COPACABANA


Fiquei surpresa quando descobri que Rosa, há quase vinte anos, possuía um ponto nas areias de Copacabana.
Era situada em frente ao posto 4, hoje, basta descer na estação do metrô e caminhar à praia que encontrávamos a sua barraca.
Nela conheci personagens reais, comuns em todo lugar, mas que foi o meu primeiro contato com gente da Zona Sul do Rio de Janeiro.
Ao todo, me decepcionei. Eram tão pobres como eu. Rosa me explicou que Copacabana era o subúrbio da Zona Sul. O bairro é recheado com prédios cujos apartamentos são minúsculos. Pequenos mesmo. Em suma alugados. Um aluguel, para os padrões da Baixada, caro, porém, valia à pena: perto do trabalho, próximo ao mar...

Flor foi a freguesa da Rosa que mais me chamou a atenção.
Beirando os quarenta anos, porém, vinte anos de sol, a envelheceu mais que o devido, era loira “verdadeira” com cabelo liso e ralo, baixinha, no peso ideal.
Pelas suas costas o povo fazia escárnio da mulher: Vinte anos de praia a procura de marido rico e... nada!
Com a validade vencida, ela não teria mais chance alguma.
Já não tinha com os estrangeiros, pois diziam os cariocas, que quando o estrangeiro vem para o Brasil, ele quer saber das negras e das mulatas, pois loiras eles têm nos países de origem aos montes.
Flor conseguiu o seu marido rico?
Não sei, nunca mais a vi e como outros tantos fregueses da Rosa, foram desaparecendo pouco a pouco.

Ivantuil, era outro freguês da Rosa. Um dentista casado, que não respeitava o casamento. Ia à praia para arrumar mulher, mesmo com a esposa por perto.
Dos fregueses da Rosa que conheci, foi o primeiro a debandar do ponto depois de anos de fidelidade.
Vi a confusão:
A conta dele e da Rosa no final da tarde, não batia. Era uma diferença de três cervejas. Era um cara que bebia o dia inteiro na sua barraca.
Ivantuil “ganhou” a discussão. A estratégia de Rosa foi colocar as outras três que ele não pagou aos poucos na sua conta, como ele bebia muito, não perceberia. Foi uma ordem expressa dada à Fatinha. Sua companheira e sócia de última hora na barraca. _A barraca pertencia a Rosa e Zenaide, depois da separação, Rosa ficou com a barraca e Fatinha entrou na sociedade quando o município exigiu o registro dos pontos_
No domingo seguinte, Fatinha fez escândalo, berrou com o freguês na frente de todo mundo e ele sentenciou:
_Eu vou pagar então, Fatinha, mas aqui eu não compro mais.
Dito-feito.
Acho que com ele, a turma que conheci também foi junto: um velho, um empresário e um advogado divorciado que namorava uma transexual.

Descobri que homens como Ivantuil não eram a exceção, eles são a regra. Com desculpas bem parecidas para o desrespeito ao matrimônio e porque não dizer a própria companheira:
“Sou casado, mas não sou castrado.”
“Sou casado, mas sou safado.”
Uma vez Rosa me disse que Ivantuil morreu na Rodovia Presidente Dutra, em um acidente de carro: bateu num touro e o seu chifre cravou-se em seu peito, bem no coração.
Pra mim essa história é mentira.
Assumir que havia perdido um dos seus mais valorosos fregueses por causa de Fatinha...


Quem abastecia os comerciantes de toda orla era o Português Laurindo dono de uma distribuidora de bebidas.
Nesses tempos sem concorrência, ele fazia o que bem queria. Vendia para os barraqueiros a preço de balcão: Se uma latinha de refri custa em média 3,50 nos bares atualmente, era esse o preço de revenda para os barraqueiros, e estes então cobrariam 7,00.
Era assim mesmo.
Era comum pessoas saírem da Baixada para vender picolés, cuscuz tudo na praia, porque ali se cobrava mais caro.
Cheguei a testemunhar o início do desmoronamento do império do Laurindo. Apareceu um novo distribuidor com preços mais acessíveis, a ponto de na virada de ano que passei por lá, os preços estarem no patamar igual a qualquer lugar do Rio de Janeiro.

O cara que vendia cuscuz, vivia o ano inteiro da venda do cuscuz, ele dizia que quando a praia estava fraca, ele ia para Madureira vender a sua iguaria.
Quase todos viviam somente da venda na praia. Mesmo no inverno.
Rosa chegou a ter um bom padrão de vida com o seu ponto, até que colocou Fatinha em sua vida...

Fatinha não gostava de trabalhar, sempre inventava desculpa para não ir, perdia os dias mais quentes do ano, mesmo sob os esporros da Rosa por ela não ter ido.
E quando ia, mesmo no dia mais quente do ano, chegava da praia quase a meia-noite, com apenas dez reais no bolso.
Quando Rosa aparecia, ela foi se afastando aos poucos do ponto, pois trabalhava em casa de família, o pouco que lhe restou de fregueses fiéis, estes a avisava dos desmandos de Fatinha:
Amantes
Rodadas de graça pra todo mundo, com direito a frango assado.
Encontros amorosos com direito a refeição nos restaurantes da orla.
Fatinha gastava toda a féria do dia.

Fatinha foi pouco a pouco destruindo o ponto da Rosa, a ponto da barraca perder todos os seus fregueses por causa da sua ignorância. Só comprava na sua barraca os turistas.

Rosa acabou perdendo o ponto, e anos depois a vida.
Nesse meio tempo, ela me contou das agruras que passou, quando voltava pra casa, os sintomas lhe obrigaram a parar num posto de saúde onde foi atendida.
Ao ouvir o seu relato, descrito os sintomas a alertei:
_Obvio que você teve um princípio de infarto, vá cuidar disso. _Repeti o alerta várias vezes.
Rosa era minha amiga, mas não era uma amiga verdadeira, devido aos alertas do meu irmão, ela me tinha como uma maluca.
Não me escutou.
Poucos anos depois, veio o segundo infarto, que não foi fulminante. Soube que ela sofreu pra morrer, nessa época, já separada de Fatinha, amigada com Telma, essa assim uma doida, que ao ver a companheira agonizante, teve um surto, saiu caminhando falando sozinha e sem parar:
_A Rosa ta passando mal. A Rosa ta passando mal...
Ninguém entendeu nada.
Casa toda aberta, e o corpo de Rosa caído na cama, depois de horas imóvel, a vizinhança se aproximou.
Fizeram uma vaquinha e foi enterrada.
Bem feito.

Por anos seguidos passei a virada de ano nas areias da Copacabana, não passo mais.
Como o 31 de dezembro e o dia de Yemanjá coincidem, também levava as flores para o orixá que diziam ser a dona da minha cabeça.
Depois de tantos anos seguidos, um pior que o outro, abandonei a praia e o orixá.
Era a data onde ricos e pobres realmente se misturavam.
Abraçavam-se, eram educados entre si. Não há classes na festa de ano novo em Copacabana.

Sabia que eu fiz xixi no mesmo banheiro, cheio de patricinhas?
Queríamos nos aliviar.
Fatinha conhecia um porteiro de um hotel de luxo, que já estava cheio e movimentado nas horas que antecediam os fogos.
_Vou agir normalmente, e vocês agirão também, o banheiro é logo ali a direita.
E fomos.
Ninguém nos barrou (estava com camiseta e shortinho surrado e descabelada), estava na praia desde cedo.
No banheiro (lotado) puxei conversa, fui bem recebido, se alguém fez cara de nojinho, não vi. Se os sorrisos eram falsos, não percebi.
No banheiro, somos todos humanos.






  

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