Contos da Edgarda

 Boa noite beduínos que caminham aqui no deserto de palavras e de Pix.

O conto que apresento foi a minha maior tragédia até então. Eu escrevendo a minha primeira saga para a dúzia de fãs do Facebook, e até que, a outra plataforma desaparece. Havia meu pen drive, mas um vírus o contaminou e destruiu todos os arquivos. Não tem como reescrever. É como voltar para o ex. Nunca será a mesma coisa, e embora tenha bons momentos, os maus sempre te assombrarão.

Entretanto esse capítulo, como a maioria  da história, funciona como obra independente. Não precisa conhecer a personagem antes, e o que aconteceria depois, você imagina, mas o fim é fechado. Uma homenagem aos profissionais que mais detesto nessa vida: os RH.

Estou cansada, vivo em fadiga, embora não mereçam, faço esse sacrifício que, duvido que se importem, por vocês. 

Bom sábado e sejam felizes! 




CONTOS DA RH

Estou eu aqui em mais uma entrevista de emprego, tem uns 100 na minha frente, mas o RH, o diabólico RH, atende um por um. Alguns por minutos, outros por meia hora, e tem até aqueles que ficam mais de uma hora lá dentro. Uns saem cheios de esperança, outros inquietos, há os tristes, quase chorando.

Que raios de seleção é essa, hein??!!

Sou a última a ser atendida, cheia de fome e sede, mas dentro da sala, a senhora me oferece sucos, café e biscoitos.

A coisa melhorou...

A sala é escura, sinto um cheiro de incenso, o anúncio não me dizia nada disso, apenas que precisava de candidatos com ou sem experiência para trabalhar com o público. Salário mínimo, passagem, cesta básica, ticket refeição.

A senhora está sentada numa cadeira enorme, quase parecendo um trono, na sua mesa, uma toalha preta. Isso mesmo, preta!

Ela puxa meu currículo que enviei pela net na impressora, pedi meus documentos os avalia e me encara, depois volta seus olhos ao currículo, me encara e volta seus olhos ao currículo, ficou uns 3 minutos assim.



Achei estranho, mas não me preocupei, a mesa estava farta e só pensava em devorar os biscoitos e beber suco e café.

_Você conhece um passarinho ou já ouviu falar do pássaro das sombras?

Engasgo com a pergunta. Que pergunta mais idiota! O que esse pessoal do RH tem na cabeça?

_Cof! Cof! Gasp! Cof!!! Que passarinho mesmo?

_Ele também é conhecido como pássaro-grilo, pois só se escuta o seu canto, ninguém o acha, e quem procura por ele se perde, outros desaparecem.

_Eu não! Cruz credo! Mas sou cética nesses lances. Aposto que é sempre alguém que escutou do primo do amigo da vizinha essas histórias e elas vão assim, passando de boca em boca. Lendas urbanas.

_O canto dele é assim, presta atenção:

Ela abre um arquivo de computador.

_Fi-fííí

O som me faz gelar, pois eu já havia escutado antes.

_Tudo começou com um garoto, um matador/caçador de passarinho, gostava de matá-los, quando não fazia isso, os prendia para levar pra casa ou para vender na feira

Minhas memórias voltam a minha infância, enquanto ela narra à história.

_Tia, por que esta tacando pedra por cima da laje.

_Não está ouvindo esse canto?

_Sim, mas é só um passarinho. 

_Esse pássaro traz mau agouro! Não é bom ter ele cantando pelos arredores.

_Ele tinha orgulho em exibir os passarinhos mortos, principalmente para as meninas, pois elas sempre corriam de medo assustadas com tamanha atrocidade. Alguns adultos o repreendiam, mas ele não dava bola.

Em mais uma caçada na mata perto de sua casa, ele escutou um som que nunca tinha ouvido antes.

_Fi-fíí!

Com seu ouvido treinado, foi em direção ao canto, mas nunca encontrava o passarinho. Outros pássaros apareciam, cantavam, mas ele não os queria, mesmo porque estava com estoque cheio deles para levar a feira, e já tinha um monte aprisionado em casa para os seus prazeres sádicos. Tais como amarrar o pobrezinho pelo pé com uma linha, amarrá-la em uma pedra e fazer o bichinho de mira para o seu estilingue, com pedras bem pequenas para machucar bastante e demorar a morrer...



_Tia, a senhora está tacando para todos os lados, ainda não o viu?

_Ele é rápido, eu taco, jogo a pedra, ele para, depois começa de novo! Pássaro maldito!

_Embriagado pela oportunidade de exibir um pássaro desconhecido ele continuou a perseguir o canto. 

Até bem ao fundo da mata, onde ele jamais esteve, e já anoitecendo ele encontra um pássaro escondido entre os galhos de uma árvore e a sombra da noite, tudo que ele consegue ver é um vulto, a árvore era enorme, majestosa, nunca tinha visto igual, mira e erra o passarinho nem sente, e continua a cantar como um desafio canta até mais alto.

Taca outra e outra e mais outra pedra, até não ter mais nada ao seu redor, resolve subir na árvore, e o passarinho sempre cantando. Com muito esforço, os dois ficam lado a lado, o pássaro parece distraído, está de costas para o menino. Porém ele silencia; o moleque bem devagar aproxima a mão no passarinho e num gesto relâmpago o pega.

_Você vai me trazer uma boa grana, se não, te faço de mira para o meu estilingue.

Como ele pegou o passarinho de costas ele vira a mão para encarar a pequena ave marrom, mas se assusta com o que ver.

Os olhos do passarinho era totalmente vermelhos e brilhava como fogo.

A ave não tenta fugir de seus dedos, mas ao abrir o bico, não sai de sua garganta o seu enigmático canto, e sim o rugido de uma besta, assustando o garoto que se desequilibra e cai do alto da árvore.

Minha tia está ensandecida, sem pedras ou qualquer outro objeto, começa a lanças as roupas no varal.

_Tia! É só um pássaro! Não vai acontecer nada de mau!

O pássaro se cala, mas logo em seguida pousa um urubu, rapidamente enxotado pela minha tia.

Nesta mesma noite, acordo de madrugada com os gritos da minha mãe, ela estava nervosa, correndo pela casa sem nexo, chorando e gritando muito, minha tia também surpreendida, tenta acudi-la.

Minha mãe chegou a fazer xixi pela casa, meu pai às pressas, abre o portão para sair com o carro, minha mãe sai de camisola e toda mijada para o hospital com ele, não haveria tempo para mais nada.

Ela morreu, e junto com ela, toda a família se acabaria também, era só o início da desgraça que acometeria o meu lar. Passei a odiar minha mãe desde então...



O garoto cai e tem morte instantânea, seu pescoço quebrou na queda, a ponto de sua cara ser vista das costa de seu corpo.

Aparecem primeiro os pássaros noturnos e outros bichos da noite a rodear o seu corpo, depois, os passarinhos largam o seu ninho e também comparecem, pousam no corpo da criança e começam a cantar, a bicharada está em festa.

Tem um que até caga na boca do garoto, outros começam a cutucar seus olhos.

Quando dão falta do moleque, e os vizinhos e a família adentram a mata a sua procura, ao encontrá-lo já na manhã seguinte, só o reconhecem pelo estilingue e pela roupa, pois seu rosto está em carne exposta, totalmente sem pele e seus olhos não existem mais, sobrando apenas dois enormes buracos apavorantes.

Minha vontade é de perguntar o que isso tem a ver com a vaga de emprego, mas não se deve contestar esses profissionais de RH.

Não estou gostei de nada dessa história.

_Você trata bem os mais velhos? Tem avós?

_Trato, mas nunca tive avós, eles morreram antes de eu nascer.

_Eles são a memória de uma sociedade, o seu conhecimento, e devem ser sempre respeitados.

Será que a entrevista começou realmente? Que nada, ela começa a cantar uma paródia muito furreca da música da chapéuzinho vermelho! Mas que *&#¨%&%¨¨%&¨§ eu fui me meter!


“Ele está La fora

E vou bem sozinha

Levar a marmita para vovozinha

Eu vou pela favela

É o caminho mais certo

E o traficante me espera ali por perto”

É hora de levar o almoço da bisa. Odeio essa hora!

Minha mãe sai cedo, mas deixa tudo pronto, ela pede para levar a marmita da vóbisa quando vou à escola, mas a escola já não vou há muito tempo. Escola é para as feias e otárias, eu sou bonita, sou jovem (16 anos), e estou namorando o chefe do morro!

Tatiana adora vermelho, sempre há uma peça dessa cor em seu vestiário, pode ser o sapato, o vestido, recentemente ganhou um anel de ouro e rubi para usar e combinar suas peças vermelhas, dado pelo seu namorado traficante, contudo, o que ela mais usa são chapéus, pode ser boné, boina, touca ou um outro chapéu mais chic e social, porém sempre vermelho.

Com o seu anel, vestido curto e uma boina de crochê vermelha, sai para a casa da bisavó, que fica no outro lado da favela, ela poderia cortar caminho pelo asfalto, mas gosta de atravessar a comunidade, de exibir sua beleza e poder.

No caminho os traficantes lhe dão sentinela, as mulheres a invejam e os homens, temendo repressões, dão as costas para não olhar a rainha do morro e assim não serem acusados de cobiça pela a mulher do dono do morro e serem executados.

Bem no alto da favela, ela sempre interrompe a sua travessia, era a hora de ver seu amado e de trocar carinhos com ele.

_Nossa já é 3 horas da tarde!

_Sua bisa deve tá morrendo de fome, não?

_Ela sobrevive. Mesmo assim tem um celular com ela, se ela realmente precisasse, já teria me ligado.

_Ela sabe mexer naquilo?

_Acho que não, ela quase nunca se lembra do próprio nome, imagine o número da ligação.

_AHAHAAAHAHAHA.

Escarna o casal diante da situação da idosa.

Só por volta das 5 da tarde que ela aparece na casa da bisa.

Uma velhinha frágil, quase sem forças para andar e de mãos trêmulas.

A casa está um chiqueiro, era para a Tatiana também ajudar na limpeza, mas ela pouco o nada faz para o asseio da casa. E sua mãe também não dá muita bola para avó, empurrou todas das responsabilidades de cuidado com a anciã para a filha, que nunca quis essa obrigação.

Mas quando é o dia do pagamento da pensão da velha, as duas se entendem bem. Sacam a grana, separa uma merreca para o alimento da velha, apenas o suficiente para comprar arroz, feijão, fubá e farinha (a idosa nunca mais comeu um pedaço de carne), e dividem o resto.

A bisa sempre recebe a bisneta com alegria e alento, sua vida é ruim, mas quando a bisneta não aparece, seu dia é ainda pior.

Na mesa, ela tenta comer a marmita, mas suas mãos hoje estão tremendo mais do que o comum, entornando tudo pelo chão e mesa.

_Que merda sua velha idiota! Não vai me dizer que agora não consegue nem mais comer um prato de feijão com angu?

A idosa, nervosa com os gritos começa a chorar.

_É assim ó:

Esmagando o fundo da marmita de alumínio com a força que empurra a colher, Tatiana enche o talher com comida e empurra pela goela da velha, que quase engasga.

_Não consegue mastigar??! Eu ajudo!

Dando socos e tapas na cabeça e embaixo do queixo ela “ensina” a bisa a mastigar.

_Agora engole. En-go-le!

Amordaça a boca da anciã com a própria mão.

A senhora, sem ar, começa a tossir.

_Mesmo assim ainda engasgou?! Burra pra caralho!!!

Ela começa a socar com força as costas da sua bisa para “ajudar” no desengasgo.

A bisa cospe toda a comida para não morrer asfixiada e começa a chorar, irritando ainda mais a bisneta.

Ela começa a socar e  chutar os velhos móveis da casa.

_Eu não tenho que agüentar isso não!!!

Eu não preciso mais do seu dinheiro!

Fica bem de frente para sua bisa a encarando com muito rancor e raiva, a bisa de cabeça baixa e chorando baixinho, tem sua cabeça levantada pela mão da bisneta que quase a enforca.

_Eu sou agora rainha do morro! Meu namorado vai comprar uma casa enorme pra mim com piscina e tudo, e vou embora daqui. Eu poderia simplesmente aliviar o seu sofrimento te enfurnando num asilo luxuoso, mas seria bondade demais pra ti, sua velha! Pensa que me esqueci das surras de vara que você me deu???!!! Sua bruxa! Vai definhar nesse chiqueiro até morrer de fome e sede!

_Foi para o seu bem, Tati, tudo que eu queria é que você fosse uma boa menina, não se misturasse com os garotos maus, estudasse...

_E deu tudo certo

Ela empurra a mesa pra cima da velha que cai no chão.

_taaaarrr-ti.

Um suspiro de pedido de ajuda, mas Tatiana rejeita.

_Hoje vai ter uma festa, só para os Vips da comunidade, vai ter churrasco, vinho, champanhe e muito proibidão. Vai lá. Vai ser a última vez que verá eu e sua neta. Coma o máximo que puder, pois não trarei mais a sua marmita diária.

_Taaarrrtiii, minha netinha, não faça isso!

São suspiros quase inaudíveis de uma idosa agonizante. Tati partiu sem olhar para trás.

Algumas horas depois, já de noite, uma bola invade o quintal da senhora, eram 3 meninos que brincavam de bobinho na rua em frente.

_Caiu na casa da velha bisa.

_Vamos buscar, ela é legal.

Eles adentram e encontra a casa toda aberta, do quintal se vê os móveis revirados, assustando os meninos.

_Ela tá aí?

_Não dá pra ver, mas alguma coisa de ruim aconteceu.

_Vamos entrar?

_Ai! Se ainda tiver gente aí dentro!

_Aí, a gente sai correndo e pede ajuda.

Pisando em ovos e andando devagar eles entram no barraco e encontram a bisa deitada no chão com monte de móveis, louça quebrada, em cima dela e a sua volta.

_Dona Bisa!

A velha só geme, parece nem perceber nada que acontece a sua volta.

_Chama alguém, Ryan!

_Não...

_O que? Ela voltou a si?

_Não chama ninguém, só fiquem comigo e me ajudem a me levantar, por caridade, meninos, por caridade...

Meio de semana, já passa das 22 horas e a festa está no máximo, assim como o som e seus proibidões com letras pornográficas, cheias de palavrões, apologia ao crime e o rebaixamento  a posição da mulher como uma mera bunda e vagina feita para se servir e gozar.

Os moradores que foram proibidos de participar, se trancam nas suas casas, e tentam dormir para trabalhar amanhã, mas além da música a decibéis estratosféricos, há os fogos de artifícios, e uma ou outra rajada de um bandido mais entusiasmado.

Tatiana está com um vestido curto de renda branca transparente, um bolero vermelho e um chapéu à Jaqueline Kenedy.

Ela realmente leva a sério essa história de primeira dama do morro...

Sua mãe também está presente, como foi mãe cedo, ninguém diz que ela é mãe de Tatiana, e consciente de seu poder de fogo, se engraça com alguns bandidos do morro, ela também quer fazer o seu pé de meia.

Muito barulho, muita comida, muita bebida para até mesmo um número reduzido de convidados, praticamente a quadrilha, e as mais gostosas do morro.

Ah... e tem muito ouro também. Parecem que os bandidos competem entre si que quem carrega mais em seu corpo, alguns parecem uma verdadeira árvore de natal.

Os novinhos recém contratados pelo tráfico guardam a entrada, eles vêem a aproximação de 3 homens, não os reconhecem como morador, estão vestidos com calça jeans, bota de peão e camisa machão.

O que assusta os moleques entre 11 e 14 anos, tem um que é do tamanho da sua arma, são os que carregam em suas mãos:

Um deles é um enorme machado, outro um machado de ponta dupla em uma das mãos e na outra um machado também duplo, mas sendo que a outra ponta é a de uma picareta, o terceiro uma enorme motosserra.

Eles se olham, sem entender e saber o que fazer. 

Se vieram tentar parar a festa, suas armas podem assustar, mas são inúteis diante do arsenal do tráfico, para piorar vêem atrás deles um gigantesco lobo guará, com quase 4X o seu tamanho original.

_Cara, o que que a gente faz??!!

_Espera, pode ser convidados do chefão.

_Oi garotos, viemos participar da festa.

Se apresenta um dos homens, brincando com o machado, como se ele fosse um mero bastão de bailarina de banda de rua.

_Você foi convidado?

_Não precisamos de convite. Nesse mesmo instante, ele para de brincar com o machado e mira bem rente a cabeça do menor.

_A gente vai ver, péra aí!

Chamam um adulto da festa.

_Vocês me chamaram pra isso?

Enxota essas porras!

O cara com dois machados joga um deles contra o bandido, acertando bem no peito, em seguida, ele puxa a sua machadinha dupla, com a ponta de picareta cravada no peito, puxando junto o coração que cai ainda batendo no chão, jorrando sangue a doidado, as crianças se assustam e saem correndo, largando suas armas, o bandido ainda agoniza por segundos, mas não teve tempo e nem fôlego para gritar, assim não abalando a festa.

_MANHEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE!!!

_BUÁÁÁAÁÁÁÁÁÁ! EU QUERO A MINHA MÃE!!! MANHEEEEEEEEEE UUAAAAAHHHHHRAAAARAAAAA!!!!

_MÃE! Ô MÃE! BUAAAAAAAA! 

Ao menos esses garotos não vão mais querer a vida no tráfico, correm como ratinho assustado pelas vielas da favela.

O gigantesco lobo guará toma a frente e quando se aproximam da festa, eles chamam a atenção,até o DJ para com a música.

O chefe do morro:

_Que porra é essa?

O lobo guará rosna, dá um giro de 180° graus, ameaçando a todos.

_Vocês estão olhando o que, suas bolhas! Eliminem esses bundões e esse cachorrão folgado!

Inicia uma rajada de tiros e metralhadora, mas 2 deles jogam o seus machados no ar que giram em alta velocidade em volta deles rebatendo todos os tiros, o cara da motosserra a liga e pula como um leopardo cortando ao meio todos em seu caminho, e o lobo guará preferi as periguetes, não as mata, apenas estraçalha, rasga partes de seus corpos da qual elas dão tanto valor e fazem dele escada para ascensão social: perna, bunda e rosto, umas correm enquanto deixam um rio de sangue pelo caminho, outras rastejam, já que seus membros inferiores estão no osso ou foram arrancados, numa tentativa desesperada de fugir dali.

O chefe do morro, sua namorada e sogra estão num camarote improvisado, perplexo com o que estão assistindo. Ele chama por reforços pois todos já caíram, mas os que aparecem são surpreendidos com machadadas na cabeça e peito, mal conseguem dá um tiro, o lobo devora alguns corpos...

_Vamos fugir!

Sugeri Tatiana ao namorado.

_Ninguém vai tomar o meu morro!

Mas a mãe de Tatiana sai de fininho, pelos fundos, no meio do caminho percebe uma sombra enorme crescendo cada vez mais ao atrás dela.

Se antecipa e dá um pulo gigantesco e começa a correr, onde estava, cai bem em cima o enorme lobo guará, que rosna e solta um enorme uivo, alguns moradores vêem das frestas de suas casas o que está acontecendo e rapidamente reforça suas trancas, a mãe corre o máximo que pode, batendo nas portas, pedindo ajuda, mas ninguém abre, e o lobo se aproxima cada vez mais, entra por uma viela bem fina, para assim conter o lobo, mas ele pula para o alto das casas e começa a persegui-la de cima, a viela termina em um barranco e lobo já alcançou.

Mas se ele pular em cima dela, os dois caem, embora não seja muito alto e ainda haja casas na parte de baixo. Não pensa duas vezes, acreditando que o lobo não a perseguirá mais, pula, cai no telhado de zinco de uma casa, arrebentando-o totalmente, assustando os moradores, muito machucada, ela demora a se recompor.

_Moça tá tudo bem?

Pergunta um dos moradores, enquanto ela tenta se levantar, cai por cima dela o lobo.

A família grita de susto e medo. E foge da própria casa, levando as crianças e até os bebês de colo.

O lobo esta bem em cima dela, mas a mãe, ainda luta, dando socos na cara do lobo, que parece não sentir nada, e contempla o seu troféu, rosnando bem rente a sua face.

Ela ainda o tenta afastar com as mãos, dessa vez o lobo as morde até quebrar os braços numa fratura exposta.

Não há mais nada a fazer, suas pernas e pés se machucaram muito na queda.

_Esse poder era pra ser meu!_mãe

_Não é assim que funciona. Você tem que ser avó,e a mais velha do clã, achava que me maltratando, ensinando a sua filha a me odiar, eu morreria mais cedo e assim receberia os meu poderes?_o lobo responde_Tola, idiota e burra!

E arranca a cabeça da mãe numa bocada que até se separar totalmente, ainda luta desesperadamente pela vida, e só para quando mais nada a liga ao corpo. 

E leva o seu prêmio para o local da festa.

Na festa, todos estão mortos, os feridos graves que conseguiram escapar, morreram pelo caminho, o morro está banhado em sangue, com corpos espalhados em todo local.

Vivos apenas Tati e seu namorado que está com a arma em punho, mirando os madeireiros, que pararam, apenas olham o casal.

_Eles pararam, pergunta o que eles querem, você não tem chance, veja o que fizeram!

O traficante ouve a namorada, mas sem baixar a arma:

_O que vocês querem?

_Nós?

_Nada.

_Mas a bisa tem umas contas a acertar com a bisneta dela.

O estômago de Tati gela.

_Então toma! Mulher tem aos montes e em todo lugar! 

_Hei!

E joga a namorada ao chão, a queda e de 3 metros, os lenhadores a cercam, reaparece o lobo guará com a cabeça de sua mãe.

Tati já prever o seu fim e começa a chorar desesperada.

O lobo guará larga a cabeça no chão.

Um pensamento invade a mente de Tatiana:

Um dia você será velha e avó, que seus filhos e netos não a obriguem a isso.

Os quatros dão as costas e partem até desaparecer em meio às casas do morro.

Tati ainda está sem entender nada, apenas abraça a cabeça da mãe e chora copiosamente, daqui a algumas décadas ela vai entender, e o ciclo se reiniciará, às vezes com a chapeuzinho levando a melhor, às vezes com a vovó vencendo, essa rixa dura há séculos e elas nunca conseguiram se entender.

O fim da maldição e da triste sina desta família ficará para próxima geração, pelo menos esta é a esperança de sempre...




_Já ouviu também a história da sombra?

_Aquela que o garoto brincava com a sua sombra, até que ela simplesmente parou de seguir seus movimentos? História pra boi dormir!

_Não essa. Aconteceu com um filho de uma amiga minha.

_Mais uma! Essa não! Será que eu tenho que passar por isso tudo para um emprego miserável!




Ela me contou como se pedisse ajuda pra mim, pois morria de medo do próprio filho, tinha medo até da sua sombra:

Dequinha era filho sem pai, passou sua primeira infância sendo criado pela mãe e pelo avô materno. Um mestre na brincadeira das sombras, aquela em que a gente com a sombra das mãos, cria inúmeras formas na parede.

Toda noite o avô entretinha o netinho com suas sombras. Contava grandes histórias com elas.








 


Não tinha limites para a sua habilidade, eram príncipes, guerreiros, cavalos voadores, dragões, rainhas e princesas.

Infelizmente seu avô partiu cedo, o menino tinha apenas oito anos, mas foram anos maravilhosos que deixaram saudades e também as suas habilidades, da qual Dequinha tinha tanto orgulho em exibir para seus coleguinhas.

Uma noite, na rua fazia o que mais gostava, contava história para os coleguinhas na rua que também adoravam ouvir e assistir.

Nessa noite apareceu o Gustavo Phellipe, isso mesmo, um classe média baixa, filho de divorciados, mas que tinha uma madrinha que lhe proporcionava um certo conforto.

_Vocês estão na idade das cavernas!

Isso é coisa pra neném, vejam o que ganhei da minha madrinha!

Ele exibi um IPhone de última geração.

_Ual!

_Caramba!

_Que legal!

_Traz pra cá pra gente vê!

_Vem pra cá vocês! Largam esse manezão com histórias pra boi dormir! No You Tube tem um monte de histórias legais cheias de efeitos pra gente assistir.

_Eeeebaaaa!

Todos os amiguinhos abandonam Dequinha e fazem um círculo para a novidade de Gustavo Phellipe.

Dequinha contrariado se aproxima também da turma para ver a novidade. Mas Gustavo o empurra, batendo na sua cara.

_Sai pra lá Mané! Na minha turma só fica os legais, e você não é legal, é manezão! 

Ele se recolhe no seu canto, triste, principalmente ao ver seus amigos não darem a mínima pra ele, e tão pouco, o defenderem da sua exclusão decretada por Gustavo Phellipe. Na parede, ele percebe que suas sombras estão lado a lado.

O que se passou na cabeça de Dequinha nesse momento?

Sua tristeza e sentimento de rejeição logo viram raiva e desejo de vingança, imaginado uma desforra, entrelaça as sombras de suas mãos no pescoço da sombra de Gustavo, imagina o enforcando com todas as suas forças.

O protegido da madrinha, que até então palestrava sobre o seu presente, larga o aparelho e o deixa cair no chão, suas palavras se calam subitamente, como olhos esbugalhados, começa e sentir falta de ar e tenta a todo custo respirar.

As crianças se assustam, gritam por ele, perguntam o que está havendo, e Gustavo se contorce, como que se tentasse libertar seu pescoço de alguma coisa, mas não há nada o enforcando. Até que uma das meninas ao ver Dequinha enforcando a sombra de Gustavo solta um grito.

Atraídos pelo grito, olham também para o amigo, um até grita:

_Para com isso Dequinha! Para!!!

Como ele não ouve, elas saem correndo gritando pelos seus pais. 

Algumas ainda gritam:

_O Dequinha tá matando a sombra do Gustavo!!!!

O menino apenas sorrir, nunca se divertia tanto desde a morte de seu avô, se delicia com a agonia do desafeto, até que sua vítima cai no chão inerte, ele se aproxima do corpo e o chuta de leve, não há reação, olha, contempla a sua sombra e vai pra casa.

_Mãe, vou pro quarto dormir, mas de luz acesa! Bença!

_Não vai jantar? 

_Não, mãe. Boa noite!

A mãe pela janela da casa percebe o movimento da rua, a luz da ambulância, o choro das crianças, o horror dos pais e o desespero da mãe de Gustavo. 

Preferi continuar em casa, nunca gostou de tragédias.


Lógico que ninguém acreditou na história das crianças, e no seu pescoço não havia nenhuma marca. O legista concluiu que foi asfixia causada por um mal súbito e desconhecido.

Nesta mesma noite, a mãe de Dequinha (cujo nome é Quincas, o mesmo nome do avô), vai ao quarto do filho apagar a luz, o menino está em sono profundo, mas quando encosta no interruptor, sente algo segurar a sua mão com força e afastá-la do mesmo, quando olha para a parede, ver a sombra de Dequinha (que continua a dormir) segurar a sombra do seu braço.

A mesma faz um gesto com a outra mão o sinal da negação, querendo dizer: não pague a luz.

Horrorizada, corre do quarto apavorada com o que acaba de acontecer, reúne forças e volta ao recinto. 

Seu filho dorme como um anjo com a sombra ao lado da cama, na parede, como deveria ser, mas ela se volta para a mãe e faz o sinal do silêncio, com o dedo indicador encostado na boca.

A mãe quer gritar, acordar o filho, mas obedece.

Com as histórias que ela ouviu no dia seguinte e com o que lhe ocorreu, ela nunca mais desafiou a sombra, e passou a ter muito medo do filho.

Eu quero ir embora. Se essa mulher iniciar mais um conto, vou deixá-la falando sozinha!

Mas não é que é isso que ela faz! Tomo coragem e a interrompo!

_Moça, eu quero ir embora, tá tarde e deixa pra lá... Se ainda assim me quiserem, meu telefone está no currículo.

_Espere um pouco, já vou terminar. Só queria entretê-la, aguçar a sua memória.

_E você conseguiu e não gostei nem um pouco!

_Não me reconheces? Quando a vi a foto de seu currículo eu logo a reconheci.



Ela se levanta da sua majestosa cadeira e sua figura humana desaparece, no lugar vejo uma enorme sombra, na face uma caveira com inúmeros vermes corroendo o pouco que resta da sua carne, seus cabelos se transformam em enormes serpentes negras, nas mãos apenas os seus ossos.

_Minha irmã, amiga e companheira, o mundo das sombras sente tanta saudade de tu, você faz tanta falta!

Tudo a minha volta começa a se modificar, as paredes que já eram escuras ficam totalmente negras, mas ainda vejo vários vultos voando naquela negritude total, parecem agonizar numa língua que não entendo.

_Quando você fugiu, eu fiquei tão triste e com tanta raiva também, mas o mundo-maldito está disposto a te perdoar, por favor, volta. Você faz falta!

_Quem é você? Um demônio!! Cai fora! Porque eu não gostaria de voltar ao inferno!

_Não somos demônios, somos piores que eles.

Começo a escutar outras vozes, dessa vez os vultos saem da parede negra e percorrem todo o recinto e me rodeiam.

São sombras fantasmas, umas mais feias e aterrorizantes que as outras.

_Volta Ariadne! Volta!

Sabem aquelas vozes aterrorizantes de filmes de terror, que parecem surgir do vento?

Dessa vez estou com medo.

_Ariadne, somos as maldições, as desgraças, os azares!As injustiças que acometem a humanide! AAAAAAAAAAAAAAAAAH!

Por que  essas criaturas quando se apresentam ao mundo fazem um estardalhaço? Surge de seu vulto, morcegos, urubus, corvos, tudo quanto é bicho agourento que voam em minha direção tomando rodo o espaço, fica ainda mais difícil fugir dessa coisa!



Dou as costas para essa louca e tento correr e me desvencilhar deles, porém o chão começa a se desfazer, surgindo dele, cada vez mais sombras, e um líquido roxo escuro, urubus, corujas, morcegos e tudo quanto é bicho da noite, parecem querer me derrubar no líquido que  fervente, com um cheiro horrível de putrefação, a gosma parece ter vida, surgem faces e mãos clamando pela minha volta. Algumas tentam me agarrar, e luto contra elas.

O chão que se reparte todo começa a afundar nessa gosma, procuro as partes ainda flutuantes, mas assim que piso, eles afundam também, o jeito é correr loucamente, para não virar ingrediente dessa sopa infernal.

_Ariadneeeeeeeeee!Estamos com saudade! Sentimos a sua falta! Dama das trevas! Minha pupila preferida!


O teto começa a cair, tá difícil de enxergar a saída, e quando consigo sinto alguém segurar à porta, puxo, chuto com todas as minhas forças.

Ela reaparece:

_Se você fugir pela segunda vez, não terá mais volta!!!! Mesmo entre os mortais, jamais se desvencilhará de nós. Ainda não enxergas a utopia da sua condição humana???!!!

No meu último esforço arrebento a porta com o chute a construção toda desaba e escuto o grito da criatura:

_Nãããããããõooooooooooooooooo!

Saio tão apavorada que quase sou atropelada, pois o endereço ficava bem no meio da Avenida Brasil.

Ainda desnorteada, sento na calçada, e onde eu estava nada mudou, o escritório continua lá em pé, como se nada tivesse acontecido.

Ou tinha alguma coisa naquela bebida ou biscoitos ou estou ficando louca.

Sento no meio fio para me recompor.

Estou lelé da cuca!

E agora? Sem condições para procurar um médico, e se procurar, ou ele me interna ou ele me entope de tarja preta. 

Já calma, encontro minha solução.

Você só é louca quando acredita nas suas demências e ilusões, posso até conviver com elas, mas as guardarei para mim. 

Mas se por acaso, todavia, contudo, porém, quem sabe, sei lá... se isso tudo for real, eu tomei a decisão certa.

Nunca, mas nunca gostaria de ser uma criatura das sombras. Devo ter abandonado toda aquela maldade, e tentado a vida comum.

Que cá entre nós, é uma merda só, mas é a minha desgraça, a minha infelicidade, minha maldição, e não vou desistir da vida, até que ela desista de mim.

Pela primeira vez em tanto tempo, estou orgulhosa de mim mesma!

Pena que não vou poder dividir com ninguém o meu ato de coragem e abnegação.

Vou caminhar um pouco pela Brasil, ainda preciso me acalmar, em casa voltarei para minha casa, meu gato e minha vida.

Pra sempre, como sempre sozinha...









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