O CASO SAMIRA



Samira era uma mulher de mais de 40 anos, ao menos era isso que ela aparentava. Uma recém entusiasta do candomblé.
Seu irmão caçula, o Pai Gilberto, estava batendo o cartão, no barracão da famigerada Dona Eulina. Ele promoveu uma pequena revolução no barracão da mãe de santo. Como por exemplo, na lista de compras das obrigações e feituras.
Ao ver a lista, ele foi taxativo:
_Mãe Eulina, ninguém tem condições de bancar essa lista!
Era saca de arroz, saca de feijão, dezenas de garrafa de óleo, uns 40 quilos de açúcar, e todos da marca específica escolhida por ela. Se o açúcar não fosse União, por exemplo, ela fazia um escândalo, devolvia tudo e cancelava o início dos trabalhos. Fora o pagamento pelo serviço em dinheiro, que era caríssimo, acho que em valores de hoje, não menos que 5 mil reais.

O seu barracão era onde mais tinha filhos pendentes em obrigações.

A impressão que tinha, era que Samira era meia irmã de Gilberto e Roberta, pois a diferença entre eles era de quase vinte anos.
As duas irmãs fizeram santo com o irmão, no barracão da Dona Eulina. Não sei porquê Rosa me arrastou para ir com ela nesse dia.
Na cozinha havia um cheiro que me enjoava muito, uma filha de santo de Eulina estava cozinhando uma cabeça de bode, depois as mulheres saíram do roncol, com roupas brancas banhadas em sangue.
Muito pesado pra mim.

Fez o santo, houve a saída. Uma Yemanjá (Roberta), pra "variar" Ogunté e um Oxosse, (Samira).
Comentei sobre a Yemanjá  da Roberta em outro texto. Ela não convencia ninguém. Diziam que era besta demais, a tal Yemanjá. O caso da Samira, era mais grave, ninguém via Oxosse, naquela manifestação...

Barracões, queremos acreditar, que são comunidades, onde as pessoas se ajudam. Uma família, com coisas de bom e ruim dela.
Muitos até são.
A relação de Dona Eulina com seus filhos era comercial e de quase escravidão.
É impressionante, o poder que ela tinha sobre seus filhos. Principalmente os sem casa e emprego. Eram filhos que moravam com ela, em troca, exerciam trabalhos domésticos pesados, uma delas, a Fátima, ainda tinha um caso com Eulina, até se substituída por Roberta. Ela chegou até botar os filhos pra fora, para ter mais privacidade, numa noite de sexo com a irmã de Gilberto.
Conheci um, que quando arrumou emprego, ela o convenceu a entregar todo o salário dele a ela. Alegando o custeio da próxima obrigação dele.
Demorou a abrir os olhos, pois nada estava comprando. Pelo contrário, com o dinheiro do Leco, ela emprestou à hekede, pra fazer aborto e deu dinheiro pro filho comprar discos no exterior, ele era dono de equipe de som, e promovia bailes.
No dia em que ele, perguntou para onde estava indo o seu salário, ela o expulsou, literalmente à pedradas!

Samira passou uns tempos internada.
Mãe solteira, deixou a filha sob os cuidados da mãe Eulina. Dos filhos dela, pra dizer a verdade.
De certo, a garota era mau educada e atentada. Uma vez ela disparou em direção à rua, mesmo sob os gritos da mãe, e foi segurada por um estranho, que teve até que ser enfático, pois ela insistia em atravessar a pista sozinha.
Quando Eulina pegou a criança fumando escondido, surrou a garota com uma correia e ainda disse o que ela não sabia:
Que ela era filha adotiva, filha de cadela, que sua mãe a pegou pra criar.
Quando Samira saiu do hospital e foi buscar a menina, soube de tudo, pela própria, o inferno que foi morar na casa de Eulina. 
Revoltadíssima, abandonou o barracão e desconsiderou Pai Gilberto como seu pai.
Descobriu num jogo, o que todos desconfiavam:
Samira não era do Oxosse, era de Nanã. Todos viam nela um orixá antigo, idoso...
Mas acredita que foi apenas um erro, até que Leco lhe abriu os olhos:
_Você nunca percebeu o que seu irmão fez com a sua cabeça, e da sua irmã?
Ele nunca escondeu de ninguém que seus orixás preferidos são Yemanjá e Oxosse. Acha que ele gostaria de raspar um outro santo em vocês?!
Foi de propósito, mesmo que isso fudesse com a sua vida. O importante era a satisfação do ego dele.

Leco, raspado de Oxosse, mas sabidamente, filho de Oxumarê, um orixá proibido de colocar os pés por lá. Porque Eulina o detesta...


Link com texto complementar
A Macumba de Vigário Geral

Comentários

  1. Nenhuma comunicação é boa quando o instrumento está estragado.

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    1. Eu escutei muitas histórias parecidas. Algumas o próprio pai admitiu o erro depois de 11 anos, queria raspar de novo,mas p filho não queria perder os anos. Há quem diga que não existe "Santo errado", pois o orixá diz quem ele é. Existe é "Santo colocado ". No caso do coitado do Leco..

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