GAROTOS

 GAROTOS

Se virar, Catar, Vender e Brincar 





Há reciclagens que vivem exclusivamente de crianças. Pode não fazer do ferro velho um grande sucateiro, mas alguns vivem bem com esse estigma.

Na sucata, muita lata, vergalhão, cadeiras e carrinhos de bebê 

Muito papelão, plástico e latinha.

Não há muito dos materiais nobres como latão, bronze e cobre.


Desde bem criança, testemunhei pequenos que, sabe-se onde, apareciam com o seu material pra vender. Quase sempre o pagamento era uma mixaria, porém o suficiente para pipas e doces.


Às vezes me sentia culpada. Alguns mal vestidos e sujos, e eu limpa, bem vestida e alimentada.

Entretanto, quase sempre invejava a liberdade.

Afinal, eles viviam livres a caminhar pelas ruas, se embrenharem em matagais, lixeiras, a procura de um bem, que na minha situação daquela época era farta: dinheiro.

Se quisesse doces, bastava pedir aos meus país.

Daria todo meu conforto pela liberdade, e alegria das crianças, principalmente quando saíam saltitantes, gritando a sua alegria pela calçada.




Como já escrevi antes, em contos ou crônicas, tive pais, mãe principalmente, bem controladores, quase carcereiros. Minha gaiola de ouro era o meu quarto com bonecas.

Poucas vezes brinquei na rua. Tanto que nunca brinquei de pique bandeira, nunca joguei Ludo…


Eu senti todo esse sentimento de melancolia, quando vi minha mãe separando os materiais de alguma crianças. Quando elas partiram, ela reclamou muito do material delas, que além de tudo misturado, fedia.


Mais tarde saímos, e os ví correndo e comemorando as compras oriundas da venda.



Uma vez estávamos no parque de Nova Iguaçu, que sobrevivi até hoje. Superou o badalado Luna Park, que cobrava pra entrar e pelos brinquedos. Estávamos na barraca do milho. Havia uns garotos pedindo esmolas ou comida. Foram ignorados por todas as famílias em volta da barraca, na vez do meu pai…

_Moço, poderia me dá…HI!! Seu Miro!

Os meninos ficaram sem graça. Eram fregueses mirins do meu pai, embora o parque fosse longe do ferro velho.

Não sei se meu pai deu dinheiro.Ele sempre foi contra esmolas, ao menos, os meninos encheram a barriga com milho.






O nome do texto é garotos por eles serem a maioria esmagadora. Homens e meninos são 90% da clientela de um ferro velho. Tanto, que quando apareceram duas meninas pra vender sucata, no ferro velho cheio de homens, Alex fez questão de atendê-las na frente de todos. Ora pois! Já ficou num meio de monte de homem? Sabe o que eles conversam? Não seria legal para as pequenas ouvirem palavrões e sacanagem.



Apareceu um monte de livros infantis. Estavam baleados, porém inteiros. Tinha capa dura, finos com encadernação simples. Cheios de desenhos. Livros típicos. Improvisei uma banquinha com caixa de geladeira, os livros em cima e uma placa: Literatura infanto juvenil 3 por 1 real.

Vendi pouco, e ainda tinha marmanjo querendo negociar preço, porque queria levar só um. Não vendi quase nada, entretanto , não me arrependo. Vi uma menina linda, toda feliz, abraçando a banca (os livros), vendi seis. Praticamente a minha única venda…



Uma vez um moleque conhecido, do nada, começou a me desafiar, falar merda, me atacar. Era pequenininho, mas a maldade já havia nascido com ele. Perdi a paciência, peguei a bolsa de latinha dele e joguei no chão. Havia acabado de pesar e ia pagá-lo.

O expulsei. Ele saiu cheio de medo. Era o irmão do Jeferson. Um futuro bandido que já nessa época, aprontava das suas. Décadas depois, a criança cresceu, virou um cracudo ladrão, ( conhecido no bairro como Dodô), protegido pela mãe, e ele tentaria me matar, quando evitei um roubo no ferro velho do Alex. Duas pancadas de cano de cobre na cabeça, se não fugisse, levaria a terceira, a quarta… até cair e morrer ou acordar toda torta, sem fala… 

Tentou me matar dizendo que gostava de mim, mas não poderia impedi-lo de roubar o ferro velho.







Dois molecotes, duvido que tivessem mais de 10 ou 12 anos, apareceram com um carrinho de mão, carregando um velho condicionador de ar. Antigo, mas em bom estado. Pularam de alegria quando receberam 40 reais pela peça. Eles haviam negado a oferta de 10 reais de um “moço”, como eles disseram.



Passou uma mãe com uma criança ao lado, e uma de colo. Não seria percebido se, o menino voltasse e pedisse pelo carrinho jogado na sucata.

Obviamente que a gente deu.

O menino pediu simplesmente, na certa a mando da mãe, que se ocultou. Ela viu, e confesso que não percebermos que o carrinho jogado na montanha de ferro,ainda tinha condições.

Talvez não tivesse para a maioria das famílias. Mas para a jovem mãe, seria um alívio.

Alex abriu, deu uma batidinhas na cadeirinha e a pequena criança empurrou.



Meninos são criados desde cedo a se virarem, correrem atrás. Mesmo porque, não creio que seus pais tenham dinheiro de sobra pra bancar pipas, linhas, bolas de gude ou fichinha de jogo (comum na época). Os pais temendo pela segurança das filhas, as mantém dentro de casa, onde eram mais “úteis” nas tarefas da casa.

Daí a diferença gigante.

Machismo? Pode até ser, entretanto convenhamos, meninas são muito mais alvo do que meninos. Essa é a verdade cruel. Não precisava exagerar, como meus pais fizeram comigo, mas nunca foi bom garotas o dia inteiro na rua, entrando em qualquer lugar por aí. Embora nem ache isso tão seguro para os meninos, mas…

















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