony! Pelo amor de
Deus!! Anthony!!!
Minha mãe gritou com todas as suas
forças, eu sentia ela rasgar a sua garganta, em um breve momento, sua boca
sangrou, os ares saiam do seu pulmão com tanta força, que rasgaram a sua carne
como caco de vidro.
Eu sai devagar, lameando meus pés em
sangue, não olhava para os lados, apenas seguia a voz desesperada da minha mãe.
Assim que ela me viu, correu, me
abraçou, chorou em dores excruciantes de alívio. Só então que ela pensou em
minha tia.
Comigo no colo, correu pela casa.
Muros rachados, parte de paredes caídas
no chão. Móveis virados, quebrados, rasgados, destruídos. Nada sobrou.
Lustres, privadas despedaçadas.
Ela gritava tão alto o nome da minha
tia, que doía meus ouvidos, afinal, estava no seu colo, trançado em seus
braços, envolvidos com a força de uma mãe desesperada que não pode (ainda),
comemorar em reencontrar a sua cria viva.
O grande portão, isso mesmo, duas
portas gigantes de madeira maciça, pesada, nobre e rara, estavam arrancados, caídos,
rasgados, os porões da biblioteca, os livros...
Se via que muitos desapareceram, o
computador jogado no chão, todo quebrado.
Excetuando o seu gigante monitor
amassado como papel, tudo dele estava oco, com os fios para fora.
De um dos lado da biblioteca, onde
havia um gigante crucifixo de bronze, por cima de Jesus Cristo, estava a minha
tia, crucificada como, ela mesmo chamava, de nosso salvador. O filho do pai.
Por cima dele.
Somente pendurada pelos pulsos,
pregados por cravos enormes de ferro. Todo o sangue parecia escorrer do seu
corpo, cheio de cortes, principalmente da sua garganta, a cachoeira vermelha
ainda escorria.
Por instantes, minha mãe “me esqueceu”,
me colocou no chão e correu em direção a minha tia, mas do nada, sem explosão,
sem cheiro, sem fumaça, surgiu uma gigante labareda que logo dominou todo
ambiente.
Minha mãe me retomou e correu. Parecia
que o fogo corria atrás de nós como um gigante onda que invade um navio que
afunda rapidamente, quando chegamos no quintal, ouvi uma explosão, não de
bomba, mas de um fogo que, represado de alguma forma tomava o ambiente.
A rua já estava tomada pelos
moradores, com os gritos, chamaram a polícia que adentrava o quintal.
Um policial nos ajudou a levantar,
foi quando comecei a chorar.
A explosão, o clarão nos derrubou,
minha mãe me entregou ao policial e correu para dentro para salvar minha tia.
Outro a segurou.
Ela lutou, gritou muito, o policial,
apesar de forte, teve dificuldades. Eu em prantos, em choro alto e
descontrolado.
O policial tentava me acalmar, vizinhos
mais corajosos, ajudaram a segura a minha mãe, e o policial me passou para o
colo de uma senhorinha.
Chegou a ambulância, minha mãe foi
atendida, mas não quis ir para o hospital.
Os bombeiros chegavam nesse momento.
O fogo tornou-se gigante, casas evacuadas,
gritaria na rua, e minha mãe rezando a Deus, pedindo por um milagre.
Minha tia sair de lá de dentro, viva
e andando.
A água nada adiantava. Às vezes dava a
impressão que, o que eles jogavam no fogo era gasolina.
Entre a plateia mórbida, assustada e
expulsa de suas casas, um homem gritou:
_Vejam, pessoal! Olhem para o topo do
fogo!!
Minha mãe, agarrada a mim, saiu da
ambulância.
Ela ainda possuía um infinito recorte
do átomo que compõe a esperança, não sei se ela entendeu bem os gritos do
homem, seguidos por mais gritos da plateia estupidificada.
As labaredas do topo começaram a bailar.
Não ventava.
De dentro dela, surgiu um anjo de
fogo, que parecia lutar para sair das chamas.
Um grito de agonia tomou toda a rua,
fazendo tapar os ouvidos dos presente, outros correram.
Suas asas de fogo se agigantaram e uma
enorme explosão apareceu em seguida.
As chamas desapareceram.
Já viram esqueleto de casa?
Tem como imaginar um?
Foi o que sobrou da nossa casa.
Minha mãe se ajoelhou, voltou a me
abraçar forte, caiu em prantos descontrolado. Quem ficou até esse momento
também se ajoelhou.
Policiais e bombeiros fizeram o sinal
da cruz.
Fim?
Á medida que escrever a história, vou adicionar os capítulos nesse mesmo link. Assim, quem ficar um tempo sem ler, poderá reencontrar a sua leitura sem o stress, de procurar os capítulos entre as outras postagens.
II
Não tínhamos mais minha tia.
Não temos avós.
Uma vizinha, conhecida por seu mau
humor, nos acolheu.
D, Ermenegilda. Todos os vizinhos
falavam mal dela, as crianças da rua tinham medo. Quando uma bola batia no seu
portão, em momentos raros, ela saía pra fora pra xingar a gente.
Não falava palavrão, mas foi com ela
que conheci o nome de muitos demônios:
_Seus filhos de Belzebu!!!
_Vão tacar essa bola nos portões do
inferno! Seus filhos de Satanás!
Entretanto, foi a ela a quem o
policial me deu, para ajudar a segurar minha mãe, ainda enlouquecida, e seu
parceiro quase não conseguia segurá-la mais.
Dona Memê, como é conhecida pelos
vizinhos, correu comigo para sua casa, me ofereceu água, fez carinho falando
palavras doces e me fazer acreditar que tudo acabaria bem.
Minha tia era uma das poucas pessoas
da rua com quem possuía uma amizade sincera.
As duas eram carolas da igreja.
Coincidentemente, ela às vezes dava
aula no catecismo da igreja, minha comunhão estava marcada pra semana que vem,
era um momento em que as duas se aproximaram ainda mais.
Nas poucas vezes em que ela entrava
na nossa casa, eu me escondia.
Dona Ermenegilda tem
duas manchas gigantes nos olhos, quem não a conhece, acreditaria sinceramente
que era cega.
Ela enxerga pouco, mas o suficiente
para se virar sozinha, isso não a impedia de usar uma bengala, que desconfio
que era mais pra ajudar no seu andar, pois sua idade era bem avançada, mais de
80 anos, do que para enxergar.
Era comum ela dá bengaladas em
desavisados que pegavam na sua mão para desviá-la de um obstáculo ou atravessar
a rua.
Julinho adorava isso.
Quando Dona Emernegilda saía à rua,
ele corria a frente. Procurava um passante qualquer e dizia.
_Moço, pode ajudar a minha avó, ela é
cega, e tenho medo de ela se perder. É só até o mercadinho.
E lá ia a santa alma...
_Bom dia vovó. Vem cá que vou te
levar até o mercadinho.
Assim que o pobre candidato a anjo
pegava no seu braço, a velha se transformava.
_Eu não sou cega!
_Eu não pedi sua ajuda!
_Seu tarado!! Tarado! Quer me
sequestrar!!!
_Calma aí, vovó! Ai! Ui!
_Socorro! A velha é louca!!
Lembro que antes de falar, ela já
começa a dá suas bengaladas.
Julinho aparecia rindo, orgulhoso da sua
traquinagem. Quase sempre iniciava uma corrida, pois o candidato a ter a sua
alma salva, corria atrás do moleque, que pulava o muro da sua casa, e fazia por
trás do portão, a sua dancinha e careta de língua pra fora.
_Nhá nhá nhá nhá-nhá nháááá!
Os mais surtados ameaçavam a pular o
muro também, porém assim que aparecia a rottweiler Domitila e o vira-lata Bonifácio,
rugindo e latindo com todas as forças, a pessoa desistia.
Seu pai era professor de história.
Daí no nome dos cachorros...
Julinho também era o terror das
meninas.
Sempre que elas iam pra calçada
brincar de boneca, montar sua casinha, ou tomar chá de água de tijolo e
preparar bolos de massinha ou lama, Julinho corria entre elas, “sequestrava”
uma das bonecas, as meninas gritavam corriam atrás, quando uma delas tinha
irmão ou irmã mais velha, e este atendia ao clamor da irmãzinha, Julinho
largava a boneca no chão ou a xícara afanada da mesa de chá das meninas. Nunca
antes sem parar diante do leão que corria em sua direção, fazer pose de
bichinha (acho que ele imitava as meninas), “beber” o chá de água de tijolo e
largar a xícara no chão.
As coisas mudaram quando Sandrão mudou-se para rua.
Apesar de ter a nossa idade, entorno
de seis ou sete anos, ela parecia ter 10. Grande, gorda (ou forte?), sua
gordura parecia servir como músculos no seu corpo.
Em mais um sequestro de boneca,
Sandrão rapidamente alcançou Julinho e lhe deu um cascudo de quase afundar a
cabeça dele.
As meninas comemoraram, e Sandrão
passou a ser convidada para todas as brincadeiras dela.
Logo em seguida, as coisas mudaram.
Sandrão também queria brincar com os meninos, e foi a ponte entre nós e as
garotas. Passamos a aceitá-las até para brincar de queimada.
Inspiradas em Sandrão, elas não
abriam o berreiro quando a bolada doía, e os moleques mais frouxos engoliam o choro. Ela só protegia os cafés com
leite, os pequenos, e apesar de todo cuidado que tínhamos o pirralho soltasse
um “manhêêê”, a gente corria, pois viria confusão, Sandrão não, Ia em direção
ao chorão e gritava mais alto:
_Você não quis brincar?! Você não
aceitou brincar?! Agora engole o choro!
O pentelho quase engasgava no engulo
seco e doloroso do choro e do grito.
Oscilava entre o nosso time e o
delas. Todos queriam Sandrão, e dependia de quem ganhasse no par e ímpar.
Zuca, por exemplo, passou até a
brincar de pai de boneca de uma das garotas ou de professor das bonecas, quando
a brincadeira era de escolinha.
No dia seguinte, ainda havia fumaça
no local do incêndio.
Tinha uns caras dizendo que
processaria a minha mãe, pois o incêndio causou danos no muro da casa, quando a
luz caiu e o transformador, atingido pelas chamas explodiu, perdeu elétros.
Os mais sensatos batiam no portão da
casa da D. Memê. Coisa rara, todavia, a amizade e o carinho que eles sentiam
pela minha mãe, superaria qualquer ojeriza por D. Memê.
Entre os adultos estavam os meus
amigos, levados por seus pais, entre eles o Seu
Aluisio, advogado recém-formado com +D40 anos. Ele acreditou que poderia
realizar e viver dos seus sonhos. Formou-se numa faculdade particular, se
entupiu de dívidas e após o estágio, não conseguia emprego, tão pouco clientes.
Ao menos não os que ele queria.
Gente rica e poderosa.
Acabou tornando-se o advogado dos
moleques da boca de fumo do bairro.
Estava ele com sua pasta e terno a
oferecer seus serviços a minha mãe.
D. Memê abriu o portão, e antes de
todos entrarem ela resumiu o estado dela.
_Tá desconsolada, não estou dando calmantes!
Aquilo é veneno! Mas bastante chá de camomila e erva cidreira.
É um momento difícil, ela vai
precisar de ajuda. Afinal a vida não para. O padre virá mais tarde conversar
com ela, rezar e oferecer todo apoio da igreja.
Seu Jales, que era pastor, ofereceu sua
palavra. D. Memê concordou, apenas pediu para não gritar como se tivesse num
culto. O pastor se sentiu ofendido, mas uma cotovelada da esposa o segurou.
Na varanda, gatos recepcionavam a
visita, Dona Memê me chamou.
_Anthony! Annthony!
Estava no quarto segurando a mão da
minha mãe, assistíamos Netflix juntos, acho que somente eu assistia. Nas poucas
vezes que olhava para ela, seu olhar estava perdido, longe, banhado em lágrimas
que nunca escorriam.
Saí devagar, parecia que minha mãe
dormia com os olhos abertos, e não quis acordá-la.
_Vem brincar com seus coleguinhas. Os
adultos vão cuidar da mamãe, vá se distrair um pouco.
Lá fora, os adultos comentavam sobre
o fogo, o anjo(?) a explosão, o fato da dona da casa ter morrido e sobrado
somente os seus possíveis herdeiros.
Adultos comentam de tudo,
principalmente maldade.
_Foi uma alucinação coletiva! Esse
incêndio foi muito estranho. A fumaça devia ter algum componente proibido!
_Maconha?
Risos sinceros e risos sem graça.
_Não senti cheiro de maconha!
_Mas não se queimou só maconha!
Queimou tudo! O cheiro foi encoberto.
_Estávamos todos assustados, talvez
tenhamos tido o comportamento de boiada...
_Como assim?! _O cara se sentiu
ofendido. Para ele ser chamado de boi é ser chamado de corno.
_O Durval
começou a gritar, estava encachaçado, como sempre. Apenas seguimos o que
ele acreditava ver. A situação de apreensão ajuda muito.
É assim que surge as lendas urbanas.
Uma historinha, depois vem os relatos;
as “tes-te-mu-nhas”. _Dionísio dá ênfase a
palavra, fazendo aspas com as duas mãos.
_Cara, ninguém filmou?
_Sim, filmaram, recebi um pelo zap,
na imagem, dá pra imaginar qualquer coisa, até um anjo.
_Eu não recebi!
_Vou te passar.
Chega a polícia, dentro dos carros,
detetives e bombeiros.
Vão averiguar as causas do incêndio.
Eu estava entretido com meus amigos
na rua. Ninguém falou sobre ontem. Nessas horas, crianças são mais adultas e
respeitosas. Em pouco tempo, risos contidos, brincadeiras leves. Nada de correr
ou pular.
O bombeiro que estava presente no
incêndio no final da tarde de ontem, não comenta com os policiais civis o que
viu. Sua opinião poderá afetar os resultados. Ele está apto a negar tudo que
viu com apenas uma prova.
De praxe, os policiais expulsam os
curiosos e adentram o quintal.
Um dos investigadores colhe o pouco
da grama que sobrou com respingos de sangue, outro adentra a casa junto com o
resto da equipe.
Paredes derrubadas, esburacadas.
_Pelo estrago, seria uma explosão
para destruir todo quarteirão.
_Olha a grossura do cimento e dos
tijolos. São aqueles maciços antigos. Se fosse uma casa nos moldes modernos,
talvez sim.
_A moça já depôs?
_Ainda, não. Vou aguardar o enterro.
_Enterro do que?
_Não acredita que encontrará um corpo?
_Se tivermos sorte os cacos dele
entre o carvão que sobrou...
_Então faça isso. Se não há corpo.
Mais um motivo para investigação.
A certeza é que sangue havia. E
muito. Pode ter havido uma chacina aqui.
Cada vez que eles adentram pela casa,
parte da equipe fica num ponto para começar a garimpar qualquer coisa.
Quase não há teto, não há paredes
inteiras. Apenas uma que chama a atenção deles.
Assim que fica de frente pra ela. O
bombeiro repete o sinal da cruz. De forma discreta, chama o detetive chefe da
equipe.
A única parede de pé, é a mesma onde estava,
e continua lá, o enorme crucifixo de bronze, com uma escultura de Jesus nele.
O espanto não é pelo bronze da cruz
pesada, intacta ainda na parede, e com algumas partes, com o seu brilho
original, a parede intacta também não os surpreende mais.
Na gigante parede, não há o corpo de Elisabeth.
Há uma sombra, uma mancha gigante que
cobre todo cristo e quase toda cruz, ultrapassando a escultura, tomando todo
restante da parede.
Para os distraídos e até para quem se
surpreende nos primeiros segundos, se ajoelharia, para logo em seguida, se
arrepender e se levantar.
Apesar da enorme “asa” negra que avança
por quase toda parede. Logo se vê que a sombra, verticalmente ultrapassa o
crucifixo, a cabeça da sombra está acima dele. E acima da cabeça, ligado a ela,
um enorme par de chifre.
Imaginem a reação de um distraído, ao
descobrir que se ajoelhou diante da imagem do diabo.
IV
Elisabeth nunca gostou de crianças.
Ela tem paciência com os pequenos, mas os baixinhos nunca foram prioridade na
sua vida.
Tanto que nunca teve um.
“Essa moça é sapatão?”
“Sei lá, sem marido, filhos...”
“Não sei, mas isso não lhe diz respeito!”
“Diz sim! Ela parece que virou a
queridinha do padre! Ele; nós temos que saber quem anda se metendo com a
igreja!”
“Já viu ela com mulher? Ou você
desconfia que ela pega as freiras e as irmãs da igreja? São as únicas mulheres
com quem ela anda!”
“Eu não quis dizer isso!”
“Quis sim! Se não há homens... É por
isso você espalha rumores e desconfianças sobre particularidade dela, então as
mulheres com quem Beth se socializa são suas parceiras de roça-roça!”
“Adelaide! Que palavreado é esse?!!”
“Minha vontade é de falar coisa pior!
Basta continuar com suas injurias Querubina , que te mando um TNC rapidinho! E
ainda te entrego para o padre!!”
Estavam todas numa salinha da igreja,
onde as carolas faziam croché e tricô para o bazar e para caridade, Adelaide
que elevou para bem alto o tom da sua voz, calou Querubina (por umas semanas),
os olhares das outras senhoras também a intimidou, até que uma outra presente
disse:
_Se é por falta de homem na vida
dela, deixo aqui um testemunho...
Toda sala voltou seu pescoço para a
irmã Matrícia:
_Sabe aquele bar de roqueiros, que
pouco abre, mas quando abre, lota de homens e velhos, todos vestidos de preto,
lenço na cabeça, motos, alguns acompanhados de mulheres com a idade das netas
deles?
_Não, não sei. Passo bem longe desses
antros!
_Pois bem, eu vi a irmã Beth nele,
numa noite dessas!
_OOOHHHH!
_Humm!
_Xiiiii...
_Ela até acenou pra mim, quando me
viu!
Estava no meio de uns barbudos, de
óculos escuros, uns novos e outros velhos, com uma jaqueta com escrita atrás:Demons
of Paradise.
_OOOOOHHHH!
_Hummmmm...
_Eles pareciam ter muito carinho com
ela.
_O que é “demons ófi Paradaise”?
_Burra, é demônios do céu!!
Seguiu-se um “Ahhhh” logo silenciado
por elas mesmas, algumas colocaram a mão na boca pra ajudar.
_Ela não é sapatão, mas vive em
pecado. Cristão não ouve rock e nem se coaduna com esses motoqueiros adoradores
do demônio!
_O padre sabe?
_Aquele que estiver sem pecado, que
relate essa conversa ao padre Messias. _Completa Adelaide, todas se voltam para
o croché e o tricô e silêncio pelo resto da tarde.
Marta está a caminho da casa de uma
pessoa que nunca viu e nem conhece, ela nem tem certeza se encontrará a pessoa
que procura. Por dias anteriores, teve ajuda de amigos, menos do pai do seu
bebê, de quem ela fugiu, e arriscou-se pelas ruas do estado. Desce na rua,
procura pelo número é encontra um gigante portão branco, aperta a campainha,
aperta novamente, e a demora em atender se repete.
Está cansada e com fome.
Na terceira vez, um visor se abre.
_Batendo em porta errada, menina.
_Elisabeth Pereira Muniz?
_Ela mesma, se procura doação ou
ajuda da igreja, a irmã Edvirgens está sempre por lá, mesmo com a igreja
fechada.
Antes que Beth aperte o botão,
desligando o visor...
_Beth!! Sou Marta Pereira! Filha do
seu pai, somos irmãs!!!
Beth não acredita e encara de forma
desconfiada e surpresa.
_Eu posso provar! Tenho certidão e
fotos!! Por favor, me atende!!
Chegou o dia da minha mãe depor, eu
continuava na casa da D. Ermenegilda. Conheci a idosa em casa, no catecismo,
mas nunca havia conhecido o seu lado doce.
Foi a primeira vez que soube o que era
uma avó. Com ela eu até conseguia sorrir um pouco, nas brincadeiras com meus
colegas também, porém, quando chegava a hora de todos irem tomar banho, aguarda
a chegada do pai ou dos pais ou da mãe do trabalho e ver televisão, eu sentia
um vazio.
Meus amigos partindo sob o chamado do
pai ou da mãe ou do irmão mais velho, os via voltando para suas casas, e olhava
para o que sobrou da minha.
Não chorava mais, porém, me sentia
amargo, pesado. Sentia pela primeira vez o que chamamos de saudade.
Há alguns dias eu não ouvia a voz da
minha tia, não a via.
Eu ainda tinha a minha mãe, porém, eu
me sentia sozinho, incompleto.
Esses dias seguintes foram horríveis pra
mim.
No entulho, os curiosos, pessoas
desrespeitaram as fitas amarelas e pretas e começaram a explorar o lugar.
Muitos com celulares na mão, fazendo
lives.
Em uma noite um grupo de “caçadores de
fantasmas” montou acampamento para passar uma noite ali, D, Memê chamou a
polícia e expulsou todos.
No dia seguinte, apareceram pessoas
mais discretas, que chegavam bem tarde da noite, e faziam um vídeo de “passei a
noite na casa do diabo”.
Um desrespeito total ao que havia
acabado de acontecer.
Matheus, um valentão mais velho que nós, que
adorava dá cascudo nos moleques da nossa idade, cortar nossas pipas no céu, com
a sua proibida linha chilena, chegou com cara consternada, querendo me dá
apoio, até abrir um desses vídeos com o singelo nome: Dormi ao Lado do Diabo na
Casa Incendiada.
Comecei a chorar e ele continuou com
seu sarcasmo:
_Fica assim, não Anthony. Sua tia era
esquisita, todos sabemos que ela tinha trato com o bicho ruim, agora ela tá
famosa!
Chora, não Anthony, pôôxa!
Enquanto ele falava, ele pouco a pouco
perdia o controle da gargalhava que tentava engolir.
_Bruxas são legais! Mas Deus é maior, e
tenho a certeza que sua tia, ao lado do capeta, ora por ti, com muito
arrependimento.
Perdi o controle, e com os olhos
lacrimejando, chutei a sua canela com toda força que tinha.
Não o abalou tanto, sua reação foi um
“Filho da Puta! Ops! Filho do demônio!”
Comecei a socá-lo. Socos que ele evitou
apenas segurando a minha testa.
_Fica calmo, cabeção!
Distraído comigo, meus amigos
aproveitaram e começaram a chutá-lo e dá socos.
Janine, mesmo com a sua boneca preferida, de
madeira, começou a bater nele com ela.
Julinho pulou em cima dos ombros dele e
o derrubou.
Com ele derrubado no chão começou o
festival de chutes.
_Afasta! _Gritou Sandrão que estava um
pouco afastada, recolhendo a cozinha de boneca pra levar pra casa.
Ela correu e deu um pulo bem nas costas
dele. Ouvimos um estalo e Matheus começou a urrar de dor, atraindo a atenção
dos adultos.
Não precisamos de mais nada, de nenhum
alerta. Cada um correu para um lado.
Quando os adultos chegaram não tinha
ninguém. Somente o Matheus gritando e chorando como um neném.
Chamaram a ambulância, seus pais
apareceram e ele entregou todo mundo.
Aí começou foi uma briga de adultos.
Porque os pais de Matheus ameaçaram
eles.
_Isso nós resolvemos. Ele será
castigado assim que o vir.
_Quando ver o filho de cada um daqui,
vou dá porrada de levar para o hospital! Do mesmo jeito que fizeram com o meu
filho!
Não deu outra.
Quem foi parar no hospital foram os
pais de Matheus, não como acompanhantes.
Seu Alonso, o pai do Zuca, tinha uma academia
de artes marciais e deu um socão no nariz do cara, antes da mulher dele
defendê-lo, uma mãe tomou a frente e começou a dá tapas nela.
Era uma família controversa.
O filho era um retrato do que eles
eram: maus vizinhos.
Quase toda semana era um bate-boca ente
as mulheres ou uma briga no bar entre os homens, que quase chegava no “vamos
ver”.
Dessa vez ninguém se segurou.
Todos extravasaram as suas desavenças
com a família.
Era fofoca, reclamação, piadas
agressivas do pai do Matheus, roubo de Will fil , eles ainda tinham o costume
de arranhar os carros dos outros moradores. Som alto fora de hora, envenenavam
cachorros e gatos.
Eles nem eram convidados para os
churrascos ou aniversários, mas apareciam mesmo assim, na maior cara lavada.
Fingindo intimidade e amizade.
Algo que nunca entendi direito dos
adultos.
A falsidade, as aparências...
Depois soube que, para não haver
confusão, os outros adultos participavam do “teatro”, e tratavam bem os
penetras.
Eles até apareciam com algum presente
para o filho aniversariante, ou com engradado de latinhas de cerveja e alguma
carne para o churrasco.
Eu nunca entendi essa família.
Ainda mais quando Matheus voltou do
hospital com colete cervical, todo duro, nossos pais nos obrigaram a visitá-los
e se desculpar. Mesmo sabendo de tudo que havia acontecido.
_Não é assim que se resolve as
diferenças! Deviam ignorá-lo e chamar um adulto!
_Foi uma reação exagerada!
_Nós nos desculpamos com os pais dele.
Agora é a vez de vocês!
Chegando lá, apesar do Matheus ter
passado uns dias no hospital, a sua cara ainda exibia um pouco do inchaço e do
roxo, assim como seu corpo.
Deixaram a gente sozinho com ele no
quarto. Julinho tomou a frente e começou a se desculpar, seguido por nós.
Eu continuei calado.
Janine me deu um toque com o
cotovelo...
Até então, estava de cabeça baixa.
Levantei e o encarei.
_Desculpa, Matheus.
Sua cara era um nojo de deboche e
desprezo pela gente. Ao menos era isso que entendi.
Logo em seguida ele começou a chorar
como um bebê.
Seus pais, que provavelmente deviam
estar atrás da porta logo entraram no quarto, a mãe foi tentar abraçá-lo, mas
isso lhe causou mais dor e seu pai começou a xingar o filho.
O chamando de frouxo, bunda mole... por
aí.
_Engole o choro, moleque!! Já não chega
o vexame que nos fez passar!!!
Agora toda rua nos odeia!!!
_Cala a booocaaaa!
Saímos rapidamente, assustados com a
cena.
Eram os seus gritos, ecoando pela casa,
enquanto a gente corria dali.
Os adultos que nos esperavam do lado de
fora:
_O que aconteceu?
_Não sei...__Zuca
_O Matheus começou a chorar, assim que
nos desculpamos e os pais dele entraram no quarto.
_O que vocês falaram?!
_Nada. Só desculpa.
Cada pai ou mãe pegou o seu filhote e o
levou para suas casas. Teriam castigo o resto da tarde.
Eu fui sozinho pra minha casa...
Na porta da delegacia. Marta,
acompanhada do advogado Aluisio, comparece para depor. Porém na frente da porta
da delegacia, há uns engravatados que os abordam.
_Dona Marta, bom dia. Desculpe em
conhece-la em tal situação.
_Quem são vocês?
Aluisio toma a frente, literalmente...
_Advogados de porta de cadeia! Sumam
daqui! Ela já tem quem a represente!
_Senhor Aluisio-o mesmo arregala os
olhos, ao falarem o seu nome-pagaremos o seu trabalho até aqui, seja qual for o
acordado com a Senhora Marta, será sensato que nós assumamos todos os trâmites
legais que poderão acontecer com a Senhora Marta, a partir da morte da sua
irmã.
_Mas quem são vocês, afinal? Sabiam que
tenho hora marcada com um delegado que acha que taquei fogo na minha casa e
matei a minha irmã?!
_Sabemos. Foi uma morte repentina, por
isso demoramos a procurá-la. Queira nos desculpar por esse erro crasso.
_Não fale com eles, Marta!
Os dois tiram documentos de dentro do
paletó. E exibem para Marta e se apresentam, Aluisio tira das mãos deles, antes
que minha mãe o pegue.
_Somos a fundação que administra a
fortuna da sua irmã, e ela deixou tudo pronto para em caso de morte.
_Qualquer tipo de morte...
_Fortuna? Eu sei que minha irmã tinha
posses, mas nunca foi rica.
_Ela era humilde e discreta.
_Foi a forma de proteger você, seu
filho e a si própria.
_Sabe, sequestros, assaltos... Essa
violência de hoje.
Aluisio de cara amarrada, revira os
papéis com as mãos e o olhar.
_Nunca ouvi falar dessa fundação!
_Elisabeth criou com o único objetivo
de administrar os bens em vida e após a morte.
_Marta, não confia! Pode ser um golpe!
O que vão fazer? Fingir apoio a minha cliente,
oferecer seus serviços, fazê-la assinar um longo contrato cheio de armadilhas
jurídicas e roubar tudo que é dela de direito?!
_Não.
_Não confia, Senhora Marta!
Um deles se aproxima do ouvido de Marta
e sussurra alguma coisa.
Ela começa a chorar.
_Olha o que vocês fizeram! Saiam daqui
ou chamo a polícia!
Com um gesto apaziguador de um dos
braços, ela encara Aluisio e o puxa para um canto e conversa com ele
rapidamente.
Ele fica surpreso, reluta, a aconselha:
_Ainda assim é arriscado. O que
impedirá esses caras, e se essa “fundação” lhe passar a perna?
_Minha irmã tinha manias, e quando ela
me falou isso, eu nem dei bola, foi a tantos anos, Anthony era um bebê... Eu
havia até esquecido.
Aluisio, apesar de iminência de perder
a cliente, a olha de forma preocupada e terna.
_Marta, se quiser eu continuo como seu
advogado, como uma terceira voz que poderá lhe assessorar em algum desmando
desses caras, até se sentir segura, eu não vou lhe cobrar por isso. Eles
precisam saber que não terão uma mulher sozinha, fragilizada, que nada entende
de direito pra sambar em cima.
Por segundos ela pensa e acena com a
cabeça, se voltam para os advogados.
Respira fundo e diz:
_Ok, tudo bem. Vamos entrar juntos na
delegacia. Entretanto Aluisio será o meu advogado particular, ele será a minha
segunda opinião e conselheiro pra qualquer proposta que vocês me façam, e os
honorários serão pagos pela fundação.
_Está certíssima Senhora Marta.
Se de início, a sombra do diabo,
ofuscou o belíssimo crucifixo gigante, com a escultura de cristo em madeira,
totalmente salva do incêndio, escurecida apenas pela sombra demoníaca de
enormes chifres e asas, que parecia agonizar por cima da imagem.
A parede logo virou local de romaria de
católicos.
De vez em quando aparecia algum
adorador do diabo, mas este era logo enxotado pelos vizinhos ou algum
cristão que passava por ali.
Numa madrugada rara, onde não havia um
crente orando ou rezando ou alguém de capuz, coberto da cabeça aos pés,
ajoelhado de frente para a escultura ( ou para a sombra), dois catadores, que
ficaram dias à espreita da oportunidade, se aproximam dos entulhos que sobrou
do incêndio.
_Quer fazer esse carrinho de mão para
de piar?! Vai acordar todo mundo.
_Então carrega ele!
_Não! Quem teve a ideia fui eu!
_Mas o carrinho é meu!
_Mais um motivo pra você dá um jeito
nisso!
_Com o peso da cruz, ele vai ficar silencioso.
É assim que ele funciona!
Cachorros começam a latir, o catador
nervoso, levanta o carrinho pela parte da frente.
Adentram ao que restou da casa e vão
logo para a única parede que continua em pé, a do crucifixo gigante.
De frente para ele:
_Isso deve ter mais de 50Kg de latão!!
Vai dá um dinheirão no ferro-velho do Gilberto!
_Eu prefiro vender pro Bufunfa! Aquela
balança do Gilberto...
10Kg lá sempre dá 7! Imagine mais de
50Kg, vai dá menos de 30!!
_Ele rouba freguês otário, igual a
você! A mim não!
Logo em seguida os dois tentam levantar
a cruz, deduzindo que ela está pendurada na parede, mas ela nem se move. Então
começam a puxar, tentam nas pontas, nos lados e nada.
_Deve tá cravado na parede!
_Ainda bem que tive a ideia da
sexta-feira!
_Que também é minha! Esse lance de 30 e
70% não tá justo! Tudo aqui é meu!
_A gente resolve depois, primeiro,
temos que tirar isso daqui. Ele aponta pra sexta-feira no carrinho e aponta
para parede.
_O que tá olhando?
_Faça a sua parte!
_Não vou fazer, não! Por 30%? Derruba a
parede você.
Amarrando a cara, o catador responde:
_Como quiser.
Assim que ele levanta a pesada
sexta-feira...
_Espera!
Seu amigo deixa o marretão cair no susto,
quase deslocando o braço e atingindo a canela.
_O que foi!!?
_Tem que pedir licença antes!
_Como licença?! Tá vendo uma macumba
aqui?!
_Sei lá!! Já viu o que tem nessa
parede?!
_Tem uma sombra que se parece com o
bicho //runnh//!
As pessoas veem o que querem! Eu vejo
um barril de cachaça com o dinheiro que vou conseguir levando pro ferro-velho!
Justino faz o sinal da cruz e começa a
rezar...
... perdoe senhor, mas é pelo leite das
crianças e a mistura da semana...
Seu “sócio” nesse furto, o ignora e
começa a bater com a sexta-feira na parede. Que balança e começa a rachar...
Justino na sua reza descontrolada, com
palavras repetidas seguidas vezes como “Senhor” “Perdão”, de olhos fechados e
mãos no peito, é interrompido pelo grito do amigo, antes que ele abrisse os
olhos e não se surpreender com uma marretada na própria canela do desastrado
amigo, ele é surpreendido e sufoca o seu próprio grito ao ver a cena do seu
“sócio” com a mão no rosto, descontrolado, urrado de dor.
_Jaime, o que aconteceu?!
Rapidamente se aproxima dele, puxa as
mãos de seu rosto e sufoca o seu segundo grito ao ver o que realmente
aconteceu.
Os olhos de Jaime estão completamente
negros, pareciam que foram arrancados, mas das órbitas, não saem sangue, e sim
uma gosmenta massa negra que queima o seu rosto, saindo uma fétida fumaça dela.
Covarde que é, sai correndo, deixando o
amigo agonizando de dor, ser socorrido pelos vizinhos que acordam com os
gritos.
V
Chegou a hora da Marta depor. Assim que
entra na sala, o delegado debocha:
_Acredita que realmente precisa de uma
tropa para acompanhar o seu depoimento? Tá com medo do quê?
Marta iria falar mas um dos advogados
toma a frente.
_Minha cliente nada teme, a não ser a
sua postura nesses dias seguidos a morte trágica da sua irmã. Desde então, você
vem insinuando sua culpabilidade, ameaçando-a num processo totalmente
equivocado, no caminho até aqui, ainda recebemos ameaças de um senhor de nome
Quincas, que falou claramente que vai “fuder com a vida da minha cliente” .
_O Quincas é o faxineiro da delegacia,
ele gosta de tirar
_Faxineiro?
Aluisio pra não perder o bonde:
_Faxineiro!!
Isso aconteceu mesmo, aliais a cada
policial com quem eles trombaram no corredor, se ouvia risadas, outro
esfregando a mão e sussurrando “vamos esfolar a novinha”.
Estava claro que o ímpeto da polícia
era criar um inquérito que criminalizasse Marta, antes de qualquer
investigação, a não ser que ela molhe a mão de todos os policiais da delegacia.
Parece que rapidamente eles fizeram um levantamento da situação financeira da
Elizabeth e da herança de Marta.
Coisa que até então ela não pensou.
Dinheiro passou longe nesses dias. O
luto a dominou, e por pouco não a adoeceu gravemente, e a preocupação com o
futuro de Anthony.
_Nós sabemos o que realmente é Quincas.
Da mala ele tira a ficha do”faxineiro”
Sabemos que ele é um preso condenado
esperando transferência para o presídio, ele é o que vocês chamam de preso de
confiança.
O cara que faz o trabalho sujo de
vocês. Logo em seguida para a surpresa amarga de todos, várias fotos com o
Quincas no camburão da polícia civil, uma delas, até como uma automática na
mão, pra fora da janela.
_Isso é montagem!! Posso lhe dá uma
ordem de prisão agora por falsa acusação e chantagem!
O outro advogado fala:
_Apenas exigimos uma investigação
imparcial. Minha cliente estava fora, não sabe, não sabemos o que aconteceu.
_Não quero saber de ouvir vocês! Estão
todos presos!
_Hei! Você
não pode fazer isso! _ Aluisio
Os dois advogados
cercam a mesa do delegado e Marta começa a chorar de nervoso.
Aluisio conforta
Marta e sussurra pra confiar nele, caso dê tudo errado. No fundo ele troce por
isso...
_Se fosse você, eu
começava a mudar a sua postura em relação a sua vida e trabalho.
Ambos ficam olho a
olho ante ao delegado.
_Ainda há tempo...
O delegado calado e puto, pedem que
todos se sentem, a datilógrafa ( que trabalha com um notebook) que assistiu a
tudo como uma estátua, acostumada a esses arroubos na sala em que trabalha, é
surpreendida com policiais adentrando a sala de depoimento.
_Aconteceu alguma coisa, chefe?
Ele faz um sinal com a mão para saírem
da sala, quase que de forma robótica.
Delegado Evandro que sempre teve o
sadismo de fazer os seus depoentes chorarem, que fazia inocentes se sentirem
culpados, que aliviava a barra de bandidos ricos, quase não fala, faz as
perguntas de formas seca, Voz mais grossa que o normal, sem tirar o olhar
acusatório em Marta.
Marta apesar do medo, fala a verdade e
não cai nas pegadinhas do policial.
_Sem inimigos! Da igreja pra casa, da
casa pra igreja! O que você realmente esconde sobre essa vida perfeita que diz
ter com sua irmã? O que faria alguém ou vários invadir a casa da sua irmã,
criar um banho de sangue, quebrar a casa toda, e ainda tacar fogo?!
Qual a origem de tanto ódio, o que sua irmã
ou você esconde?!!
_Isso é trabalho seu. Eu contei tudo
que sei...
Mais embargado e mais pesado, ele solta
o que considera a sua bala de prata.
_Qual a origem da fortuna da sua irmã...
_Que fortuna? Tínhamos uma vida
agradável, sem percalços, eu trabalhava. Se ela era rica, como fiquei sabendo
recentemente, na porta da delegacia, ela nunca demonstrou.
Um dos advogados faz um gesto, e pede
pausa.
_Até assumirmos a defesa...
_Eu também sou advogado dela! _Aluizio
_Nós somos o escritório que administra
a fortuna da Elizabeth
O delegado:
_Falo das dezenas de imóveis e até
mansões que ela tem por todo país, todas alugadas que rendem uma gigante
mesada.
_Seu trabalho foi rápido e bom, mas
deixo aqui a última declaração de renda da minha cliente, onde consta também as
rendas internacionais.
Todas lícitas, como em breve você irá
conferir.
_Apesar da discrição da nossa cliente,
num país violento como o Brasil, pode haver sempre a possibilidade de atrair
bandidos com o puro intuito de roubar, matar é lucro. Como havia uma criança na
casa, Elizabeth deve ter resistido, originando toda a bagunça e a vingança.
_Quem desvenda os crimes aqui sou eu.
Não há corpo! Onde ele foi parar? O que não me impedi de concluir que após um
massacre a “defunta” não sumiu com os corpos e despareceu com o auxílio de vocês?!
_Para de criar planos mirabolantes que
ofendem a honra da minha irmã! – Marta se exalta.
Aluizio toca os ombros da cliente, num
sinal de pedido de calma e aproveita a oportunidade e para deixar de ser mero
coadjuvante:
_Com aquele incêndio? Não haveria
mesmo!
Os outros advogados saem da frente da
mesa, como que descortinasse um palco para Aluizio se apresentar.
_Sabe, eu também trabalho com seguros e
tenho amigos no corpo de bombeiros, essa é uma cópia do laudo oficial que logo
será enviado a você.
Eles atestam que a temperatura oscilou
entre 2000 e 2500C° no momento de pico e sabemos que para um corpo virá pó,
basta 1500.
_ -Isso é impossível! Vou rever esse
laudo e contestar esse seu laudo fajuto que diz ser dos bombeiros!
_Fique à vontade, a irmã da minha
cliente possuía um gerador a diesel nos fundos da casa, tubulações de gás que
abasteciam a lareira.
_Casa com lareira? No Rio de Janeiro!?
_Minha irmã tinha sim! Ela ainda
aquecia alguns cômodos com o gás. Ela sentia frio, mesmo no verão.
Fora um porão cheio de velas de todos
os tipos e tamanhos que servia como depósito da igreja e do seu altar, assim
como esculturas de madeira !
Aluizio:
_Eu entrei naquela casa uma única vez,
e fiquei maravilhado com os tapetes, carpetes com um veludo que o fazia sentir
caminhar em nuvens, seu bom gosto, porém extravagante, fez da casa uma bomba
relógio.
Marta não gosta muito desse final de
fala do Aluizio, mas não interrompe o advogado.
_E quanto àquele enorme crucifixo, que
mau sofreu sequelas no incêndio?
As falas de Aluizio não abalam Evandro,
que continua com o seu tom de voz ameaçador, na certeza de pegar uma falha na “falácia”
do advogado de porta de cadeia.
_Infelizmente o que tenho, é uma
opinião é off dos bombeiros...
Evandro faz um gesto com a cabeça e uma
das mãos, querendo saber a resposta e lhe dando autorização para falar.
_Milagre...
A resposta irrita ainda mais Evandro.
_A maioria até brincou que o crucifixo
é caso pra cúria romana investigar. Se fosse você os convocava, Com o seu ceticismo, daria um ótimo advogado
do diabo.
Marta sorrir.
_Dona Thereza, anotou tudo?
_Sim.
_Terminamos. Ela vai imprimir o depoimento
e a irmã da vítima assina. Isso não acabou. Se precisar vou convocar o seu
filho.
_Ele só tem sete anos!!
_Ele é a única testemunha do que
aconteceu naquela casa!
Os advogados acalmam Marta:
_Fique tranquila, se isso ocorrer, será
sobre a presença de psicólogo, assistente social e a sua principalmente.
Papeis assinados, Um dos advogados coloca
a cópia do depoimento na pasta.
Evandro:
_Dona Marta – isso com ela já se
levantando da cadeira, a única que permaneceu sentada-Não fuja, não viaje, não
se esconda. Isso não acabou.
_Não tenho razões para isso.
Do lado de fora:
_Por hoje chega, Vá descansar. Deixe
que cuidemos dos trâmites legais, temos quase tudo para declarar a morte de
Elizabeth. Infelizmente...
Aluizio inflado, espera um
reconhecimento dos seus parceiros (forçados, mas parceiros de equipe)
_Bom trabalho Aluizio, amanhã queremos
você em nosso escritório.
_Não tem que querer, é o meu trabalho.
E obrigado.
_Fizemos um depósito em sua conta
\Senhora Marta, poderá alugar uma casa, comprar imóveis novos ou ir para um
hotel se preferir. Não precisa justificar as despesas. Por enquanto.
_Como assim por enquanto?
_Eu não pedi nada!
_É o que vamos tratar amanhã com o Aluizio
e em seguida, levaremos até a senhora do o testamento e clausulas que sua irmã
impôs para o acesso total a herança.
_Não estou gostando disso! Se uma
vírgula desagradar minha cliente, procurarei a justiça.
_É o seu trabalho, e entraremos em
comum acordo para total satisfação dos desejos de Elizabeth, Marta e Anthony, principalmente.
_Vocês querem carona, seria mais seguro
se levássemos até o destino.
Aluizio:
_Eu trouxe a minha cliente e levarei a
minha cliente.
_Como quiser. Todos vão na mesma
direção, os advogados entram numa Lamborghini blindada, Marta e Aluizio no seu
fusquinha 84, herança do seu pai que ele gostaria de guardar como relíquia, mas
a faculdade e a carreira o levaram a recolocar o velho carro nas ruas. Ele não
se abala, abre a porta para a sua cliente e parte, cada um vai em uma direção.
No caminho, uma quebra do silêncio.
_Sabe de onde eles vieram?
_Acho que sim...
Marta, com Anthony ainda de colo
conversa com a irmã. Elizabeth coloca roupas no varal e ela amamenta o bebê.
_Breve, retomar os estudos, ter uma
profissão. Se quiser continuar aqui, terá que seguir regras.
_Não vai ser por muito tempo.
_A questão não é essa. Poderá ficar
aqui pra sempre, eu cuido do menino, enquanto estiver na escola e no trabalho. E
ainda estou preparando a segurança de vocês, caso aconteça algo comigo.
_Beth?
_E não sei o meu amanhã...
_Beth, você tá doente?
_Não, longe disso.
Depois do último lençol no carda, ela
se vira para a irmã.
_Na verdade, já está tudo feito. Se
algo surpreendente ou inimaginável acontecer, duas pessoas lhe procurará, e falará
as seguintes palavras: - ela sussurra no ouvido da irmã-
Marta solta um muxoxo.
_Leve a sério. Anote num caderno se precisar.
Não vou repetir.
Marta nunca levou a sério este
momento...
VI
O começo da convivência foi um pouco
frio e desconfiado.
Elisabeth aceitou a “estranha”, de
início como um hóspede.
Minha mãe era uma adolescente, 14 anos
quando minha mãe engravidou de mim.
Porém logo cedo, horários rígidos e
regras a serem seguidas meticulosamente.
O gelo foi quebrado quando na mesa de
café minha tia disse:
_Tá na hora do pré-natal.
Minha falou que poderia se dizer que
foi a primeira conversa que tiveram sobre mim.
O tom ainda era o mesmo, sério, rígido,
ela quase pulou da cadeira.
_Não precisa. Eu estou bem.
_Você tem 14 anos! Um bebê parindo
outro bebê! Claro que é uma gravidez que envolve risco.
_Não envolve, não. Não sinto quase
nada.
Marta se levanta para mostrar a sua saúde.
_Senta. Tá mais magra que a Olívia
Palito, Não duvido que esteja desnutrida. O que comeu durante a viagem até aqui?
Pão com manteiga? Coxinha com kisuco?
_Nada, só água, mas estou bem.
_Não tá não.
Minha mãe se entrega. E não discute
mais:
_Onde tem um postinho aqui?
_Que postinho! Já marquei com a Obstetra
Ivone, ela também é ginecologista, e verá os estragos que o pai dessa criança
deve ter feito em você.
_Ele era...
_Eu sei quem ele era.
Marta começa a chorar.
_Não vamos tocar mais nesse assunto.
Esqueça esse cafajeste. Era pra tá na cadeia, mas apaguemos o passado.
Aconteceu, e há uma criança crescendo aí dentro, que nunca, mais nunca deverá saber
quem é o pai dele.
Terá que ser forte e amar por dois.
_Termina o café, se arruma. A consulta
está marcada.
_Tá bom.
Minha tia pode ter recebido minha mãe
de braços abertos, mas a intimidade e amizade foi construída bem devagar.
Eu entendo...
Elisabeth costuma usar o carro pra
tudo. Mesmo que seja para ir a padaria. No seu carro preto com vidros
espelhados que refletiam o exterior.
Andar a pé quase sempre lhe causava
aborrecimentos.
Nesse dia, o carro deu problema e ela
precisou ir até a farmácia. Anthony estava sem chupeta, chorando com toda força
possível por não ter a sua chupeta, se tentasse acalmá-lo com um brinquedo,
mordedor ou doce, ele jogava no chão.
A farmácia mais próxima
era a do seu Durval. Farmácia nos moldes antigos. Ele era farmacêutico e às
vezes médico dos mais necessitados.
Pequena, não era
franquia, tão pouco essas farmácias-mercado de hoje em dia.
Não tinha serviço de
entrega.
No caminho, algumas
crianças, mesmo acompanhadas de suas mães ou um adulto, fitavam os olhos assim
que viam Elizabeth.
Curiosas
Assustadas
Outras abriam o berreiro, assustando as mães.
_O que foi, filho?
E o moleque apontava
o dedinho para Elisabeth, pedindo colo imediatamente.
A maioria apertava o
passo, atravessava a rua... as mais esquentadas:
_O que você fez com
meu filho?!
_Nada, você que não
cuida dele direito. Batiza esse garoto que passa logo.
E Elisabeth retomava
o seu caminho, com a mãe atônita com a resposta.
Algumas:
_Você tá querendo
dizer o que com isso?!
Tu por acaso é o cão,
é?
Mais afastada, ela
debocha:
_Sou um anjo de luz!!
Cachorros danavam a
latir.
Gatinhos viam em sua direção
pedindo carinho.
Minha tia sempre
deixou água e ração do lado de fora. E ajudava uma ONG de cuidado e castração.
De gatos e cachorros. Ás vezes aparecia tartarugas, periquitos, papagaios, até
gambá e uma vez um gavião.
Chicão, um gigante rottweiler
que vivia nas proximidades, cujo o dono sempre levava para caminhar com uma
grossa coleira de couro com pontas de aço e correntes reforçadas, ao se deparar
com Elisabeth no final da rua, enlouqueceu.
Seu dono pratica
musculação, mas nunca viu seu cachorro daquele jeito. Quem estava no portão
entrou pra dentro.
Chicão saltava quase
levando junto o seu dono.
Sua corrente
arrebentou, e ele foi enfurecido em direção a Elisabeth.
Quem assistia a cena,
começou a gritar, o cachorro pulou pra cima dela, ela deu um pulo para trás e
disse:
_O que eu estou vendo
aqui? Por acaso Cérbero perdeu uma de suas cabeças?
Ele baixou a cabeça,
enfiou o rabinho entre as pernas e se voltou em direção ao seu dono. Que vinha
correndo aos gritos.
Chega na farmácia,
pega de uma vez umas dez chupetas, e ao sair dela, respira fundo, vira os
olhos...
Vai começar tudo de
novo!
Antes de partir:
_Seu Durval!! Se não
contratar um entregador, vou comprar no concorrente!!
Minha tia não pegava
nenês no colo.
Dizia que não tinha
jeito com criança e que bebês lhe davam calafrios.
Nem com a minha mãe
cheia de pontos, foi meu parto foi cesárea, ela me pegou. Nos dias seguintes,
ajudava minha mãe em tudo, mas não me pegava no colo, minha mãe insistia, e ela
dizia não, dava passos para trás até.
Uma vez Dona Marta
radicalizou.
Achava isso ridículo.
Minha tia brincava
comigo conversava comigo no colo dela e no berço, mas não me pegava no colo.
Quando as duas saiam
para igreja, eu com ainda menos de um mês de nascido, minha mãe “tropeçou”.
Me jogou para o alto,
minha tia desesperada me pegou no ar. Ainda recoberto com a manta, pegou-me como
pega um bebê, dado a alguém com todo carinho e cuidado.
Ative o vídeo e leia o restante do texto com essa música de fundo
Seus braços tremiam,
suas pernas também. Ela balbuciou:
_Ele não pegou
fogo...
Minha mãe no chão:
_O que você disse?!
_Errr E-Ele não está
queimando... Não vejo... não vejo fumaça, não ouço choro...
_Claro que não! Ele
não está com febre! De onde tirou essa ideia?
Minha tia sorriu,
beijou minha testa, começou a me ninar.
Minha mãe a abraçou e
a beijou.
_vamos batizá-lo
imediatamente.
_Ainda é novinho.
Deixa ele escolher a religião primeiro.
_Ele poderá ter a
religião que quiser, desde que batizado na igreja católica.
_Tá bom!
_Chama um carro pelo
telefone.
_Não vai usar o seu carro?
_Não. Quero segurar o
Anthony no caminho, na missa e na volta pra casa.
_Mana, tu é esquisita!
Que bom que é assim!
Por todo caminho ela
ficou derramando lágrimas, rindo, ninando... fazendo aquelas coisas bobas que
todo adulto faz com bebês...
VII
Minha tia era carola,
talvez ao extremo, e quando minha mãe começou a adquirir independência, via
estudo e trabalho, isso criou certos conflitos.
Tais como trazer
namorados pra dentro de casa.
Hoje eu percebo o
constrangimento desses encontros.
Minha mãe, o namorado
dela, eu e minha tia, todos na sala. Acho que quando minha tia não ia com a
cara de algum namorado, ela chamava as amigas carolas dela e até o padre.
Uma reunião de
família e amigos da igreja que constrangia o casal.
Parecia namoro do século
XIX.
_São 11 horas da
noite. Hora de ir. Quer que chame um táxi? Eu pago. Amanhã acordamos cedo.
_Amanhã é domingo,
Beth!
_Amanhã temos missa!
E o namorado que
aguentou quase quatro horas de falação da minha tia, eu querendo atenção da
minha mãe, e às vezes, papo de senhorinhas carolas sobre salvação, obras da
igreja e o sabor da hóstia na última missa, achando que dormiria no quarto da
minha mãe e teria a sua recompensa, ia pra casa muito bolado e nunca mais
aparecia. Ao menos em casa.
_Irmã! Estamos no
século XXI!
E minha mãe ia
batendo o chão com os pés para o quarto e batia bem forte a porta.
Houve discussões tão
acaloradas, que em algumas, assustado, começava a chorar. Se eu começasse a
chorar, ficava pior. Minha tia nunca respondia a irmã, mas se eu chorasse, ela
gritava também. Piorando ainda mais a situação.
Eu só tive festa de
aniversário pra valer quando completei quatro anos.
_Agora ele vai ter
consciência plena do que está acontecendo.
Até então era comemorações
pequenas, com crianças do orfanato, da rua e com os amigos ricos da minha tia
dando presente pra mim, brinquedos e outras doações para o orfanato.
Bolo, brincadeiras, artistas
circenses.
Mas antes uma missa.
Tenho as fotos de
todos os aniversários e filmagens.
O meu de quatro anos
foi o maior de todos.
Não foi em casa, foi
na minha rua.
Centenas de penetras.
Mas havia comida e bebida pra todos. Refrigerante, sucos naturais, cerveja e
vinho.
Conheci muitos
moleques na comunidade nesta festa.
Alguns convidados,
convidado dos convidados e outros de penetra mesmo.
Os penetras pareciam
que foram na cara e na coragem. Chinelos surrados, short ou bermuda sem camisa,
ainda tinha os descalços,
As meninas com roupas
simples, mas os pés descalços entregavam a sua origem.
Acho que minha tia
previu tudo isso.
Ela distribuiu bolas,
ursinhos de pelúcia e joguinhos para todos.
Somente na vez do
Fernando, os brinquedos haviam acabado. Apesar dele tá com uma bolsa de mercado
cheia de bolo, doces, lembrancinhas, ele começou a chorar.
Minha tia o pegou no
colo, tinha a mesma idade que eu, mas veio sozinho, na onda dos moleques.
Minha tia o pegou no
colo cheia de amor.
_Olha, se quiser, tem
os brinquedos do Anthony, você poderá escolher um, mas é usado. _Seu choro
aumentou_ Dois, tá bom?_mais choro_ Três, não, quantos você quiser!_Só então
ele parou.
Ela me pegou pelo
braço, se agachou a minha altura e disse que Fernando ficou sem presente e me
perguntou se poderia dar alguns dos meus a ele.
Acenei consentindo.
Meus amigos que
estavam perto ouviram e me acompanharam por curiosidade.
Meu quarto sempre foi
gigante e tinha de tudo, de TV, jogos e brinquedos. Alguns eu realmente não
usava mais.
Com tanta
parafernália eletrônica de última geração, ele escolheu uma motoca movida a
pedal, minha tia me perguntou se podia dar e disse que sim.
Abracei o Fernando
_Quer mais?
Meus amigos:
_Escolhe, cara!
_Escolhe, coleguinha!
_Vai.
Ele ficou tão feliz,
que não queria mais nada.
Na saída do quarto
uma surpresa.
Um jovem armado com
um revolver, antes que minha tia reagisse ele me pegou e apontou a arma na
minha cabeça, ele estava acompanhado de outra menina, mais jovem que ele, mas
também com arma na mão.
_Passa pra cá Nando!
Fernando sem entender nada
obedeceu a mãe.
A gente só quer uma
transferência, passa a grana via pix! Ou seu neto, tia!
_A véia vai obedecer,
ainda não tem idade pra ser caduca.
Minha tia sem reação,
irritou o bandido. Que me sacudiu e apertou a arma contra a minha cabeça, me
machucando.
Meus amigos se trancaram
no quarto.
_Tá tudo bem. Olha,
eu não tenho celular, terei que ir ao meu computador.
_Não enrola tia! Quem
não tem celular hoje em dia!!
A mulher atira em
direção a minha tia, para assustá-la. Começamos a chorar, Nando, eu e as
crianças no quarto, a música lá fora deve ter abafado o estampido do tiro.
Quando minha tia se
dirigia ao seu escritório/biblioteca, no caminho até ele, cinco seguranças
armados apareceram, comigo no colo ele tentou fugir.
O casal sabia que
nada aconteceria comigo no colo, Fernando, puxado pela mãe, a mais louca do
casal, pois o filho que não conseguia acompanhar os passos da mãe, tropeçou e
foi rastejado por ela.
No quintal são
surpreendidos pelos amigos da minha mãe, uma flecha atinge a perna do
assaltante, uma faca na clavícula da sua parceira, como ela era magrinha,
atravessou a sua carne e ossos com a sua ponta reaparecendo nas costas, uns
motoqueiros roqueiros, eram mais de 10 Sete homens e três mulheres, havia de
revolver, pistola, metralhadora, espada, flecha e besta, logo cercaram o casal
em círculo.
Ele me colocou no
chão e Fernando foi para o colo da sua mãe. Apesar da dor bestial que ela
deveria estar sentindo.
Minha mãe calma se
aproxima,
Dessa vez armada, a
mulher encolhida em pé chorando muito, abraçando o filho, fazendo ele de
escudo. O companheiro no chão agonizando.
Corri para as pernas
da minha tia.
_Levanta.
De início ele se
ajoelha, ensaiando um perdão.
_Não se ajoelhe. Essa
posição é para os arrependidos que pedem perdão e para os conscientes da sua
fé. Levanta ou eu vou acabar com os seus joelhos para nunca mais invocar um
perdão, que é divino, em vão.
Nunca ouvi minha tia falar tão sério, de
forma tão pesada e com a voz grossa.
No quarto os
seguranças acalmavam meus amigos, que tudo era uma pegadinha de aniversário, e
que terminaria tudo bem.
Acho que eles
acreditaram...
Um dos motoqueiros puxa
o assaltante pelos cabelos e o levanta, com ele em agonia.
_Acha que sou uma “velha
coroca, carola e caduca” que não sabe da maldade do mundo. No mundo sempre pedimos
a proteção de Deus e providenciamos a proteção dos homens.
Há mais de cinquenta
câmeras espalhadas por todo o bairro. Você, todos foram e estão sendo
monitorados, a partir do momento que saíram das suas casas.
Quando as crianças
saírem, eu quero vocês rindo, fazendo piada da situação.
E foi o que
aconteceu.
A moça largou o Fernado.
_Vá brincar lá fora
com seus coleguinhas Anthony.
O Zuca:
_Que legal!!
_Olha as motos!! -Julinho
Não sei o que
aconteceu depois, mas quando Fernando foi chamado pela sua mãe para ir embora,
ela estava com tala, e o seu pai com um curativo na perna.
Ele contava um maço
grosso de notas, exibiu pra todo mundo, muita gente não entendeu nada. E foi
mancando com um olho roxo e boca inchada com dentes faltando, e a sua mãe cheia
de marcas de chicote na perna...
Aquela festa foi no
primeiro domingo, depois do meu aniversário. Completei os quatros anos na terça-feira.
Minha mãe,
praticamente, assim que desmamei, começou a trabalhar e a estudar. Um trabalho
de meio período a tarde, via amigo da minha tia.
Das dez às cinco da
tarde, dali, ela ia direto para o supletivo.
Tenho amor real pela
minha mãe, mas quem realmente me criou não foi ela, claro que nas horas de
folga, e a noite, era ela que ficava comigo.
Quem me criou na
minha primeira infância foi minha tia.
Eu já conhecia os
amigos motoqueiros dela.
Quase toda semana
estavam lá em casa.
Era sempre uma roda
de conversa no quintal, às vezes séria e tensa, às vezes cheia de risos,
estranho que o lagarto e o carcará sempre estavam presentes também.
No dia do meu
aniversário, antes da grande festa, fizeram uma “festinha” pra mim.
_Vem Anthony!
Fui para o meio do círculo
formado por eles.
Havia o Montanha, um
negro alto, forte com longas tranças e roupas cheias de espetos. Ele também nha
uma enorme trança na barba, sempre sorridente. Nunca vi ninguém se assustar com
ele, pois seu semblante era sereno, trazia conforto e segurança, a Norma era
uma mulher mais velha, cobria seus cabelos brancos com uma bandana amarrada na
cabeça, um pouco fora de forma, mas isso não parecia lhe preocupar, Filó era a
ruiva de olhos cor de mel, cheia de sarda, tinha mais de 30 anos, mas seu
espírito parecia de uma adolescente brincalhona de bem com a vida.
No conjunto, eles
eram bem diferentes dos motoqueiros que a gente via no cinema, calados e com
cara de mal.
Assim que entrei no
círculo, minha tia se aproximou de mim, me levantou de forma inclinada, os
motoqueiros se levantaram das suas cadeiras e fecharam ainda mais o círculo,
ela levantou a minha blusa pelas costas.
Mostrou algo que os
surpreenderam.
Uma marca de nascença
que só veria anos depois.
Os sorrisos se
fecharam, e senti uma apreensão ao meu redor.
Começaram a conversar
num idioma que depois descobri que era latim, e somente depois que dominei esse
idioma que entendi do que falavam.
E não foi coisa
boa...
Justus era um dos
motoqueiros que destoava deles.
Mas magro, mais
baixo, porém com corpo talhado, óculos fundo de garrafa, cabelos negros e
lisos, porém, a bandana cobria quase tudo, sorriu e me pegou no colo.
_Anthony, você que
uma motoca igual a nosso?
Acenei dizendo que
sim.
As motos e os tricitys
deles eram massa. Todas customizadas, não eram de montadoras, até os motores
deles pareciam ter fabricação manual.
O resto do dia foram
de brincadeiras, fui dormir bem cansado, mas minha mãe, para a data exata não
passar em branco, trouxe um pequeno bolo pra gente, os motoqueiros já haviam
partido.
Nós três com chapéu
de cone, língua de sogra e cantando parabéns. Minha mãe:
_Faz o pedido antes
de assoprar a vela, filho!
_Eu quero a motoca
que o Tio Justus me prometeu!
Minha mãe ainda não
conhecia os motoqueiros, ficou sem entender, mas logo esqueceu o assunto e
assoprei a vela.
Ela me levou pra
cama, um ritual somente nosso, e cantou até eu dormir.
Esse foi o primeiro e
o único sonho que me lembro até hoje cena por cena.
O céu era vermelho,
cheio de raios mudos que formavam pontos laranjas nas nuvens, parecendo que
elas queimavam no céu.
Um mato amarelo
desbotado, porém vivo, a brisa baixa os fazia bailar para todos os lados.
Num campo aberto vi
cavalos, quando me aproximei deles, descobri uma grande diferença. Seus olhos
eram vermelhos, como um laser. Se antes pareciam distraídos entre si, com a
minha presença senti um estresse entre eles, começaram a galopar meio que em
círculos, outros para os lados, até que o maior de todos se aproximou de mim e
baixou a sua cabeça até a altura dos meus olhos, me encarou, e os seus olhos mexiam
como uma câmera de um telescópio a procurar por algo, me cheirou, logo em
seguida levantou as patas dianteiras e começou a relinchar. Me assustei, tentei
correr pra longe, mas o resto do bando me cercou, pareciam querer me pisotear,
entre patas e desvio corri, segui por uma estrada de aço reluzente, eles
desistiram. Ela parecia não ter fim, quando cansei, passei a caminhar, já havia
gritado “mãe” dezenas de vezes, mas da minha garganta nada saía.
Não tinha ou não
sabia o que fazer, caminhei, caminhei muito, ao longo da estrada, eu via
árvores mortas, apesar de terem uma cor de planta saudável, apenas não tinham
folhas, e vultos onde alguns percebiam a minha presença e apontavam para mim.
Uns continuavam a me acompanhar com o pescoço de onde estavam, outros corriam
em direção oposta.
A estrada parou num
rio de lava. Era muito quente, assustados, no meio do leito uma pedra.
Perdido, só queria
acordar, mas não conseguia, foi quando percebi que a pedra vinha em minha
direção.
Na margem, ela se
mostrou o que era.
Uma gigante tartaruga
robô de duas cabeças, toda em bronze.
Sua voz soava como um
trovão abafado e sofrido. Não me atacou, Com seus gestos, parecia que queria
que eu subisse nela. Sem opções, foi o que fiz. Ela não estava quente, até
sentei para me sentir mais seguro, pois havia uma perigosa correnteza.
Do outro lado, robôs
femininos que cantavam e cantarolavam, mariposas, lavadeiras e fadinhas, todas
em aço.
Em cortejo me guiaram
para dentro de uma gigante caverna, dentro dela, um salão todo em bronze esverdeado
pelo zinabre, a acima dela, lá em cima, um buraco que iluminava o salão.
Vi um gigante de mais
de dois metros, de costas, musculoso, careca, coxo em uma das pernas.
Ele parecia trabalhar
em algo. Havia uma pequena queda de lava da qual ele retinha Um pouco,
manipulava com as mãos mesmo. Jogava um pouco em diferente formas, quando resfriava batia para desprender
as peças, o barulho que fazia, doía os ouvidos.
Eu apenas continuei a
olhar o trabalho dele. Suas costas largas eram cheias de cicatrizes. Trabalha
com uma bermuda feita de pele de carneiro.
Em um momento, ele sentiu
minha presença e disse, sem se virar para mim e sem parar de trabalhar.
_Anthony... Sua tia
vive me pedindo favores esdrúxulos. Esse é um deles.
Ele jogava todas as
peças numa enorme bacia de bronze, quando terminou, jogou-as de qualquer
maneira em uma bacia de metal derretido e começou a mexer como uma senhora mexe
uma gigante panela de comida.
Em seguida pegou um gigante
peneira com cabo e de dentro daquela sopa de prata derretida, tirou o meu
brinquedo.
Só então ele virou-se
para mim.
Era um cavalo de
ferro, que parecia agonizar, mas logo em seguida compreendi que ele estava
nascendo. Depois de algumas tentativas ele conseguiu ficar nas quatros patas.
_ O seu presente.
_Eu pedi uma motoca.
O gigante parrudo começou
a gargalhar, até que repentinamente se curva e grita.
_Vai reclamar com a
sua tia então!
Acordei gritando e
minha mãe acordou junto...
Entre tantos
presentes dado a Anthony na festa, o “Tio Justus” aparece com um embrulho que
não esconde muito o que é, afinal, como embrulhar pra presente uma motoca.
Anthony corre para abraçá-lo
e ele rasga todo o papel.
Era a sua motoca,
porém deferente das que se vendia nas lojas.
Era bem parecida com
as dos motoqueiros amigos da minha tia. Toda em ferro e aço. No volante uma
cabeça de cavalo.
Anthony vibra de alegria.
Ele ainda ganhou uma
jaqueta da gangue e uma banta, ele agora era um “demônio do céu”
Aluiso está vindo da
reunião com os advogados da falecida Elisabeth.
Ele se preparou para
uma reunião difícil, conflituosa, entretanto, jamais imaginaria tal situação,
que agora terá que falar com sua Cliente Marta.
“O nome dela é
realmente Marta?”
“Estou defendendo uma
assassina?”
“O que realmente
aconteceu naquela casa?”
Ele estaciona seu
fusquinha em frente a casa da D, Ermenegilda.
Marta está no portão,
vigiando a brincadeira das crianças.
Não consegue disfarça
a sua cara de decepção, Marta que sorria, ao vê-lo, muda imediatamente seu
semblante.
Bem de frente para
ela, e com voz baixa diz, antes que ela pergunte qualquer coisa.
_Precisamos
conversar.
Daqui a pouco o próximo capítulo o enterro da tia do Anthony
Anthony é uma obra em construção em tempo real. Garanto que com sua colaboração, terei mais tempo e incentivo para escrevê-la até o final.
Compartilhe e/ou faça um pix de qualquer valor. Desde já agradeço
Pix: 21969477813
texto revisado.
Outros contos do blog
O império do pênis numa família patriarcal
___Uma história de terror no carnaval
A mais assustadora história do blog, ao menos na minha opinião
Deste capítulo, sim.
ResponderExcluirDeus queira que sim. Não basta ter uma ideia. é preciso saber colocá-la no papel. Obrigada meu amigo.
ResponderExcluirÀs ordens.
ResponderExcluirTerror da melhor qualidade.
ResponderExcluirEscrita em tempo real. Vem o clique, escrevo e publico. Por isso que ao longo da semana faço algumas correções. É um blog de construção de ideias.
ResponderExcluirBelo noir!
ResponderExcluirA intenção não foi essa, mas que bom que acha isso. Obrigada.
ResponderExcluir