COMÉDIA DO PATRIARCADO PRIVADO

 

Os reis do Vaso Sanitário




 

Somos mulheres, e por causa do que temos, a hora do pipi é um dos momentos mais inconvenientes.

Daí ser comum mulheres chegarem em suas casas e correrem para o banheiro.

Apesar de ser recorrente nesses momentos, Letícia esquece a lógica e depois de vários acessos negados, pois é comum bares responder que o banheiro é só para homens, que o banheiro está interditado, só para clientes e por aí vai. Ainda tem que esperar que alguém abra o portão, na corrida ignorar o seu tio, ignorar a piada sem graça de um de seus irmãos, a crítica pesada de outro sobre qualquer coisa relacionada a ela, e o sinal de maluca que o irmão mais velho sempre faz quando ela chega em casa.

Para sua sorte não há ninguém no banheiro, quase chegando, a empregada sai da cozinha em direção a porta do banheiro.

_Desculpa! Desculpa!

Empurra a pobre da menina que tem quase a sua idade. Força e pressa sempre andam juntas, sem querer ela bate a porta do banheiro com muita força.

Está quase! Está quase!

São seus pensamento. Pra piorar ela está de calça. Pingos transbordam a calcinha. Sem baixar direito a vestimenta, senta no vaso, seu alívio dura milésimos de segundos.

Sua pressa e até desespero, porque não dizer assim, a fez, mais uma vez , ignorar um cuidado básico.

O de nunca sentar na privada da sua própria casa ou ao menos olhar para suas bordas antes de usá-la.

Letícia senta em cima de um monte de mijo.

Pode ser de um só parente seu ou de todos, afinal, são seis homens morando na casa.

 

Isso acontece quase todos os dias com ela. Basta ela se distrair e esquecer do que tem que fazer ao frequentar o banheiro da sua casa.

Reclama, grita, xinga todo mundo, mas eles sempre fazem-se de desentendidos.

Se prestar atenção, ainda tem respingos na parede e chão ao redor da latrina.

Só ela abria a boca pra reclamar. Sua mãe nada dizia, e a empregada... coitada. Mandariam ela se ajoelhar e limpar. “Ora pois! Por acaso não é paga pra isso?”

 

Uma vez seu pai aos gritos socou a sua porta, que estava encostada, fazendo ela bater com a maçaneta contra a parede, tirando até um caco do concreto, ele estava com a correia na mão e perguntou furiosamente se o papel higiênico cheio de sangue era dela.

Não era, mas Letícia sabia que não bastava dizer não.

_Tá de Xico? Fala a verdade.

_Quer que eu abaixe as calças pra ver?

Não foi um blefe, ela realmente não estava. Sua mãe estava no mercado há algumas horas, a empregada negou, e de quem era aquela coisa horrenda na lixeira do banheiro?

Todos se lembraram da prima Fatinha que até pouco tempo estava em casa em visita ao seu padrinho, o pai de Letícia.

Devagar e tentando não enfurecer o chefe da família, seu cunhado Tutito relembra quem estava em casa até poucos minutos atrás.

 


Letícia escapou. A surra que levou por esquecer a calcinha pendurada no registro do banheiro ainda é forte na sua memória.

Eles moravam numa casa grande, quando visitava a casa de uma colega de escola, com um padrão parecido com o seu ou com uma casa um pouco maior e família bem menor, a casa sempre tinha dois banheiros ou três.

Até a sua tia, que não eram tão classe média assim, o seu tio trabalhava na Petrobrás, colocou três banheiros na reforma.

Um amplo com bidê e box, um no quintal, já que seu tio sempre faz  churrasco com os amigos no final de semana, e um no quarto do casal.

Por que seu pai, na reforma da sua casa, continuou com apenas um, e com um banheiro que mais parecia banheiro de cabeça de porco?

Sem box, sem bidê, sem pia pra escovar os dentes e lavar as mãos. Coisa que até banheiro de cabeça de porco tem!

Chuveiro, à frente o vaso. Dá pra cagar e tomar banho, e aquele armário pequeno de banheiro que tinha em qualquer lojinha de construção.

Letícia aprendeu que calcinha se lava no banho.

Nada de colocar na máquina que estraga ou pra deixar que outros lavem.

 

Uma nova empregada estava trabalhando na casa. Não era ninfeta pobre. Dessas que tudo que os pais querem é se livrar da filha. Uma casa pra trabalhar dormir e ainda trazer algum dinheiro pra família nas FOLGAS QUINZENAIS.

Isso mesmo, quinzenais...

 

A empregada é uma senhora pouco bonita, que não caiu na conversa de, apesar das folgas semanais, vir TODO DOMINGO FAZER O ALMOÇO,

Letícia lembra da Oncina que se despediu dela chorando. Tentou explicar para os patrões que ela também tinha família pra cuidar e que precisava do domingo.

O pai de Letícia a demitiu aos berros.

As meninas pobres, analfabetas sumiram, e mesmo as que apareciam, muitos pais não permitiam que elas dormissem no trabalho, ainda mais depois de ver a homarada adolescente que habitava a casa.

 

A máquina de lavar estava quebrada, sobrou pra Rosalinda lavar toda a roupa na mão.

E era muita roupa.

Entre tantas ela encontrou uma bacia cheia de cuecas de um dos irmãos de Letícia.

Samuel era noivo, quase casado, pois a sua noiva não saía da casa da família.

Ela fingia ir embora à tarde, e voltava tarde da noite para dormir no quarto do noivo, e para todos, ela era virgem. Apesar de logo cedo, dividir o café da manhã na casa da família do noivo.

Os pais de Letícia participavam do teatro. De início sua mãe jogava umas piadas, mas como a futura nora não dava bola e seu marido até tinha um pouco de orgulho do filho estar transando, fez como sempre fazia com tudo que reprovava na casa, calou-se.

Por causa dela, Samuel deu uns cascudos no caçula da família.

Ele saiu do banheiro, Maria entrou e distraída, sentou em cima de um monte de mijo.

Acabou-se a mijarada no banheiro?

Somente durante a semana.

Os dias em que a noiva não estava presente, a porcaria recomeçava.

Por que simplesmente não levantavam a tampa do vaso?

 

Bem, Rosalinda deu de cara com aquelas dezenas de cuecas.

Imediatamente veio uma reação de asco. As cuecas estavam podres, cheias de uma casca grossa que não é bom nem imaginar o que seria.

Samuel apareceu e disse para empregada lavar imediatamente.

Rosalinda falou que não faria isso.

Samuel reagiu, começou a ofendê-la e a gritar.

Ela respondeu:

_Manda a TUA MULHER LAVAR SUAS CUECAS. Não tenho essa obrigação.

Samuel não tinha mulher, ele tinha noiva.

Ele chamou o pai e as coisas pioraram.

Samuel pegou a bacia e jogou em cima dela.

A empregada partiu pra briga, o patriarca teve que separar.

Ela não foi demitida, pediu demissão. Saiu na hora. Com o feijão na fogo, a carne no tempero. Uma confusão.

 

Era o momento de contratar outra.

Foi um momento complicado da família.

Mulheres apareciam, combinavam o dia de começar e davam um bolo.

Outras trabalhavam no primeiro dia, e nunca mais voltavam.

Sobrou pra Leticia e sua mãe arrumar a casa e fazer a comida.

Com essa “liberdade” de poder mexer nas coisas, Letícia passou a limpar o banheiro quase 3X por dia.

A noiva desapareceu, desde quando a matriarca a chamou para lavar a louça do café e catar o feijão.

 

Letícia estava no adolescência, e começou a namorar um rapaz bem doido.

Ele tinha muitos animais exóticos na sua casa.

Principalmente répteis.

Se sentido mais responsável, passou a reclamar abertamente do banheiro, e continuou sendo ignorada,

 


Dezessete anos, terminado o seu segundo grau, primeiro emprego.

Apesar de ainda ser de menor, ela tinha ambições de sair da casa.

Um dia visitando a casa do namorado, foi recebido pela sua mãe.

Albin foi estagiar nos EUA, não queria se despedir, mas pediu para sua mãe entregar uma caixa.

Triste, voltou para sua casa.

No seu quarto, abriu o envelope que estava por cima dela colado e leu a carta de Albin.

 

"Lítia, sei que nada perdoará o que estou fazendo com você. Era a minha chance de ter uma carreira no exterior, você sabe dos meus sonhos..."

Ela leu a carta rapidamente, por alto, acho que nem Letícia gosta de despedidas.

A última frase da carta.

"Te deixo essa lembrança, e por favor não me leve a mal. Não espere por mim, conhecerá muitos garotos legais que saberão apreciar sua inteligência desenvoltura, seu sorriso foi o mais sincero e belo que conheci."

Ela abre a caixa. Há duas coisas, uma delas é um envelope com um grosso maço de notas.

A outra...

 

Começa mais um dia na casa dos Sapaios. O pai, sempre o primeiro a acordar. O quarto de Letícia está ausente, ela não dormiu em casa, o seu armário vazio.

Ninguém percebeu a sua ausência, ela está bem longe de casa neste momento.

O pai no corredor da casa, onde fica um tanque, acorda a família inteira com a sua garganta que rosna de forma bem alta, força uma tosse.

A natureza o chama, se dirige ao banheiro. Brinca com o seu bilau enquanto urina, ele até imita as notas de uma antiga canção, na base do “náhaamnaná”

Em seguida um grito.

No avião, ela olha para o relógio e começa a rir.

Apesar de não estar presente imagina o que está acontecendo.

A casa em polvorosa, o pai pulando de dor, e uma cobra gigante com a boca no seu pênis.

A família tenta acudi-lo mas todos saem correndo ao ver o que lhe ataca.

Seu irmão caçula olha a tudo atentamente, querendo rir, mas não pode, e antes de ser puxado pela mãe, avista um bilhete pendurado acima da privada.

É uma seta desenhada para baixo pedindo delicadamente:

Acerte o alvo, se não, a cobra Mayza acerta você...

 


Esse conto faz parte de uma série, se gostou dele, talvez goste desses:


Inspirado em personagens reais


Uma família sem sogra é uma família incompleta


O patriarca está sempre certo!

 

 

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