CORPO DOURADO

 




_Se você está morta, por que não aparenta...

_O que esperavas? Um buraco na cabeça? Sou uma mulher, tomei veneno pra ratos e dúzias de caixa de calmante, num coquetel com suco de laranja e remédio pra baixar pressão.

_Não acredito!

_Presta atenção em mim cara.

Desconfiado de uma piada sem graça ele fica cara a cara com a estranha, que sabe lá como, subiu no seu apartamento e bateu na sua porta.

Porteiros de merda!

Ficam nariz com nariz, depois se afasta em um passo, olha seu corpo delicado. Uma roupa austera. Tecidos finos, saia abaixo do joelho, babados na camisa.

_Você é cafona!

_Anos 80 meu amigo. Foi quando a moda começou a decair.

Ele dá mais um passo, a crítica foi apenas uma fuga para sua conclusão que de primeiro ele não acredita.

_Você não respira... -Balbucia

Esse foi o fator mais evidente. Mais atento e mais calmo, ele reparou nos seus olhos sem vida, sem brilho, ela não pisca, sua cor pálida.

Dá mais um passo para trás. Levanta a faca, tremendo, aliais, tremendo como antes de abrir a porta para a estranha.

Grita e rapidamente dirigi sua faca ao seu coração.

_Não!!!

Ela pula pra cima dele, que numa explosão de adrenalina continua a se esfaquear.

_Eu quero morrer! Estou falido, faminto, endividado e agora louco!

Grita feito uma menininha.

Quando cai em si, não vê sangue, não sente dor.

A moça de conjuntinho amarelo e branco, com blusa babada e bordados na saia, está em cima dele, o encarado. Ela levou todas as facadas.

_Acabou?

Seu corpo todo treme, procura ares no pulmão, recarrega a garganta.

_Ahhhhhhhhhhhhh

Imediatamente vizinhos batem à sua porta.

_O que está acontecendo!?

_Vinícius, abre essa porta!!

Ela tira a faca da mão dele, a segura com uma das mãos nas costas, e sai de cima.

Os vizinhos continuam a bater e a chamar.

Escuta-se um:

_Chama o síndico! Peça a chave mestra ou arrombaremos essa porta!!

_Não!

_Vinícius?

_Está tudo bem! Eu bati com a ponta do pé na quina do pé de mesa!

_Abre, Vinícius. Queremos vê-lo.

A porta se abre sozinha.

Todos entram, são seus vizinhos de andar, uns cinco.

Eles invadem o apartamento aflitos.

Apesar de discrição, mais afastada e bem quieta, todos reparam na moça de amarelo.

Judite pensa imediatamente:

Que roupa cafona!

Rômulo toma a frente e pergunta baixinho:

_Quem é essa mulher? Está precisando de ajuda?

_Não. Eu estou bem. Foi ela que me acudiu.

A moça de amarelo era até bonitinha, mas havia alguma coisa na sua presença que chamava atenção de todos. Ela despertava desconfiança.

Além da roupa cafona e do cabelo cortado no estilo anos 80.

Arrepiado e repicado.

Maria Creuza toma a iniciativa de ir até ela. Que se afasta em passos para trás

Quando a moça do conjunto amarelo se encosta na parede...

_Quem é você?

Pergunta de forma ríspida, mas com voz baixa. A conversa é só entre as duas.

Continua:

_Eu sou amiga da Mariana, viu?! Se está acontecendo alguma coisa aqui, vou contar tudo para ela! Ninguém faz minha amiga de otária!

_Fica na tua, porque você tem tanta culpa no cartório quanto a Mariana.

Você, assim como ela, usufruiu da conta bancária do garoto, do cartão de crédito e ainda o fizeram perder o emprego, já que a sua “amiga” o infernizou tanto que ele não conseguia trabalhar direito.

_Do que está falando? Esse verde não funciona comigo!

_Não? Ahh... Esqueci, pessoas como você e Mariana são narcisista, manipuladoras, mentirosas e fingidas.

Eu vim ajudar o Vinícius. Vocês não são minha preocupação. Porém aviso:

_Tem um cara lá embaixo – com a mão livre ela aponta para o chão- anotando tudo. Suas masmorras estão reservadas.

_Está falando do esquisitão do Guilherme?

_Não, dele.

Chamas ardentes tomam conta da íris de moça do conjunto amarelo, e bem no seu ouvido, Maria Creuza escuta a mais assustadora risada da sua vida.

Sai correndo passando por cima de todo mundo.

_Hei!

_O que foi!

_Maria Creuza!

Todos olham para a moça.

_Caganeira... Sabem como é, né?

Vinícius acalma os vizinhos, responde as perguntas pertinentes. E pouco a pouco eles saem um a um. Mas todos antes de sair, olha para a moça do conjunto amarelo cafona, com o cabelo e roupa dos anos 80.

A porta fecha automaticamente e se tranca.

_Podemos continuar?

_Foi você que...

_Sim.

_E então...

_O mesmo truque com o porteiro!

Tive que deixá-los entrar, daria uma quebrada no seu pânico. Eu sei. Às vezes isso acontece.

Ela joga a faca para longe dos dois.

_Não tenho muito tempo pra você. Esse mundo cada vez mais vazio, sem fé, por muito pouco ou nada, as pessoas perdem as esperanças... Tá muito difícil.

Vinícius se senta na cadeira da mesa da sala encarando-a. Pega uma banana, abre lentamente e na mesma velocidade, começa a comê-la.

Bom sinal- pensa a moça, mas ela continua.

_Eu fui uma trouxa como tu. E antes que pense qualquer coisa, eu não me matei por macho. Tá... havia um filho da puta, mas era apenas um. Na minha vida, amei os canalhas. Minha motivação foi outra.

_Qual?

_Não é importante para essa conversa.

O que quero dizer que não tenho muito tempo pra ficar contigo agora, conversar por horas, iniciar uma terapia ou lhe dar um apoio nesses dias difíceis que virão.

_As coisas vão piorar?!

_Sim, tu vais perder esse apartamento, voltar a morar com os pais.

Ele ameaça recomeçar o pânico...

_Vinicius, não começa! _Grita

_Seu filho da puta! Seu viado! Você foi um otário! Como todo homem carente apaixonado foi! Como todo macho que conhece uma supermulher no sexo! Vinícius acabou!

Aliais, ela acabou com tudo. -Essa frase, o tom de voz baixa, embargada-

Os olhos de Vinícius se enchem de lágrimas.

_Vinícius, olhe o que você conquistou em tão pouco idade. O que te faz pensar que não conseguirá tudo de volta?

_Ela...

A moça bate o pé, cerra os punhos levantados acima da sua cabeça, enche a boca pra dizer outro palavrão, mas se segura.

_Sinto muito, mas tu fostes só mais um.

_Por que troca você com o tu de vez em quando?

Ela "respira fundo..." - Força do hábito, mas nada entra e sai dos seus pulmões inertes, como o seu coração, congelados há décadas-

_Queria falar um português formal. É a linguagem dos deuses. Mas não o domino. Conjugar verbos é difícil

_Deuses?

_Não vamos perder o foco. O que quero te dizer é que tu foste mais um. Quando ela torrar o seu dinheiro, nisso, incluo o apartamento que seu que ela vendeu, semana que vem o dono virá com a mudança

_O quê!!!??

_Se quiser perder tempo nisso, procure um advogado, faça um BO, mas será inútil. Ela sempre escapa, e até onde posso ver, ainda virão muitos e muitos golpes. A garota é profissional.

_Ela é bonita, legal, cativante, apaixonante – Vinícius balbucia de cabeça baixa para esconder as lágrimas que escorrem em seu rosto.

A moça se aproxima, se abaixa e continua.

_Ela não merece a sua morte. Você ainda tem o maior dom de tudo e de todos, a vida.

Ele começa a chorar feito um bebê.

Essa atual geração de frouxos! São esses os homens do novo milênio?

_Resgata esse homem ambicioso, apaixonado pela vida, orgulhoso das suas vitórias. Ele ainda está aí dentro.

_Por que acreditaria num corpo seco?!

Pergunta Vinícius com desprezo.

_Eu poderia ser um anjo, sabia?

_Não é não. Conheço as lendas. Sua áurea é macabra. Um cadáver rejeitado pelo inferno e pelo céu, vagando na Terra.

_É mesmo! -Responde irritada e debochada.- E continua no mesmo tom: Só que em vez de ficar por aí fazendo “Buu” para as pessoas ou matando gente inocente a procura da minha vingança particular ou mandando condenados para o inferno; eu preferi ajudar as pessoas.

Estou proibida de ficar no inferno, mas de vez em quando, visito alguns amigos que foram para lá. E sempre passo pelo vale dos suicidas. Acredite, Dante estava certo.

Ela levanta a cabeça, assustado. As lagrimas param de escorrer, mas a água nos seus olhos continua a boiar.

Ela se levanta, hora de partir, e antes, por trás dele, toca o seu ombro.

_Eu nunca vi Lúcifer perder uma alma condenada. Deixe a sua ex em paz, se reconstrua. Ela vai conhecer um cara muito mais esperto que ela e brabo também.

A moça parti, ele não escuta seus pés batendo no chão, apesar do tamanco de madeira amarelo, apenas a porta se abrir e fechar.

Vinícius arruma suas malas, liga para seus pais...

 



 

 

 

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