Nasce Um Monstro

 O copia e cola de hoje.

Embora meu irmão tenha levado surras homéricas ao ser flagrado roubando os pais. Nesse episódio, ficou bem claro que em circunstâncias onde havia uma terceira pessoa, essa seria o bode. Ou (como filha nada preferida), acusar-me de causa e efeito dos atos de outrem, e humilhando-me para suas visitas, era muito mais confortável.😬😐😠


CRIANDO O MONSTRO







Fui menina criada no cabresto pela mãe. Era da casa para escola da escola para casa. Amiguinhos, só as filhas da vizinha, que vinham a minha casa brincar, tempo e hora cronometrados.

Uma vez elas ficaram duas semanas sem aparecer.

Antes disso, elas passaram à tarde comigo, chegou a hora do banho, todas partiram para suas casas, depois voltaram todas felizes, suas mães permitiram voltar e ficar na minha casa até o início da novela das oito (que começava mesmo, nesse tempo as oito) “Sétimo Sentido” de Janete Clair.

Entusiasmada, e achando que não haveria problema algum, abri o portão para elas.

Viviane, a caçulinha da turma tropeçou, caiu e começou a chorar, minha mãe apareceu e explodiu em fúria, expulsando as meninas aos gritos.

Obviamente suas mães ficaram chateadas e elas não apareceram mais.

Lembrando: Eu não tinha autorização nem pra botar o dedão na rua, não poderia ir até elas. A rua fechada, as crianças brincando de pique-bandeira (algo que jamais brinquei em toda minha vida), queimada, jogando voley, elástico, roda, (precisa lembrar que não havia videogame, TV a cabo e nem internet?), eu de dentro de casa ouvindo aquela algazarra, sem poder participar.


Um pequeno milagre aconteceu:

Dona Aparecida viu-me, tristinha, amoada, (e percebeu!), e ligou para as vizinhas. Ela teve que se explicar com as mães pelo telefone, mas não pediu desculpa, apenas explicou a razão da expulsão de suas filhas de forma tão bruta.

(O choro de Viviane)

Elas vieram.


Quando ela morreu, eu tinha doze anos, e vivíamos batendo de frente, Adolescência aflorando, eu querendo usar batom, paquerar, ir à casa das amigas de escola para fazer trabalhos (isso era verdade). Quando havia trabalho em grupo, quase sempre levava um zero, pois as meninas marcavam na escola ou na casa de uma delas fora do horário escolar, e minha mãe não deixava ir.

Tinha a opção: Almir me levar e trazer de carro.

Aí quem não queria era eu.

Todas as minhas colegas indo e vindo com certa liberdade, e eu tinha que ser levada e trazida por alguém mais velho.

Já era chato eu sofrer preconceito de outros alunos por meus pais terem um carro e me trazer e me buscar da escola todos os dias, mas... Na hora do encontro com minhas amigas de escola?

Entre elas eu tinha a fama de “medrosa da mãe”, pois quando éramos liberadas mais cedo, era comum as meninas passearem entre os arredores da escola, eu não fazia isso com medo da minha mãe descobrir.

Amigas que por sinal, minha mãe nunca fez questão de conhecer e ainda assim nunca gostou delas.


Se minha mãe vivesse mais, acho que a vida minha seria uma tragédia.

Não sei se me rebelaria a ponto de namorar escondido, engravidar e for obrigada a se casar como muitas da minha geração.

Elas todas queriam se livrar do selo opressor da época: o cabaço, a virgindade, saía de uma prisão e iam para uma outra: o casamento forçado. Se antes a opressão era dos pais e irmãos homens, agora era do marido, da sogra... Sem nenhuma esperança de mudança, sem estudo, sem renda própria e com filho pra criar...

Acho que seria uma solteirona que cuidava da mãe, e que jamais teria um namorado na vida.

(Ela morreu, mas minha vida não está muito longe disso.)

Então, se o seu ideal era criar um ser paranóico, ela conseguiu.


Tentem entender agora, o entusiasmo que tinha, ao ficar de frente com a oportunidade de sair do circuito escola-casa-casa-escola.

Deparei com minha mãe arrumada, contando o dinheiro de dentro da sua carteira. Não me intimidei:

_Mãe quero ir! Deixa eu ir! Deixa eu ir!

Ela muito zangada, deixou a carteira na mesa da varanda, onde Almir a esperava para levá-la para o supermercado Sendas em Belford Roxo, e me levou pra dentro de casa para me arrumar.

As Sendas, para os padrões da época, era o nosso shopping. Mesmo porque, não havia um único shopping em todo estado do RJ, apenas o Rio Sul, como o nome já diz, em Botafogo.

Pra mim ela era gigante, um castelo a ser explorado.


Fomos.

Era comum as famílias fazerem as compras de mês. Era uma forma de combater a inflação descontrolada dos anos 80. Essa era a intenção da minha mãe.

Com o seu razoável poder aquisitivo, ela foi colocando o que precisava para abastecer uma casa com 11 pessoas.

Tranquila, sem stress, pois eu não era uma pidona dessas que pedia de tudo no mercado. Eu queria era passear.

Carrinho cheio, fomos para o caixa.

A moça disse o total e ela sem alterar em nada a sua reação, abriu a carteira.

Não entendi a gravidade e nem a maldade do acorrido na época, mas lembro de tudo que aconteceu:

Dona Aparecida abriu a carteira, calma, pois tinha a certeza do que tinha dentro dela.

Porém, de repente, a vejo levantar a cabeça, olhar para o nada, arregalar os olhos e a boca, sua pele se empalidecer.

Parecia que a mulher de coração frágil e hipertensa, teria ali mesmo um infarto ou (mais 1) AVC, naquele instante.  

Foi quando o Almir tirou um dinheiro da bermuda e deu para minha mãe:

_Eu estava juntando um dinheiro pra comprar um negócio, mas não encontrei aqui. Toma, depois você me dá.


Na noite seguinte minha mãe resolver visitar a vizinha.

Estava brincando, e ela ordenou que eu a acompanhasse. Não queria ir, mas ela me obrigou.

Achei estranho; sem opções a acompanhei.

Ela contou toda a história para a amiga e seu marido na sala da casa deles.

O Almir havia roubado-a descaradamente.

E concluiu:

_Foi por causa dessa filha da puta, dessazinha aí_apontou para mim_que meu filho me roubou!

Ela fez isso outras vezes, sempre me chamando para me apontar como a culpada do delito do meu irmão.

Ela nunca brigou com Almir, nunca tomou qualquer atitude sobre o roubo com ele, pois a culpada era eu.


E assim se criam os monstros.

Meu irmão foi a desgraça da família. Roubando o próprio pai até a sua falência. Como um sociopata costumaz, nunca enxergou o mal que fez a família, pais e irmãos. Nem meu pai teve coragem de confrontá-lo sobre o que estava acontecendo. Empurrou com a barriga o problema, afundou-se na religião, acreditando que seria salvo por ela.

Bastava um guia dizer:

_Seu filho te rouba. Livre-se dele. Já é um adulto, pode se virar sozinho.

Apesar de ser um homem bruto, a maneira de meu pai “se livrar” dos filhos mis velhos, foi entregando parte da herança e montando negócios para eles. Não adiantou nada.

Talvez, mesmo se uma entidade da sua confiança o aconselhasse, provavelmente ele não tomaria atitude nenhuma. Pessoas reais, testemunharam o roubo e o desvio que acontecia no seu ferro-velho, correram para lhe avisar, como minha mãe, ele atacava a pessoa que o alertava.

Assim se fez o monstro.



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