ANTHONY

ANTHONY



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Daquele dia eu lembro do mar de sangue que tomou toda a casa, uma casa grande, quatro quartos, cinco banheiros, uma cozinha gigante casada com uma das salas, biblioteca... (minha tia tinha biblioteca!), livros antigos, gigantes, pesados, alguns possuíam tranca, e um super computador dentro dela. Ela não desfez dos livros, mas nunca dispensou o bom e velho Google.

A grama do quintal ficou vermelha... As flores que não foram cortadas, amassadas, ficaram murchas, enegrecida e mortas.

A grande árvore, marcas de corte no seu grosso tronco, em alguns via-se os anéis de uma árvore idosa, robusta, cansada.

Independente do clima, da estação, sempre coberta com musgos ricos em vidas, seus galhos poderosos, verdadeiro condomínio de passarinhos, suas folhas em verde vivo, nesse dia ficaram marrom, os passarinhos, sempre havia ao menos um a cantar, silenciaram...

Havia um lagarto no quintal, minha tia o alimentava, assim, ele não subia na árvore para atacar os passarinhos,  embora eu desconfiasse que o equilíbrio da paz entre as espécies seja mais pela rígida vigília do carcará, o gavião que morava no topo, sempre a encarar o lagarto Rosé, sempre em que ele cismava de sair de algum buraco do quintal, onde só ele sabia onde era pra pegar sol.

 

Tudo que lembro é da minha mãe a gritar assim que passou pelo portão da casa.

_Anthony! Anthony! Pelo amor de Deus!! Anthony!!!

Minha mãe gritou com todas as suas forças, eu sentia ela rasgar a sua garganta, em um breve momento, sua boca sangrou, os ares saiam do seu pulmão com tanta força, que rasgaram a sua carne como caco de vidro.

Eu sai devagar, lameando meus pés em sangue, não olhava para os lados, apenas seguia a voz desesperada da minha mãe.

Assim que ela me viu, correu, me abraçou, chorou em dores excruciantes de alívio. Só então que ela pensou em minha tia.

Comigo no colo, correu pela casa.

Muros rachados, parte de paredes caídas no chão. Móveis virados, quebrados, rasgados, destruídos. Nada sobrou.

Lustres, privadas despedaçadas.

Ela gritava tão alto o nome da minha tia, que doía meus ouvidos, afinal, estava no seu colo, trançado em seus braços, envolvidos com a força de uma mãe desesperada que não pode (ainda), comemorar em reencontrar a sua cria viva.

O grande portão, isso mesmo, duas portas gigantes de madeira maciça, pesada, nobre e rara, estavam arrancados, caídos, rasgados, os porões da biblioteca, os livros...

Se via que muitos desapareceram, o computador jogado no chão, todo quebrado.

Excetuando o seu gigante monitor amassado como papel, tudo dele estava oco, com os fios para fora.

De um dos lado da biblioteca, onde havia um gigante crucifixo de bronze, por cima de Jesus Cristo, estava a minha tia, crucificada como, ela mesmo chamava, de nosso salvador. O filho do pai. Por cima dele.

Somente pendurada pelos pulsos, pregados por cravos enormes de ferro. Todo o sangue parecia escorrer do seu corpo, cheio de cortes, principalmente da sua garganta, a cachoeira vermelha ainda escorria.

Por instantes, minha mãe “me esqueceu”, me colocou no chão e correu em direção a minha tia, mas do nada, sem explosão, sem cheiro, sem fumaça, surgiu uma gigante labareda que logo dominou todo ambiente.

Minha mãe me retomou e correu. Parecia que o fogo corria atrás de nós como um gigante onda que invade um navio que afunda rapidamente, quando chegamos no quintal, ouvi uma explosão, não de bomba, mas de um fogo que, represado de alguma forma tomava o ambiente.

A rua já estava tomada pelos moradores, com os gritos, chamaram a polícia que adentrava o quintal.

Um policial nos ajudou a levantar, foi quando comecei a chorar.

A explosão, o clarão nos derrubou, minha mãe me entregou ao policial e correu para dentro para salvar minha tia.

Outro a segurou.

Ela lutou, gritou muito, o policial, apesar de forte, teve dificuldades. Eu em prantos, em choro alto e descontrolado.

O policial tentava me acalmar, vizinhos mais corajosos, ajudaram a segura a minha mãe, e o policial me passou para o colo de uma senhorinha.

Chegou a ambulância, minha mãe foi atendida, mas não quis ir para o hospital.

Os bombeiros chegavam nesse momento.

O fogo tornou-se gigante, casas evacuadas, gritaria na rua, e minha mãe rezando a Deus, pedindo por um milagre.

Minha tia sair de lá de dentro, viva e andando.

A água nada adiantava. Às vezes dava a impressão que, o que eles jogavam no fogo era gasolina.

 

Entre a plateia mórbida, assustada e expulsa de suas casas, um homem gritou:

_Vejam, pessoal! Olhem para o topo do fogo!!

Minha mãe, agarrada a mim, saiu da ambulância.

Ela ainda possuía um infinito recorte do átomo que compõe a esperança, não sei se ela entendeu bem os gritos do homem, seguidos por mais gritos da plateia estupidificada.

As labaredas do topo começaram a bailar. Não ventava.

De dentro dela, surgiu um anjo de fogo, que parecia lutar para sair das chamas.

Um grito de agonia tomou toda a rua, fazendo tapar os ouvidos dos presente, outros correram.

Suas asas de fogo se agigantaram e uma enorme explosão apareceu em seguida.

As chamas desapareceram.

Já viram esqueleto de casa?

Tem como imaginar um?

Foi o que sobrou da nossa casa.

Minha mãe se ajoelhou, voltou a me abraçar forte, caiu em prantos descontrolado. Quem ficou até esse momento também se ajoelhou.

Policiais e bombeiros fizeram o sinal da cruz.




 

 


Fim?



Á medida que escrever a história, vou adicionar os capítulos nesse mesmo link. Assim, quem ficar um tempo sem ler, poderá reencontrar a sua leitura sem o stress, de procurar os capítulos entre as outras postagens.


II

Não tínhamos mais minha tia.

Não temos avós.

Uma vizinha, conhecida por seu mau humor, nos acolheu.

D, Ermenegilda. Todos os vizinhos falavam mal dela, as crianças da rua tinham medo. Quando uma bola batia no seu portão, em momentos raros, ela saía pra fora pra xingar a gente.

Não falava palavrão, mas foi com ela que conheci o nome de muitos demônios:

_Seus filhos de Belzebu!!!

_Vão tacar essa bola nos portões do inferno! Seus filhos de Satanás!

Entretanto, foi a ela a quem o policial me deu, para ajudar a segurar minha mãe, ainda enlouquecida, e seu parceiro quase não conseguia segurá-la mais.

Dona Memê, como é conhecida pelos vizinhos, correu comigo para sua casa, me ofereceu água, fez carinho falando palavras doces e me fazer acreditar que tudo acabaria bem.

Minha tia era uma das poucas pessoas da rua com quem possuía uma amizade sincera.

As duas eram carolas da igreja.

Coincidentemente, ela às vezes dava aula no catecismo da igreja, minha comunhão estava marcada pra semana que vem, era um momento em que as duas se aproximaram ainda mais.

Nas poucas vezes em que ela entrava na nossa casa, eu me escondia.

Dona Ermenegilda tem duas manchas gigantes nos olhos, quem não a conhece, acreditaria sinceramente que era cega.

Ela enxerga pouco, mas o suficiente para se virar sozinha, isso não a impedia de usar uma bengala, que desconfio que era mais pra ajudar no seu andar, pois sua idade era bem avançada, mais de 80 anos, do que para enxergar.

Era comum ela dá bengaladas em desavisados que pegavam na sua mão para desviá-la de um obstáculo ou atravessar a rua.

Julinho adorava isso.

Quando Dona Emernegilda saía à rua, ele corria a frente. Procurava um passante qualquer e dizia.

_Moço, pode ajudar a minha avó, ela é cega, e tenho medo de ela se perder. É só até o mercadinho.

E lá ia a santa alma...

_Bom dia vovó. Vem cá que vou te levar até o mercadinho.

Assim que o pobre candidato a anjo pegava no seu braço, a velha se transformava.

_Eu não sou cega!

_Eu não pedi sua ajuda!

_Seu tarado!! Tarado! Quer me sequestrar!!!

_Calma aí, vovó! Ai! Ui!

_Socorro! A velha é louca!!

Lembro que antes de falar, ela já começa a dá suas bengaladas.

Julinho aparecia rindo, orgulhoso da sua traquinagem. Quase sempre iniciava uma corrida, pois o candidato a ter a sua alma salva, corria atrás do moleque, que pulava o muro da sua casa, e fazia por trás do portão, a sua dancinha e careta de língua pra fora.

_Nhá nhá nhá nhá-nhá nháááá!

Os mais surtados ameaçavam a pular o muro também, porém assim que aparecia a rottweiler Domitila e o vira-lata Bonifácio, rugindo e latindo com todas as forças, a pessoa desistia.

Seu pai era professor de história. Daí no nome dos cachorros...

Julinho também era o terror das meninas.

Sempre que elas iam pra calçada brincar de boneca, montar sua casinha, ou tomar chá de água de tijolo e preparar bolos de massinha ou lama, Julinho corria entre elas, “sequestrava” uma das bonecas, as meninas gritavam corriam atrás, quando uma delas tinha irmão ou irmã mais velha, e este atendia ao clamor da irmãzinha, Julinho largava a boneca no chão ou a xícara afanada da mesa de chá das meninas. Nunca antes sem parar diante do leão que corria em sua direção, fazer pose de bichinha (acho que ele imitava as meninas), “beber” o chá de água de tijolo e largar a xícara no chão.

As coisas mudaram quando Sandrão mudou-se para rua.

Apesar de ter a nossa idade, entorno de seis ou sete anos, ela parecia ter 10. Grande, gorda (ou forte?), sua gordura parecia servir como músculos no seu corpo.

Em mais um sequestro de boneca, Sandrão rapidamente alcançou Julinho e lhe deu um cascudo de quase afundar a cabeça dele.

As meninas comemoraram, e Sandrão passou a ser convidada para todas as brincadeiras dela.

Logo em seguida, as coisas mudaram. Sandrão também queria brincar com os meninos, e foi a ponte entre nós e as garotas. Passamos a aceitá-las até para brincar de queimada.

Inspiradas em Sandrão, elas não abriam o berreiro quando a bolada doía, e os moleques mais frouxos  engoliam o choro. Ela só protegia os cafés com leite, os pequenos, e apesar de todo cuidado que tínhamos o pirralho soltasse um “manhêêê”, a gente corria, pois viria confusão, Sandrão não, Ia em direção ao chorão e gritava mais alto:

_Você não quis brincar?! Você não aceitou brincar?! Agora engole o choro!

O pentelho quase engasgava no engulo seco e doloroso do choro e do grito.

 

Oscilava entre o nosso time e o delas. Todos queriam Sandrão, e dependia de quem ganhasse no par e ímpar.

Zuca, por exemplo, passou até a brincar de pai de boneca de uma das garotas ou de professor das bonecas, quando a brincadeira era de escolinha.

 

No dia seguinte, ainda havia fumaça no local do incêndio.

Tinha uns caras dizendo que processaria a minha mãe, pois o incêndio causou danos no muro da casa, quando a luz caiu e o transformador, atingido pelas chamas explodiu, perdeu elétros.

Os mais sensatos batiam no portão da casa da D. Memê. Coisa rara, todavia, a amizade e o carinho que eles sentiam pela minha mãe, superaria qualquer ojeriza por D. Memê.

Entre os adultos estavam os meus amigos, levados por seus pais, entre eles o Seu Aluisio, advogado recém-formado com +D40 anos. Ele acreditou que poderia realizar e viver dos seus sonhos. Formou-se numa faculdade particular, se entupiu de dívidas e após o estágio, não conseguia emprego, tão pouco clientes. Ao menos não os que ele queria.

Gente rica e poderosa.

Acabou tornando-se o advogado dos moleques da boca de fumo do bairro.

Estava ele com sua pasta e terno a oferecer seus serviços a minha mãe.

D. Memê abriu o portão, e antes de todos entrarem ela resumiu o estado dela.

_Tá desconsolada, não estou dando calmantes! Aquilo é veneno! Mas bastante chá de camomila e erva cidreira.

É um momento difícil, ela vai precisar de ajuda. Afinal a vida não para. O padre virá mais tarde conversar com ela, rezar e oferecer todo apoio da igreja.

Seu Jales, que era pastor, ofereceu sua palavra. D. Memê concordou, apenas pediu para não gritar como se tivesse num culto. O pastor se sentiu ofendido, mas uma cotovelada da esposa o segurou.

Na varanda, gatos recepcionavam a visita, Dona Memê me chamou.

_Anthony! Annthony!

Estava no quarto segurando a mão da minha mãe, assistíamos Netflix juntos, acho que somente eu assistia. Nas poucas vezes que olhava para ela, seu olhar estava perdido, longe, banhado em lágrimas que nunca escorriam.

Saí devagar, parecia que minha mãe dormia com os olhos abertos, e não quis acordá-la.

_Vem brincar com seus coleguinhas. Os adultos vão cuidar da mamãe, vá se distrair um pouco.

 

Lá fora, os adultos comentavam sobre o fogo, o anjo(?) a explosão, o fato da dona da casa ter morrido e sobrado somente os seus possíveis herdeiros.

Adultos comentam de tudo, principalmente maldade.

_Foi uma alucinação coletiva! Esse incêndio foi muito estranho. A fumaça devia ter algum componente proibido!

_Maconha?

Risos sinceros e risos sem graça.

_Não senti cheiro de maconha!

_Mas não se queimou só maconha! Queimou tudo! O cheiro foi encoberto.

_Estávamos todos assustados, talvez tenhamos tido o comportamento de boiada...

_Como assim?! _O cara se sentiu ofendido. Para ele ser chamado de boi é ser chamado de corno.

_O Durval começou a gritar, estava encachaçado, como sempre. Apenas seguimos o que ele acreditava ver. A situação de apreensão ajuda muito.

É assim que surge as lendas urbanas.

Uma historinha, depois vem os relatos; as “tes-te-mu-nhas”. _Dionísio dá ênfase a palavra, fazendo aspas com as duas mãos.

_Cara, ninguém filmou?

_Sim, filmaram, recebi um pelo zap, na imagem, dá pra imaginar qualquer coisa, até um anjo.

_Eu não recebi!

_Vou te passar.

Chega a polícia, dentro dos carros, detetives e bombeiros.

Vão averiguar as causas do incêndio.

Eu estava entretido com meus amigos na rua. Ninguém falou sobre ontem. Nessas horas, crianças são mais adultas e respeitosas. Em pouco tempo, risos contidos, brincadeiras leves. Nada de correr ou pular.

 

O bombeiro que estava presente no incêndio no final da tarde de ontem, não comenta com os policiais civis o que viu. Sua opinião poderá afetar os resultados. Ele está apto a negar tudo que viu com apenas uma prova.

De praxe, os policiais expulsam os curiosos e adentram o quintal.

Um dos investigadores colhe o pouco da grama que sobrou com respingos de sangue, outro adentra a casa junto com o resto da equipe.

Paredes derrubadas, esburacadas.

_Pelo estrago, seria uma explosão para destruir todo quarteirão.

_Olha a grossura do cimento e dos tijolos. São aqueles maciços antigos. Se fosse uma casa nos moldes modernos, talvez sim.

_A moça já depôs?

_Ainda, não. Vou aguardar o enterro.

_Enterro do que?

_Não acredita que encontrará um corpo?

_Se tivermos sorte os cacos dele entre o carvão que sobrou...

_Então faça isso. Se não há corpo. Mais um motivo para investigação.

A certeza é que sangue havia. E muito. Pode ter havido uma chacina aqui.

Cada vez que eles adentram pela casa, parte da equipe fica num ponto para começar a garimpar qualquer coisa.

Quase não há teto, não há paredes inteiras. Apenas uma que chama a atenção deles.

 

Assim que fica de frente pra ela. O bombeiro repete o sinal da cruz. De forma discreta, chama o detetive chefe da equipe.

A única parede de pé, é a mesma onde estava, e continua lá, o enorme crucifixo de bronze, com uma escultura de Jesus nele.

O espanto não é pelo bronze da cruz pesada, intacta ainda na parede, e com algumas partes, com o seu brilho original, a parede intacta também não os surpreende mais.

Na gigante parede, não há o corpo de Elisabeth.

Há uma sombra, uma mancha gigante que cobre todo cristo e quase toda cruz, ultrapassando a escultura, tomando todo restante da parede.

Para os distraídos e até para quem se surpreende nos primeiros segundos, se ajoelharia, para logo em seguida, se arrepender e se levantar.

Apesar da enorme “asa” negra que avança por quase toda parede. Logo se vê que a sombra, verticalmente ultrapassa o crucifixo, a cabeça da sombra está acima dele. E acima da cabeça, ligado a ela, um enorme par de chifre.

Imaginem a reação de um distraído, ao descobrir que se ajoelhou diante da imagem do diabo.

 

 

 

IV

 

Elisabeth nunca gostou de crianças. Ela tem paciência com os pequenos, mas os baixinhos nunca foram prioridade na sua vida.

Tanto que nunca teve um.

“Essa moça é sapatão?”

“Sei lá, sem marido, filhos...”

“Não sei, mas isso não lhe diz respeito!”

“Diz sim! Ela parece que virou a queridinha do padre! Ele; nós temos que saber quem anda se metendo com a igreja!”

“Já viu ela com mulher? Ou você desconfia que ela pega as freiras e as irmãs da igreja? São as únicas mulheres com quem ela anda!”

“Eu não quis dizer isso!”

“Quis sim! Se não há homens... É por isso você espalha rumores e desconfianças sobre particularidade dela, então as mulheres com quem Beth se socializa são suas parceiras de roça-roça!”

“Adelaide! Que palavreado é esse?!!”

“Minha vontade é de falar coisa pior! Basta continuar com suas injurias Querubina , que te mando um TNC rapidinho! E ainda te entrego para o padre!!”

Estavam todas numa salinha da igreja, onde as carolas faziam croché e tricô para o bazar e para caridade, Adelaide que elevou para bem alto o tom da sua voz, calou Querubina (por umas semanas), os olhares das outras senhoras também a intimidou, até que uma outra presente disse:

_Se é por falta de homem na vida dela, deixo aqui um testemunho...

Toda sala voltou seu pescoço para a irmã Matrícia:

_Sabe aquele bar de roqueiros, que pouco abre, mas quando abre, lota de homens e velhos, todos vestidos de preto, lenço na cabeça, motos, alguns acompanhados de mulheres com a idade das netas deles?

_Não, não sei. Passo bem longe desses antros!

_Pois bem, eu vi a irmã Beth nele, numa noite dessas!

_OOOHHHH!

_Humm!

_Xiiiii...

_Ela até acenou pra mim, quando me viu!

Estava no meio de uns barbudos, de óculos escuros, uns novos e outros velhos, com uma jaqueta com escrita atrás:Demons of Paradise.

_OOOOOHHHH!

_Hummmmm...

_Eles pareciam ter muito carinho com ela.

_O que é “demons ófi Paradaise”?

_Burra, é demônios do céu!!

Seguiu-se um “Ahhhh” logo silenciado por elas mesmas, algumas colocaram a mão na boca pra ajudar.

_Ela não é sapatão, mas vive em pecado. Cristão não ouve rock e nem se coaduna com esses motoqueiros adoradores do demônio!

_O padre sabe?

_Aquele que estiver sem pecado, que relate essa conversa ao padre Messias. _Completa Adelaide, todas se voltam para o croché e o tricô e silêncio pelo resto da tarde.

 

 

Marta está a caminho da casa de uma pessoa que nunca viu e nem conhece, ela nem tem certeza se encontrará a pessoa que procura. Por dias anteriores, teve ajuda de amigos, menos do pai do seu bebê, de quem ela fugiu, e arriscou-se pelas ruas do estado. Desce na rua, procura pelo número é encontra um gigante portão branco, aperta a campainha, aperta novamente, e a demora em atender se repete.

Está cansada e com fome.

Na terceira vez, um visor se abre.

_Batendo em porta errada, menina.

_Elisabeth Pereira Muniz?

_Ela mesma, se procura doação ou ajuda da igreja, a irmã Edvirgens está sempre por lá, mesmo com a igreja fechada.

Antes que Beth aperte o botão, desligando o visor...

_Beth!! Sou Marta Pereira! Filha do seu pai, somos irmãs!!!

Beth não acredita e encara de forma desconfiada e surpresa.

_Eu posso provar! Tenho certidão e fotos!! Por favor, me atende!!

 

Chegou o dia da minha mãe depor, eu continuava na casa da D. Ermenegilda. Conheci a idosa em casa, no catecismo, mas nunca havia conhecido o seu lado doce.

Foi a primeira vez que soube o que era uma avó. Com ela eu até conseguia sorrir um pouco, nas brincadeiras com meus colegas também, porém, quando chegava a hora de todos irem tomar banho, aguarda a chegada do pai ou dos pais ou da mãe do trabalho e ver televisão, eu sentia um vazio.

Meus amigos partindo sob o chamado do pai ou da mãe ou do irmão mais velho, os via voltando para suas casas, e olhava para o que sobrou da minha.

Não chorava mais, porém, me sentia amargo, pesado. Sentia pela primeira vez o que chamamos de saudade.

Há alguns dias eu não ouvia a voz da minha tia, não a via.

Eu ainda tinha a minha mãe, porém, eu me sentia sozinho, incompleto.

Esses dias seguintes foram horríveis pra mim.

No entulho, os curiosos, pessoas desrespeitaram as fitas amarelas e pretas e começaram a explorar o lugar.

Muitos com celulares na mão, fazendo lives.

Em uma noite um grupo de “caçadores de fantasmas” montou acampamento para passar uma noite ali, D, Memê chamou a polícia e expulsou todos.

No dia seguinte, apareceram pessoas mais discretas, que chegavam bem tarde da noite, e faziam um vídeo de “passei a noite na casa do diabo”.

Um desrespeito total ao que havia acabado de acontecer.

Matheus, um valentão mais velho que nós, que adorava dá cascudo nos moleques da nossa idade, cortar nossas pipas no céu, com a sua proibida linha chilena, chegou com cara consternada, querendo me dá apoio, até abrir um desses vídeos com o singelo nome: Dormi ao Lado do Diabo na Casa Incendiada.

Comecei a chorar e ele continuou com seu sarcasmo:

_Fica assim, não Anthony. Sua tia era esquisita, todos sabemos que ela tinha trato com o bicho ruim, agora ela tá famosa!

Chora, não Anthony, pôôxa!

Enquanto ele falava, ele pouco a pouco perdia o controle da gargalhava que tentava engolir.

_Bruxas são legais! Mas Deus é maior, e tenho a certeza que sua tia, ao lado do capeta, ora por ti, com muito arrependimento.

Perdi o controle, e com os olhos lacrimejando, chutei a sua canela com toda força que tinha.

Não o abalou tanto, sua reação foi um “Filho da Puta! Ops! Filho do demônio!”

Comecei a socá-lo. Socos que ele evitou apenas segurando a minha testa.

_Fica calmo, cabeção!

Distraído comigo, meus amigos aproveitaram e começaram a chutá-lo e dá socos.

Janine, mesmo com a sua boneca preferida, de madeira, começou a bater nele com ela.

Julinho pulou em cima dos ombros dele e o derrubou.

Com ele derrubado no chão começou o festival de chutes.

_Afasta! _Gritou Sandrão que estava um pouco afastada, recolhendo a cozinha de boneca pra levar pra casa.

Ela correu e deu um pulo bem nas costas dele. Ouvimos um estalo e Matheus começou a urrar de dor, atraindo a atenção dos adultos.

Não precisamos de mais nada, de nenhum alerta. Cada um correu para um lado.

Quando os adultos chegaram não tinha ninguém. Somente o Matheus gritando e chorando como um neném.

Chamaram a ambulância, seus pais apareceram e ele entregou todo mundo.

Aí começou foi uma briga de adultos.

Porque os pais de Matheus ameaçaram eles.

_Isso nós resolvemos. Ele será castigado assim que o vir.

_Quando ver o filho de cada um daqui, vou dá porrada de levar para o hospital! Do mesmo jeito que fizeram com o meu filho!

Não deu outra.

Quem foi parar no hospital foram os pais de Matheus, não como acompanhantes.

Seu Alonso, o pai do Zuca, tinha uma academia de artes marciais e deu um socão no nariz do cara, antes da mulher dele defendê-lo, uma mãe tomou a frente e começou a dá tapas nela.

Era uma família controversa.

O filho era um retrato do que eles eram: maus vizinhos.

Quase toda semana era um bate-boca ente as mulheres ou uma briga no bar entre os homens, que quase chegava no “vamos ver”.

Dessa vez ninguém se segurou.

Todos extravasaram as suas desavenças com a família.

Era fofoca, reclamação, piadas agressivas do pai do Matheus, roubo de Will fil , eles ainda tinham o costume de arranhar os carros dos outros moradores. Som alto fora de hora, envenenavam cachorros e gatos.

Eles nem eram convidados para os churrascos ou aniversários, mas apareciam mesmo assim, na maior cara lavada. Fingindo intimidade e amizade.

Algo que nunca entendi direito dos adultos.

A falsidade, as aparências...

Depois soube que, para não haver confusão, os outros adultos participavam do “teatro”, e tratavam bem os penetras.

Eles até apareciam com algum presente para o filho aniversariante, ou com engradado de latinhas de cerveja e alguma carne para o churrasco.

Eu nunca entendi essa família.

Ainda mais quando Matheus voltou do hospital com colete cervical, todo duro, nossos pais nos obrigaram a visitá-los e se desculpar. Mesmo sabendo de tudo que havia acontecido.

_Não é assim que se resolve as diferenças! Deviam ignorá-lo e chamar um adulto!

_Foi uma reação exagerada!

_Nós nos desculpamos com os pais dele. Agora é a vez de vocês!

Chegando lá, apesar do Matheus ter passado uns dias no hospital, a sua cara ainda exibia um pouco do inchaço e do roxo, assim como seu corpo.

Deixaram a gente sozinho com ele no quarto. Julinho tomou a frente e começou a se desculpar, seguido por nós.

Eu continuei calado.

Janine me deu um toque com o cotovelo...

Até então, estava de cabeça baixa.

Levantei e o encarei.

_Desculpa, Matheus.

Sua cara era um nojo de deboche e desprezo pela gente. Ao menos era isso que entendi.

Logo em seguida ele começou a chorar como um bebê.

Seus pais, que provavelmente deviam estar atrás da porta logo entraram no quarto, a mãe foi tentar abraçá-lo, mas isso lhe causou mais dor e seu pai começou a xingar o filho.

O chamando de frouxo, bunda mole... por aí.

_Engole o choro, moleque!! Já não chega o vexame que nos fez passar!!!

Agora toda rua nos odeia!!!

_Cala a booocaaaa!

Saímos rapidamente, assustados com a cena.

Eram os seus gritos, ecoando pela casa, enquanto a gente corria dali.

Os adultos que nos esperavam do lado de fora:

_O que aconteceu?

_Não sei...­__Zuca

_O Matheus começou a chorar, assim que nos desculpamos e os pais dele entraram no quarto.

_O que vocês falaram?!

_Nada. Só desculpa.

Cada pai ou mãe pegou o seu filhote e o levou para suas casas. Teriam castigo o resto da tarde.

Eu fui sozinho pra minha casa...

 

 

Na porta da delegacia. Marta, acompanhada do advogado Aluisio, comparece para depor. Porém na frente da porta da delegacia, há uns engravatados que os abordam.

_Dona Marta, bom dia. Desculpe em conhece-la em tal situação.

_Quem são vocês?

Aluisio toma a frente, literalmente...

_Advogados de porta de cadeia! Sumam daqui! Ela já tem quem a represente!

_Senhor Aluisio-o mesmo arregala os olhos, ao falarem o seu nome-pagaremos o seu trabalho até aqui, seja qual for o acordado com a Senhora Marta, será sensato que nós assumamos todos os trâmites legais que poderão acontecer com a Senhora Marta, a partir da morte da sua irmã.

_Mas quem são vocês, afinal? Sabiam que tenho hora marcada com um delegado que acha que taquei fogo na minha casa e matei a minha irmã?!

_Sabemos. Foi uma morte repentina, por isso demoramos a procurá-la. Queira nos desculpar por esse erro crasso.

_Não fale com eles, Marta!

Os dois tiram documentos de dentro do paletó. E exibem para Marta e se apresentam, Aluisio tira das mãos deles, antes que minha mãe o pegue.

_Somos a fundação que administra a fortuna da sua irmã, e ela deixou tudo pronto para em caso de morte.

_Qualquer tipo de morte...

_Fortuna? Eu sei que minha irmã tinha posses, mas nunca foi rica.

_Ela era humilde e discreta.

_Foi a forma de proteger você, seu filho e a si própria.

_Sabe, sequestros, assaltos... Essa violência de hoje.

Aluisio de cara amarrada, revira os papéis com as mãos e o olhar.

_Nunca ouvi falar dessa fundação!

_Elisabeth criou com o único objetivo de administrar os bens em vida e após a morte.

_Marta, não confia! Pode ser um golpe!

O que vão fazer? Fingir apoio a minha cliente, oferecer seus serviços, fazê-la assinar um longo contrato cheio de armadilhas jurídicas e roubar tudo que é dela de direito?!

_Não.

_Não confia, Senhora Marta!

Um deles se aproxima do ouvido de Marta e sussurra alguma coisa.

Ela começa a chorar.

_Olha o que vocês fizeram! Saiam daqui ou chamo a polícia!

Com um gesto apaziguador de um dos braços, ela encara Aluisio e o puxa para um canto e conversa com ele rapidamente.

Ele fica surpreso, reluta, a aconselha:

_Ainda assim é arriscado. O que impedirá esses caras, e se essa “fundação” lhe passar a perna?

_Minha irmã tinha manias, e quando ela me falou isso, eu nem dei bola, foi a tantos anos, Anthony era um bebê... Eu havia até esquecido.

Aluisio, apesar de iminência de perder a cliente, a olha de forma preocupada e terna.

_Marta, se quiser eu continuo como seu advogado, como uma terceira voz que poderá lhe assessorar em algum desmando desses caras, até se sentir segura, eu não vou lhe cobrar por isso. Eles precisam saber que não terão uma mulher sozinha, fragilizada, que nada entende de direito pra sambar em cima.

Por segundos ela pensa e acena com a cabeça, se voltam para os advogados.

Respira fundo e diz:

_Ok, tudo bem. Vamos entrar juntos na delegacia. Entretanto Aluisio será o meu advogado particular, ele será a minha segunda opinião e conselheiro pra qualquer proposta que vocês me façam, e os honorários serão pagos pela fundação.

_Está certíssima Senhora Marta.

 

 

Se de início, a sombra do diabo, ofuscou o belíssimo crucifixo gigante, com a escultura de cristo em madeira, totalmente salva do incêndio, escurecida apenas pela sombra demoníaca de enormes chifres e asas, que parecia agonizar por cima da imagem.

A parede logo virou local de romaria de católicos.

De vez em quando aparecia algum adorador do diabo, mas este era logo  enxotado pelos vizinhos ou algum cristão que passava por ali.

Numa madrugada rara, onde não havia um crente orando ou rezando ou alguém de capuz, coberto da cabeça aos pés, ajoelhado de frente para a escultura ( ou para a sombra), dois catadores, que ficaram dias à espreita da oportunidade, se aproximam dos entulhos que sobrou do incêndio.

_Quer fazer esse carrinho de mão para de piar?! Vai acordar todo mundo.

_Então carrega ele!

_Não! Quem teve a ideia fui eu!

_Mas o carrinho é meu!

_Mais um motivo pra você dá um jeito nisso!

_Com o peso da cruz, ele vai ficar silencioso. É assim que ele funciona!

Cachorros começam a latir, o catador nervoso, levanta o carrinho pela parte da frente.

Adentram ao que restou da casa e vão logo para a única parede que continua em pé, a do crucifixo gigante.

De frente para ele:

_Isso deve ter mais de 50Kg de latão!! Vai dá um dinheirão no ferro-velho do Gilberto!

_Eu prefiro vender pro Bufunfa! Aquela balança do Gilberto...

10Kg lá sempre dá 7! Imagine mais de 50Kg, vai dá menos de 30!!

_Ele rouba freguês otário, igual a você! A mim não!

Logo em seguida os dois tentam levantar a cruz, deduzindo que ela está pendurada na parede, mas ela nem se move. Então começam a puxar, tentam nas pontas, nos lados e nada.

_Deve tá cravado na parede!

_Ainda bem que tive a ideia da sexta-feira!

_Que também é minha! Esse lance de 30 e 70% não tá justo! Tudo aqui é meu!

_A gente resolve depois, primeiro, temos que tirar isso daqui. Ele aponta pra sexta-feira no carrinho e aponta para parede.

_O que tá olhando?

_Faça a sua parte!

_Não vou fazer, não! Por 30%? Derruba a parede você.

Amarrando a cara, o catador responde:

_Como quiser.

Assim  que ele levanta a pesada sexta-feira...

_Espera!

Seu amigo deixa o marretão cair no susto, quase deslocando o braço e atingindo a canela.

_O que foi!!?

_Tem que pedir licença antes!

_Como licença?! Tá vendo uma macumba aqui?!

_Sei lá!! Já viu o que tem nessa parede?!

_Tem uma sombra que se parece com o bicho //runnh//!

As pessoas veem o que querem! Eu vejo um barril de cachaça com o dinheiro que vou conseguir levando pro ferro-velho!

Justino faz o sinal da cruz e começa a rezar...

... perdoe senhor, mas é pelo leite das crianças e a mistura da semana...

Seu “sócio” nesse furto, o ignora e começa a bater com a sexta-feira na parede. Que balança e começa a rachar...

Justino na sua reza descontrolada, com palavras repetidas seguidas vezes como “Senhor” “Perdão”, de olhos fechados e mãos no peito, é interrompido pelo grito do amigo, antes que ele abrisse os olhos e não se surpreender com uma marretada na própria canela do desastrado amigo, ele é surpreendido e sufoca o seu próprio grito ao ver a cena do seu “sócio” com a mão no rosto, descontrolado, urrado de dor.

_Jaime, o que aconteceu?!

Rapidamente se aproxima dele, puxa as mãos de seu rosto e sufoca o seu segundo grito ao ver o que realmente aconteceu.

Os olhos de Jaime estão completamente negros, pareciam que foram arrancados, mas das órbitas, não saem sangue, e sim uma gosmenta massa negra que queima o seu rosto, saindo uma fétida fumaça dela.

Covarde que é, sai correndo, deixando o amigo agonizando de dor, ser socorrido pelos vizinhos que acordam com os gritos.

 

 

 


 

 

 

 


 

V

Chegou a hora da Marta depor. Assim que entra na sala, o delegado debocha:

_Acredita que realmente precisa de uma tropa para acompanhar o seu depoimento? Tá com medo do quê?

Marta iria falar mas um dos advogados toma a frente.

_Minha cliente nada teme, a não ser a sua postura nesses dias seguidos a morte trágica da sua irmã. Desde então, você vem insinuando sua culpabilidade, ameaçando-a num processo totalmente equivocado, no caminho até aqui, ainda recebemos ameaças de um senhor de nome Quincas, que falou claramente que vai “fuder com a vida da minha cliente” .

_O Quincas é o faxineiro da delegacia, ele gosta de tirar

_Faxineiro?

Aluisio pra não perder o bonde:

_Faxineiro!!

Isso aconteceu mesmo, aliais a cada policial com quem eles trombaram no corredor, se ouvia risadas, outro esfregando a mão e sussurrando “vamos esfolar a novinha”.

Estava claro que o ímpeto da polícia era criar um inquérito que criminalizasse Marta, antes de qualquer investigação, a não ser que ela molhe a mão de todos os policiais da delegacia. Parece que rapidamente eles fizeram um levantamento da situação financeira da Elizabeth e da herança de Marta.

Coisa que até então ela não pensou.

Dinheiro passou longe nesses dias. O luto a dominou, e por pouco não a adoeceu gravemente, e a preocupação com o futuro de Anthony.

_Nós sabemos o que realmente é Quincas.

Da mala ele tira a ficha do”faxineiro”

Sabemos que ele é um preso condenado esperando transferência para o presídio, ele é o que vocês chamam de preso de confiança.

O cara que faz o trabalho sujo de vocês. Logo em seguida para a surpresa amarga de todos, várias fotos com o Quincas no camburão da polícia civil, uma delas, até como uma automática na mão, pra fora da janela.

_Isso é montagem!! Posso lhe dá uma ordem de prisão agora por falsa acusação e chantagem!

O outro advogado fala:

_Apenas exigimos uma investigação imparcial. Minha cliente estava fora, não sabe, não sabemos o que aconteceu.

_Não quero saber de ouvir vocês! Estão todos presos!

                                   _Hei! Você não pode fazer isso!      _ Aluisio

Os dois advogados cercam a mesa do delegado e Marta começa a chorar de nervoso.

Aluisio conforta Marta e sussurra pra confiar nele, caso dê tudo errado. No fundo ele troce por isso...

_Se fosse você, eu começava a mudar a sua postura em relação a sua vida e trabalho.

Ambos ficam olho a olho ante ao delegado.

_Ainda há tempo...

O delegado calado e puto, pedem que todos se sentem, a datilógrafa ( que trabalha com um notebook) que assistiu a tudo como uma estátua, acostumada a esses arroubos na sala em que trabalha, é surpreendida com policiais adentrando a sala de depoimento.

_Aconteceu alguma coisa, chefe?

Ele faz um sinal com a mão para saírem da sala, quase que de forma robótica.

Delegado Evandro que sempre teve o sadismo de fazer os seus depoentes chorarem, que fazia inocentes se sentirem culpados, que aliviava a barra de bandidos ricos, quase não fala, faz as perguntas de formas seca, Voz mais grossa que o normal, sem tirar o olhar acusatório em Marta.

Marta apesar do medo, fala a verdade e não cai nas pegadinhas do policial.

_Sem inimigos! Da igreja pra casa, da casa pra igreja! O que você realmente esconde sobre essa vida perfeita que diz ter com sua irmã? O que faria alguém ou vários invadir a casa da sua irmã, criar um banho de sangue, quebrar a casa toda, e ainda tacar fogo?!

Qual a origem de tanto ódio, o que sua irmã ou você esconde?!!

_Isso é trabalho seu. Eu contei tudo que sei...

Mais embargado e mais pesado, ele solta o que considera a sua bala de prata.

_Qual a origem da fortuna da sua irmã...

_Que fortuna? Tínhamos uma vida agradável, sem percalços, eu trabalhava. Se ela era rica, como fiquei sabendo recentemente, na porta da delegacia, ela nunca demonstrou.

Um dos advogados faz um gesto, e pede pausa.

_Até assumirmos a defesa...

_Eu também sou advogado dela! _Aluizio

_Nós somos o escritório que administra a fortuna da Elizabeth

O delegado:

_Falo das dezenas de imóveis e até mansões que ela tem por todo país, todas alugadas que rendem uma gigante mesada.

_Seu trabalho foi rápido e bom, mas deixo aqui a última declaração de renda da minha cliente, onde consta também as rendas internacionais.

Todas lícitas, como em breve você irá conferir.

_Apesar da discrição da nossa cliente, num país violento como o Brasil, pode haver sempre a possibilidade de atrair bandidos com o puro intuito de roubar, matar é lucro. Como havia uma criança na casa, Elizabeth deve ter resistido, originando toda a bagunça e a vingança.

_Quem desvenda os crimes aqui sou eu. Não há corpo! Onde ele foi parar? O que não me impedi de concluir que após um massacre a “defunta” não sumiu com os corpos e despareceu com o auxílio de vocês?!

_Para de criar planos mirabolantes que ofendem a honra da minha irmã! – Marta se exalta.

Aluizio toca os ombros da cliente, num sinal de pedido de calma e aproveita a oportunidade e para deixar de ser mero coadjuvante:

_Com aquele incêndio? Não haveria mesmo!

Os outros advogados saem da frente da mesa, como que descortinasse um palco para Aluizio se apresentar.

_Sabe, eu também trabalho com seguros e tenho amigos no corpo de bombeiros, essa é uma cópia do laudo oficial que logo será enviado a você.

Eles atestam que a temperatura oscilou entre 2000 e 2500C° no momento de pico e sabemos que para um corpo virá pó, basta 1500.

_ -Isso é impossível! Vou rever esse laudo e contestar esse seu laudo fajuto que diz ser dos bombeiros!

_Fique à vontade, a irmã da minha cliente possuía um gerador a diesel nos fundos da casa, tubulações de gás que abasteciam a lareira.

_Casa com lareira? No Rio de Janeiro!?

_Minha irmã tinha sim! Ela ainda aquecia alguns cômodos com o gás. Ela sentia frio, mesmo no verão.

Fora um porão cheio de velas de todos os tipos e tamanhos que servia como depósito da igreja e do seu altar, assim como esculturas de madeira !

Aluizio:

_Eu entrei naquela casa uma única vez, e fiquei maravilhado com os tapetes, carpetes com um veludo que o fazia sentir caminhar em nuvens, seu bom gosto, porém extravagante, fez da casa uma bomba relógio.

Marta não gosta muito desse final de fala do Aluizio, mas não interrompe o advogado.

_E quanto àquele enorme crucifixo, que mau sofreu sequelas no incêndio?

As falas de Aluizio não abalam Evandro, que continua com o seu tom de voz ameaçador, na certeza de pegar uma falha na “falácia” do advogado de porta de cadeia.

_Infelizmente o que tenho, é uma opinião é off dos bombeiros...

Evandro faz um gesto com a cabeça e uma das mãos, querendo saber a resposta e lhe dando autorização para falar.

_Milagre...

A resposta irrita ainda mais Evandro.

_A maioria até brincou que o crucifixo é caso pra cúria romana investigar. Se fosse você os convocava,  Com o seu ceticismo, daria um ótimo advogado do diabo.

Marta sorrir.

_Dona Thereza, anotou tudo?

_Sim.

_Terminamos. Ela vai imprimir o depoimento e a irmã da vítima assina. Isso não acabou. Se precisar vou convocar o seu filho.

_Ele só tem sete anos!!

_Ele é a única testemunha do que aconteceu naquela casa!

Os advogados acalmam Marta:

_Fique tranquila, se isso ocorrer, será sobre a presença de psicólogo, assistente social e a sua principalmente.

Papeis assinados, Um dos advogados coloca a cópia do depoimento na pasta.

Evandro:

_Dona Marta – isso com ela já se levantando da cadeira, a única que permaneceu sentada-Não fuja, não viaje, não se esconda. Isso não acabou.

_Não tenho razões para isso.

Do lado de fora:

_Por hoje chega, Vá descansar. Deixe que cuidemos dos trâmites legais, temos quase tudo para declarar a morte de Elizabeth. Infelizmente...

Aluizio inflado, espera um reconhecimento dos seus parceiros (forçados, mas parceiros de equipe)

_Bom trabalho Aluizio, amanhã queremos você em nosso escritório.

_Não tem que querer, é o meu trabalho. E obrigado.

_Fizemos um depósito em sua conta \Senhora Marta, poderá alugar uma casa, comprar imóveis novos ou ir para um hotel se preferir. Não precisa justificar as despesas. Por enquanto.

_Como assim por enquanto?

_Eu não pedi nada!

_É o que vamos tratar amanhã com o Aluizio e em seguida, levaremos até a senhora do o testamento e clausulas que sua irmã impôs para o acesso total a herança.

_Não estou gostando disso! Se uma vírgula desagradar minha cliente, procurarei a justiça.

_É o seu trabalho, e entraremos em comum acordo para total satisfação dos desejos de Elizabeth, Marta e Anthony, principalmente.

_Vocês querem carona, seria mais seguro se levássemos até o destino.

Aluizio:

_Eu trouxe a minha cliente e levarei a minha cliente.

_Como quiser. Todos vão na mesma direção, os advogados entram numa Lamborghini blindada, Marta e Aluizio no seu fusquinha 84, herança do seu pai que ele gostaria de guardar como relíquia, mas a faculdade e a carreira o levaram a recolocar o velho carro nas ruas. Ele não se abala, abre a porta para a sua cliente e parte, cada um vai em uma direção.

No caminho, uma quebra do silêncio.

_Sabe de onde eles vieram?

_Acho que sim...

Marta, com Anthony ainda de colo conversa com a irmã. Elizabeth coloca roupas no varal e ela amamenta o bebê.

_Breve, retomar os estudos, ter uma profissão. Se quiser continuar aqui, terá que seguir regras.

_Não vai ser por muito tempo.

_A questão não é essa. Poderá ficar aqui pra sempre, eu cuido do menino, enquanto estiver na escola e no trabalho. E ainda estou preparando a segurança de vocês, caso aconteça algo comigo.

_Beth?

_E não sei o meu amanhã...

_Beth, você tá doente?

_Não, longe disso.

Depois do último lençol no carda, ela se vira para a irmã.

_Na verdade, já está tudo feito. Se algo surpreendente ou inimaginável acontecer, duas pessoas lhe procurará, e falará as seguintes palavras: - ela sussurra no ouvido da irmã-

Marta solta um muxoxo.

_Leve a sério. Anote num caderno se precisar. Não vou repetir.

Marta nunca levou a sério este momento...

 


 VI


O começo da convivência foi um pouco frio e desconfiado.

Elisabeth aceitou a “estranha”, de início como um hóspede.

Minha mãe era uma adolescente, 14 anos quando minha mãe engravidou de mim.

Porém logo cedo, horários rígidos e regras a serem seguidas meticulosamente.

O gelo foi quebrado quando na mesa de café minha tia disse:

_Tá na hora do pré-natal.

Minha falou que poderia se dizer que foi a primeira conversa que tiveram sobre mim.

O tom ainda era o mesmo, sério, rígido, ela quase pulou da cadeira.

_Não precisa. Eu estou bem.

_Você tem 14 anos! Um bebê parindo outro bebê! Claro que é uma gravidez que envolve risco.

_Não envolve, não. Não sinto quase nada.

Marta se levanta para mostrar a sua saúde.

_Senta. Tá mais magra que a Olívia Palito, Não duvido que esteja desnutrida. O que comeu durante a viagem até aqui? Pão com manteiga? Coxinha com kisuco?

_Nada, só água, mas estou bem.

_Não tá não.

Minha mãe se entrega. E não discute mais:

_Onde tem um postinho aqui?

_Que postinho! Já marquei com a Obstetra Ivone, ela também é ginecologista, e verá os estragos que o pai dessa criança deve ter feito em você.

_Ele era...

_Eu sei quem ele era.

Marta começa a chorar.

_Não vamos tocar mais nesse assunto. Esqueça esse cafajeste. Era pra tá na cadeia, mas apaguemos o passado. Aconteceu, e há uma criança crescendo aí dentro, que nunca, mais nunca deverá saber quem é o pai dele.

Terá que ser forte e amar por dois.

_Termina o café, se arruma. A consulta está marcada.

_Tá bom.

Minha tia pode ter recebido minha mãe de braços abertos, mas a intimidade e amizade foi construída bem devagar.

Eu entendo...

 

Elisabeth costuma usar o carro pra tudo. Mesmo que seja para ir a padaria. No seu carro preto com vidros espelhados que refletiam o exterior.

Andar a pé quase sempre lhe causava aborrecimentos.

Nesse dia, o carro deu problema e ela precisou ir até a farmácia. Anthony estava sem chupeta, chorando com toda força possível por não ter a sua chupeta, se tentasse acalmá-lo com um brinquedo, mordedor ou doce, ele jogava no chão.

A farmácia mais próxima era a do seu Durval. Farmácia nos moldes antigos. Ele era farmacêutico e às vezes médico dos mais necessitados.

Pequena, não era franquia, tão pouco essas farmácias-mercado de hoje em dia.

Não tinha serviço de entrega.

 

No caminho, algumas crianças, mesmo acompanhadas de suas mães ou um adulto, fitavam os olhos assim que viam Elizabeth.

Curiosas

Assustadas

 Outras abriam o berreiro, assustando as mães.

_O que foi, filho?

E o moleque apontava o dedinho para Elisabeth, pedindo colo imediatamente.

A maioria apertava o passo, atravessava a rua... as mais esquentadas:

_O que você fez com meu filho?!

_Nada, você que não cuida dele direito. Batiza esse garoto que passa logo.

E Elisabeth retomava o seu caminho, com a mãe atônita com a resposta.

Algumas:

_Você tá querendo dizer o que com isso?!

Tu por acaso é o cão, é?

Mais afastada, ela debocha:

_Sou um anjo de luz!!

Cachorros danavam a latir.

Gatinhos viam em sua direção pedindo carinho.

Minha tia sempre deixou água e ração do lado de fora. E ajudava uma ONG de cuidado e castração. De gatos e cachorros. Ás vezes aparecia tartarugas, periquitos, papagaios, até gambá e uma vez um gavião.

Chicão, um gigante rottweiler que vivia nas proximidades, cujo o dono sempre levava para caminhar com uma grossa coleira de couro com pontas de aço e correntes reforçadas, ao se deparar com Elisabeth no final da rua, enlouqueceu.

Seu dono pratica musculação, mas nunca viu seu cachorro daquele jeito. Quem estava no portão entrou pra dentro.

Chicão saltava quase levando junto o seu dono.

Sua corrente arrebentou, e ele foi enfurecido em direção a Elisabeth.

Quem assistia a cena, começou a gritar, o cachorro pulou pra cima dela, ela deu um pulo para trás e disse:

_O que eu estou vendo aqui? Por acaso Cérbero perdeu uma de suas cabeças?

Ele baixou a cabeça, enfiou o rabinho entre as pernas e se voltou em direção ao seu dono. Que vinha correndo aos gritos.

Chega na farmácia, pega de uma vez umas dez chupetas, e ao sair dela, respira fundo, vira os olhos...

Vai começar tudo de novo!

Antes de partir:

_Seu Durval!! Se não contratar um entregador, vou comprar no concorrente!!

 

Minha tia não pegava nenês no colo.

Dizia que não tinha jeito com criança e que bebês lhe davam calafrios.

Nem com a minha mãe cheia de pontos, foi meu parto foi cesárea, ela me pegou. Nos dias seguintes, ajudava minha mãe em tudo, mas não me pegava no colo, minha mãe insistia, e ela dizia não, dava passos para trás até.

Uma vez Dona Marta radicalizou.

Achava isso ridículo.

Minha tia brincava comigo conversava comigo no colo dela e no berço, mas não me pegava no colo.

Quando as duas saiam para igreja, eu com ainda menos de um mês de nascido, minha mãe “tropeçou”.

Me jogou para o alto, minha tia desesperada me pegou no ar. Ainda recoberto com a manta, pegou-me como pega um bebê, dado a alguém com todo carinho e cuidado.





Ative o vídeo e leia o restante do texto com essa música de fundo

se tem spotfy, clica aqui




Seus braços tremiam, suas pernas também. Ela balbuciou:

_Ele não pegou fogo...

Minha mãe no chão:

_O que você disse?!

_Errr E-Ele não está queimando... Não vejo... não vejo fumaça, não ouço choro...

_Claro que não! Ele não está com febre! De onde tirou essa ideia?

Minha tia sorriu, beijou minha testa, começou a me ninar.

Minha mãe a abraçou e a beijou.

_vamos batizá-lo imediatamente.

_Ainda é novinho. Deixa ele escolher a religião primeiro.

_Ele poderá ter a religião que quiser, desde que batizado na igreja católica.

_Tá bom!

_Chama um carro pelo telefone.

_Não vai usar o seu carro?

_Não. Quero segurar o Anthony no caminho, na missa e na volta pra casa.

_Mana, tu é esquisita!

Que bom que é assim!

Por todo caminho ela ficou derramando lágrimas, rindo, ninando... fazendo aquelas coisas bobas que todo adulto faz com bebês...



VII

 

Minha tia era carola, talvez ao extremo, e quando minha mãe começou a adquirir independência, via estudo e trabalho, isso criou certos conflitos.

Tais como trazer namorados pra dentro de casa.

Hoje eu percebo o constrangimento desses encontros.

Minha mãe, o namorado dela, eu e minha tia, todos na sala. Acho que quando minha tia não ia com a cara de algum namorado, ela chamava as amigas carolas dela e até o padre.

Uma reunião de família e amigos da igreja que constrangia o casal.

Parecia namoro do século XIX.

_São 11 horas da noite. Hora de ir. Quer que chame um táxi? Eu pago. Amanhã acordamos cedo.

_Amanhã é domingo, Beth!

_Amanhã temos missa!

E o namorado que aguentou quase quatro horas de falação da minha tia, eu querendo atenção da minha mãe, e às vezes, papo de senhorinhas carolas sobre salvação, obras da igreja e o sabor da hóstia na última missa, achando que dormiria no quarto da minha mãe e teria a sua recompensa, ia pra casa muito bolado e nunca mais aparecia. Ao menos em casa.

_Irmã! Estamos no século XXI!

E minha mãe ia batendo o chão com os pés para o quarto e batia bem forte a porta.

Houve discussões tão acaloradas, que em algumas, assustado, começava a chorar. Se eu começasse a chorar, ficava pior. Minha tia nunca respondia a irmã, mas se eu chorasse, ela gritava também. Piorando ainda mais a situação.

Eu só tive festa de aniversário pra valer quando completei quatro anos.

_Agora ele vai ter consciência plena do que está acontecendo.

Até então era comemorações pequenas, com crianças do orfanato, da rua e com os amigos ricos da minha tia dando presente pra mim, brinquedos e outras doações para o orfanato.

Bolo, brincadeiras, artistas circenses.

Mas antes uma missa.

Tenho as fotos de todos os aniversários e filmagens.

O meu de quatro anos foi o maior de todos.

Não foi em casa, foi na minha rua.

Centenas de penetras. Mas havia comida e bebida pra todos. Refrigerante, sucos naturais, cerveja e vinho.

Conheci muitos moleques na comunidade nesta festa.

Alguns convidados, convidado dos convidados e outros de penetra mesmo.

Os penetras pareciam que foram na cara e na coragem. Chinelos surrados, short ou bermuda sem camisa, ainda tinha os descalços,

As meninas com roupas simples, mas os pés descalços entregavam a sua origem.

Acho que minha tia previu tudo isso.

Ela distribuiu bolas, ursinhos de pelúcia e joguinhos para todos.

Somente na vez do Fernando, os brinquedos haviam acabado. Apesar dele tá com uma bolsa de mercado cheia de bolo, doces, lembrancinhas, ele começou a chorar.

Minha tia o pegou no colo, tinha a mesma idade que eu, mas veio sozinho, na onda dos moleques.

Minha tia o pegou no colo cheia de amor.

_Olha, se quiser, tem os brinquedos do Anthony, você poderá escolher um, mas é usado. _Seu choro aumentou_ Dois, tá bom?_mais choro_ Três, não, quantos você quiser!_Só então ele parou.

Ela me pegou pelo braço, se agachou a minha altura e disse que Fernando ficou sem presente e me perguntou se poderia dar alguns dos meus a ele.

Acenei consentindo.

Meus amigos que estavam perto ouviram e me acompanharam por curiosidade.

Meu quarto sempre foi gigante e tinha de tudo, de TV, jogos e brinquedos. Alguns eu realmente não usava mais.

Com tanta parafernália eletrônica de última geração, ele escolheu uma motoca movida a pedal, minha tia me perguntou se podia dar e disse que sim.

Abracei o Fernando

_Quer mais?

Meus amigos:

_Escolhe, cara!

_Escolhe, coleguinha!

_Vai.

Ele ficou tão feliz, que não queria mais nada.

Na saída do quarto uma surpresa.

Um jovem armado com um revolver, antes que minha tia reagisse ele me pegou e apontou a arma na minha cabeça, ele estava acompanhado de outra menina, mais jovem que ele, mas também com arma na mão.

_Passa pra cá Nando!

Fernando sem entender nada obedeceu a mãe.

A gente só quer uma transferência, passa a grana via pix! Ou seu neto, tia!

_A véia vai obedecer, ainda não tem idade pra ser caduca.

Minha tia sem reação, irritou o bandido. Que me sacudiu e apertou a arma contra a minha cabeça, me machucando.

Meus amigos se trancaram no quarto.

_Tá tudo bem. Olha, eu não tenho celular, terei que ir ao meu computador.

_Não enrola tia! Quem não tem celular hoje em dia!!

A mulher atira em direção a minha tia, para assustá-la. Começamos a chorar, Nando, eu e as crianças no quarto, a música lá fora deve ter abafado o estampido do tiro.

Quando minha tia se dirigia ao seu escritório/biblioteca, no caminho até ele, cinco seguranças armados apareceram, comigo no colo ele tentou fugir.

O casal sabia que nada aconteceria comigo no colo, Fernando, puxado pela mãe, a mais louca do casal, pois o filho que não conseguia acompanhar os passos da mãe, tropeçou e foi rastejado por ela.

No quintal são surpreendidos pelos amigos da minha mãe, uma flecha atinge a perna do assaltante, uma faca na clavícula da sua parceira, como ela era magrinha, atravessou a sua carne e ossos com a sua ponta reaparecendo nas costas, uns motoqueiros roqueiros, eram mais de 10 Sete homens e três mulheres, havia de revolver, pistola, metralhadora, espada, flecha e besta, logo cercaram o casal em círculo.

Ele me colocou no chão e Fernando foi para o colo da sua mãe. Apesar da dor bestial que ela deveria estar sentindo.

Minha mãe calma se aproxima,

Dessa vez armada, a mulher encolhida em pé chorando muito, abraçando o filho, fazendo ele de escudo. O companheiro no chão agonizando.

Corri para as pernas da minha tia.

_Levanta.

De início ele se ajoelha, ensaiando um perdão.

_Não se ajoelhe. Essa posição é para os arrependidos que pedem perdão e para os conscientes da sua fé. Levanta ou eu vou acabar com os seus joelhos para nunca mais invocar um perdão, que é divino, em vão.

      Nunca ouvi minha tia falar tão sério, de forma tão pesada e com a voz grossa.                                                

No quarto os seguranças acalmavam meus amigos, que tudo era uma pegadinha de aniversário, e que terminaria tudo bem.

Acho que eles acreditaram...

Um dos motoqueiros puxa o assaltante pelos cabelos e o levanta, com ele em agonia.

_Acha que sou uma “velha coroca, carola e caduca” que não sabe da maldade do mundo. No mundo sempre pedimos a proteção de Deus e providenciamos a proteção dos homens.

Há mais de cinquenta câmeras espalhadas por todo o bairro. Você, todos foram e estão sendo monitorados, a partir do momento que saíram das suas casas.

Quando as crianças saírem, eu quero vocês rindo, fazendo piada da situação.

E foi o que aconteceu.

A moça largou o Fernado.

_Vá brincar lá fora com seus coleguinhas Anthony.

O Zuca:

_Que legal!!

_Olha as motos!! -Julinho

Não sei o que aconteceu depois, mas quando Fernando foi chamado pela sua mãe para ir embora, ela estava com tala, e o seu pai com um curativo na perna.

Ele contava um maço grosso de notas, exibiu pra todo mundo, muita gente não entendeu nada. E foi mancando com um olho roxo e boca inchada com dentes faltando, e a sua mãe cheia de marcas de chicote na perna...

 

Aquela festa foi no primeiro domingo, depois do meu aniversário. Completei os quatros anos na terça-feira.

Minha mãe, praticamente, assim que desmamei, começou a trabalhar e a estudar. Um trabalho de meio período a tarde, via amigo da minha tia.

Das dez às cinco da tarde, dali, ela ia direto para o supletivo.

Tenho amor real pela minha mãe, mas quem realmente me criou não foi ela, claro que nas horas de folga, e a noite, era ela que ficava comigo.

Quem me criou na minha primeira infância foi minha tia.

Eu já conhecia os amigos motoqueiros dela.

Quase toda semana estavam lá em casa.

Era sempre uma roda de conversa no quintal, às vezes séria e tensa, às vezes cheia de risos, estranho que o lagarto e o carcará sempre estavam presentes também.

No dia do meu aniversário, antes da grande festa, fizeram uma “festinha” pra mim.

_Vem Anthony!

Fui para o meio do círculo formado por eles.

Havia o Montanha, um negro alto, forte com longas tranças e roupas cheias de espetos. Ele também nha uma enorme trança na barba, sempre sorridente. Nunca vi ninguém se assustar com ele, pois seu semblante era sereno, trazia conforto e segurança, a Norma era uma mulher mais velha, cobria seus cabelos brancos com uma bandana amarrada na cabeça, um pouco fora de forma, mas isso não parecia lhe preocupar, Filó era a ruiva de olhos cor de mel, cheia de sarda, tinha mais de 30 anos, mas seu espírito parecia de uma adolescente brincalhona de bem com a vida.

No conjunto, eles eram bem diferentes dos motoqueiros que a gente via no cinema, calados e com cara de mal.

Assim que entrei no círculo, minha tia se aproximou de mim, me levantou de forma inclinada, os motoqueiros se levantaram das suas cadeiras e fecharam ainda mais o círculo, ela levantou a minha blusa pelas costas.

Mostrou algo que os surpreenderam.

Uma marca de nascença que só veria anos depois.

Os sorrisos se fecharam, e senti uma apreensão ao meu redor.

Começaram a conversar num idioma que depois descobri que era latim, e somente depois que dominei esse idioma que entendi do que falavam.

E não foi coisa boa...

Justus era um dos motoqueiros que destoava deles.

Mas magro, mais baixo, porém com corpo talhado, óculos fundo de garrafa, cabelos negros e lisos, porém, a bandana cobria quase tudo, sorriu e me pegou no colo.

_Anthony, você que uma motoca igual a nosso?

Acenei dizendo que sim.

As motos e os tricitys deles eram massa. Todas customizadas, não eram de montadoras, até os motores deles pareciam ter fabricação manual.

O resto do dia foram de brincadeiras, fui dormir bem cansado, mas minha mãe, para a data exata não passar em branco, trouxe um pequeno bolo pra gente, os motoqueiros já haviam partido.

Nós três com chapéu de cone, língua de sogra e cantando parabéns. Minha mãe:

_Faz o pedido antes de assoprar a vela, filho!

_Eu quero a motoca que o Tio Justus me prometeu!

Minha mãe ainda não conhecia os motoqueiros, ficou sem entender, mas logo esqueceu o assunto e assoprei a vela.

Ela me levou pra cama, um ritual somente nosso, e cantou até eu dormir.

 

Esse foi o primeiro e o único sonho que me lembro até hoje cena por cena.

O céu era vermelho, cheio de raios mudos que formavam pontos laranjas nas nuvens, parecendo que elas queimavam no céu.

Um mato amarelo desbotado, porém vivo, a brisa baixa os fazia bailar para todos os lados.

Num campo aberto vi cavalos, quando me aproximei deles, descobri uma grande diferença. Seus olhos eram vermelhos, como um laser. Se antes pareciam distraídos entre si, com a minha presença senti um estresse entre eles, começaram a galopar meio que em círculos, outros para os lados, até que o maior de todos se aproximou de mim e baixou a sua cabeça até a altura dos meus olhos, me encarou, e os seus olhos mexiam como uma câmera de um telescópio a procurar por algo, me cheirou, logo em seguida levantou as patas dianteiras e começou a relinchar. Me assustei, tentei correr pra longe, mas o resto do bando me cercou, pareciam querer me pisotear, entre patas e desvio corri, segui por uma estrada de aço reluzente, eles desistiram. Ela parecia não ter fim, quando cansei, passei a caminhar, já havia gritado “mãe” dezenas de vezes, mas da minha garganta nada saía.

Não tinha ou não sabia o que fazer, caminhei, caminhei muito, ao longo da estrada, eu via árvores mortas, apesar de terem uma cor de planta saudável, apenas não tinham folhas, e vultos onde alguns percebiam a minha presença e apontavam para mim. Uns continuavam a me acompanhar com o pescoço de onde estavam, outros corriam em direção oposta.

A estrada parou num rio de lava. Era muito quente, assustados, no meio do leito uma pedra.

Perdido, só queria acordar, mas não conseguia, foi quando percebi que a pedra vinha em minha direção.

Na margem, ela se mostrou o que era.

Uma gigante tartaruga robô de duas cabeças, toda em bronze.

Sua voz soava como um trovão abafado e sofrido. Não me atacou, Com seus gestos, parecia que queria que eu subisse nela. Sem opções, foi o que fiz. Ela não estava quente, até sentei para me sentir mais seguro, pois havia uma perigosa correnteza.

Do outro lado, robôs femininos que cantavam e cantarolavam, mariposas, lavadeiras e fadinhas, todas em aço.

Em cortejo me guiaram para dentro de uma gigante caverna, dentro dela, um salão todo em bronze esverdeado pelo zinabre, a acima dela, lá em cima, um buraco que iluminava o salão.

Vi um gigante de mais de dois metros, de costas, musculoso, careca, coxo em uma das pernas.

Ele parecia trabalhar em algo. Havia uma pequena queda de lava da qual ele retinha Um pouco, manipulava com as mãos mesmo. Jogava um pouco em diferente  formas, quando resfriava batia para desprender as peças, o barulho que fazia, doía os ouvidos.

Eu apenas continuei a olhar o trabalho dele. Suas costas largas eram cheias de cicatrizes. Trabalha com uma bermuda feita de pele de carneiro.

Em um momento, ele sentiu minha presença e disse, sem se virar para mim e sem parar de trabalhar.

_Anthony... Sua tia vive me pedindo favores esdrúxulos. Esse é um deles.

Ele jogava todas as peças numa enorme bacia de bronze, quando terminou, jogou-as de qualquer maneira em uma bacia de metal derretido e começou a mexer como uma senhora mexe uma gigante panela de comida.

Em seguida pegou um gigante peneira com cabo e de dentro daquela sopa de prata derretida, tirou o meu brinquedo.

 

Só então ele virou-se para mim.

Era um cavalo de ferro, que parecia agonizar, mas logo em seguida compreendi que ele estava nascendo. Depois de algumas tentativas ele conseguiu ficar nas quatros patas.

_ O seu presente.

_Eu pedi uma motoca.

O gigante parrudo começou a gargalhar, até que repentinamente se curva e grita.

_Vai reclamar com a sua tia então!

Acordei gritando e minha mãe acordou junto...

 

 

Entre tantos presentes dado a Anthony na festa, o “Tio Justus” aparece com um embrulho que não esconde muito o que é, afinal, como embrulhar pra presente uma motoca.

Anthony corre para abraçá-lo e ele rasga todo o papel.

Era a sua motoca, porém deferente das que se vendia nas lojas.

Era bem parecida com as dos motoqueiros amigos da minha tia. Toda em ferro e aço. No volante uma cabeça de cavalo.

Anthony vibra de alegria.

Ele ainda ganhou uma jaqueta da gangue e uma banta, ele agora era um “demônio do céu”

 

Aluiso está vindo da reunião com os advogados da falecida Elisabeth.

Ele se preparou para uma reunião difícil, conflituosa, entretanto, jamais imaginaria tal situação, que agora terá que falar com sua Cliente Marta.

“O nome dela é realmente Marta?”

“Estou defendendo uma assassina?”

“O que realmente aconteceu naquela casa?”

Ele estaciona seu fusquinha em frente a casa da D, Ermenegilda.

Marta está no portão, vigiando a brincadeira das crianças.

Não consegue disfarça a sua cara de decepção, Marta que sorria, ao vê-lo, muda imediatamente seu semblante.

Bem de frente para ela, e com voz baixa diz, antes que ela pergunte qualquer coisa.

_Precisamos conversar.

 

 

 



Daqui a pouco o próximo capítulo o enterro da tia do Anthony

 

 

 Anthony é uma obra em construção em tempo real. Garanto que com sua colaboração, terei mais tempo e incentivo para escrevê-la até o final.

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Pix: 21969477813


texto revisado.

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Comentários

  1. Deus queira que sim. Não basta ter uma ideia. é preciso saber colocá-la no papel. Obrigada meu amigo.

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  2. Escrita em tempo real. Vem o clique, escrevo e publico. Por isso que ao longo da semana faço algumas correções. É um blog de construção de ideias.

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  3. A intenção não foi essa, mas que bom que acha isso. Obrigada.

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