Princesa Anne

PRINCESA ANNE










_Senhoras e Senhores! Apresento a menor girafa do mundo!

Girafinha é a maior atração do circo, superior ao saltador da morte, que salta mais alto que muitos prédios e cai ao chão sem proteção.

Maior que a cantora Lila, o ursinho Piti, o Leão Bravo, rivalizando apenas com o palhaço Bongo.

A luzes se apagam, os tambores rufam, e dois canhões de luzes rodopiam pela platéia e se encontram nas cortinas que adentram o palco.

Sai a girafa ou a Girafinha(?) Ela não tem nome.

“Devíamos montar uma eleição entre as crianças que frequentam o circo para escolher o nome. Ótima propaganda e bateríamos recorde de vendas de entrada.”

Comenta o dono e apresentador do circo com a ajudante de palco Suzam, sua esposa.

“Quantas cidades nós fizemos isso?”

“Umas seis ou nove…”

“E qual foi o nome mais votado?”

Ele responde com a boca torta…

“Girafinha”


A Girafinha adentra o palco do circo patinando, rodopiando, como uma bailarina, as crianças entram em transe surpresas, batendo palmas, os pequeninos dão pulinhos e sacodem as mãos.

Pais distraídos que conversam com a cara virada para outra pessoa, são cutucadas pelos seus filhos para prestar atenção no espetáculo.

Girafinha termina sua apresentação, uma tempestade de aplausos se inicia, ela orgulhosa, baixa a cabeça em agradecimento, porém quando levanta o seu pescoço, apenas uma criança está presente na arquibancada.

A pequena também está surpresa olha para os lados, girafinha fica imóvel, se plastifica, a lona do circo desaparece, tudo que ela vê são bonecos em sua volta, e a empregada adentrando o seu quarto, trazendo o seu prato de comida para o almoço.




Arroz, feijão, angu, carne moída e um copo de refrigerante.

A empregada resmunga, coloca seus brinquedos no lugar.

Anne logo após ao almoço, vai para escola, ela está até uniformizada, e brincar nesse intervalo de tempo é estressante para a empregada.

Anne pode se sujar e sua mãe não gosta de ver o seu quarto desarrumado, chamando sempre a atenção da doméstica.


Terminado o almoço, escova os dentes, se dirige para a garagem onde sua mãe aguarda ela e seus irmãos.

A escola não é distante, cinco minutos de carro.

O problema é que sua mãe sempre chega cedo. Muito cedo.

E a família sempre fica por até meia hora dentro do carro esperando os portões abrirem.

Lucas, o mais velho, no segundo grau, que odeia ir à escola com a mãe. Seus colegas o zoam.

Seu irmão mais novo, na classe de alfabetização, Anne está na segunda série primária.

Ela ainda tem um irmão mais velho, que trabalha com o pai e mora na casa com eles.


Na escola, nada de incomum. Aluna mediana, mas que nunca fica em recuperação. Como toda boa criança, adora o recreio.

Devora o lanche em cinco minutos e dana a correr pelo pátio, brincando de pique.

A inspetora Denise a caguetou para sua mãe. Castigo, reclamações…

Anne aprendeu a mentir.

Disse que não correria mais.

Ah Ah…!


Sua vida é entre escola-casa casa-escola. Como a maioria dos seus parentes vivem em outro estado, a família não tem muito o costume de visitar tios, então Anne não tem convivência com primos.

Tem o tio Astrogildo, mas não há crianças na sua casa, corrigindo, apartamento.

Ele mora com o “amigo” Tio Clodoaldo. São legais, brincam com ela, conversam, porém um dia, sua mãe adentrou na cozinha do cunhado, e viu algo que não gostou.

_Vocês não podem fazer isso com minha filha na casa de vocês!

Anne se aproximou da cozinha mais escutou um grito:

_Volta pra sala, garota!! - Sua mãe

Pedidos de desculpas, disse que sabiam que a menina estava entretida na sala…

Tio Clodoaldo é um ótimo cabeleireiro, sua mãe sempre fazia o cabelo com ele na sua casa.

Agora ela só vê os tios nas festas de família.

Natal, aniversário…



 

_A mãe de Anne flagrou ou beijo dos dois na cozinha_


Embora Anne não tivesse consciência, ela é uma criança privilegiada.

Sua casa era grande, tinha um quarto somente seu, cheio de brinquedos e bonecas. Seu quarto também tinha banheiro e TV.

Então, de forma ainda mais resumida, sua vida era da escola-quarto, quarto-escola.

Também tem um quintal, pelas frestas do porão via e ouvia as crianças brincarem na rua.

A gritaria…

Uma vez, ela tomou coragem. Uma menina estava encostada no seu portão e ela a convidou para sua festa de aniversário.

_Vai ser só um bolinho, pode vir.

Em meio a essa frase, apareceram outras crianças curiosas, tentando ver Anne.

E elas acenaram sorrindo.

Sete da noite. Varanda montada com mesa com bolo, guaraná, bexigas e docinhos.

Presentes, seus pais, seus irmãos e alguns amigos da família com seus filhos.

Ouve-se um grito no portão:

_EEEiINIII!

Anne correu para o portão.

_Anne, espera!

Ela ignora a mãe.

Abre o portão,

Da fresta do portão, mais cedo, ela viu a menina e uns dois garotos, ao abrir o portão, tinha uns vinte!

_Que porr…_O pai de Anne cutuca a esposa, sob os olhares dos amigos da família ela se cala contrariada.

As crianças entram entusiasmadas 

Fazem um círculo em torno dela e começam a cantar

Como pode o peixe vivo
Viver fora da água fria?
Como pode o peixe vivo
Viver fora da água fria?

Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia?
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia?

Como pode o peixe vivo
Viver fora da água fria?
Como pode o peixe vivo
Viver fora da água fria?

Logo em seguida:


Parabéns a você

Nessa data querida

Muita felicidade

Muitos anos de vida!


Os filhos dos amigos do casal se aproximam, até então entediados com TV, aguardando a montagem da mesa.

Anne surpresa e envergonhada, pois é tímida, chama todos para a varanda.

Logo em seguida, aparecem as mães das crianças e alguns pais. 

Pessoas com as quais o casal mal troca um bom dia ou um oi, quando esbarra com um deles na rua.

Algumas delas levam um presente, porém, pegas de surpresa, a maioria é prendas das suas casas como bibelôs, e Fátima deu uma calcinha ainda não usada, no pacote, que havia comprado para a filha. Os homens, cerveja.

O casal se olha,e cumprimenta os “convidados”

Enquanto os adultos se confraternizam, naquele teatro que somente os adultos são capazes, todos fingindo serem amigos de longa data, apesar de serem vizinhos de há tempo. As crianças começam a brincar, naquela gritaria típica delas.

A mãe de Anne pede licença e se afasta e corre pra cozinha desesperada. Abre a geladeira, revira o armário. Afinal seria apenas um bolo, docinhos e um parabéns pra você com hora pra terminar e acabar.

Ela não percebeu, mas algumas mulheres a seguiram.

A intuição feminina as alertaram, duas “convidadas” e uma amiga da família.

_Podemos ajudar?

_Na verdade, não. Estou surpresa. Não estávamos preparados, seria uma coisa apenas entre a família e os mais chegados.

_Foi Anne que nos convidou..

_Eu sei, olha, desculpa… Sabe como são as crianças, e…

_Olha, eu trabalho com salgadinhos, faço pra você a preço de custo, ainda trago a minha fritadeira e fico focada nos salgados, sem cobrar a minha mão de obra. Minha filha ficou muito feliz com o convite, e quando ela nos disse que podíamos vir também…

_Não se preocupe! Se quiser a gente ainda fica depois da festa pra ajudar na faxina!

_Não precisa. Eu tenho empregada.

Elas se olham, a amiga da família lhe passa um olhar de “não se ofendam, relevem”.

Uma delas:

_Eu tenho um depósito, aquele na esquina, vou trazer umas caixas de guaraná pra cá, fica como presente. Se precisarem de cerveja e outras bebidas, faço fiado pra pagar quando puderem.

_O problema não é o dinheiro.

_Eu sei. Posso usar o telefone? Vou ligar pro meu marido. Ela vai trazer o guaraná.

O irmãozinho de Anne entretém os garotos, a maioria é mais velha que ele, mas se entendem.

Anne está na sala com suas bonecas, quando sua mãe passa pelo cômodo, vê sua maquiagem sendo usada nas bonecas, se segura para não brigar com a filha ali mesmo.

Lá fora, o marido e os homens parecem mais soltos, já sociados, com lata de cerveja na mão, conversando sobre futebol e política.

Na sala entram dois convidados atrasados. Seus tios: Astrogildo e Clodoaldo, com um enorme embrulho na mão, fácil de adivinhar que é uma boneca. 

Anne corre para abraçá-los.

Cercada pelas amiguinhas, ela abre o presente, e todas comemoram.

Clodoaldo:

_Tá cheio hoje. O que você aprontou, Anne?

Anne se assusta com a pergunta. Até que uma intrometida e ingênua responde:

_A Anne convidou a gente. Não é legal?

Astrogildo:

_Muito legal! É isso mesmo!

Para Astrogildo, Anne vingou por ele, a desfeita feita pela sua irmã há alguns meses, quando deixou de fazer o cabelo com Clodoaldo e proibiu Anne de passar um dia com eles.

Clodoaldo:

_Essa festa precisa de música!! Vamos dançar! 

Ele vai para o 3 em 1 da sala, passa o dedo nos discos e escolhe um, que ele mesmo havia presenteado a cunhada no seu aniversário.

Uma coletânea Disco dos anos 70.

_Vem crianças, vamos dançar!!

Clodoaldo se solta de vez, de início as crianças estranham os trejeitos do rapaz, mas logo começam a dançar também.

Astrogildo embalado, vai junto, vê a irmã atônita, e pisca pra ela sorrindo.

Lá fora, próximo ao portão, onde estão os homens, todos olham para o pai de Anne, querendo fazer a pergunta que ninguém tem coragem, mas que no fundo a resposta é óbvia, então ele responde.

_É irmão da minha mulher.

Uma gargalhada explode.

Chega um carrinho com caixas de guaraná para a festa, o pai de Anne surpreso.

_Presente da minha mulher pra vocês.

_Mas não vejo cerveja!

_Presente não se paga, né?

_Traz a cerveja! Aceita cheque?

_Sim.

_Volta lá! Quero 10 caixas de cerveja gelada!

Depois de uma abertura com músicas Disco, o irmão mais velho de Anne toca o que bombava nessa década. Rock nacional.

Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, as crianças dançam outras dublam e algumas até cantam junto com Renato Russo.

Chegam as caixas de cerveja, de brinde, o pai de Anne ganha um garrafão de vinho Sangue de boi.

Na adega do casal, há vinhos mais caros e importados, mas agradece e fica feliz com o presente.


Tudo ia bem. Até que um menino, pergunta a Anne onde é o banheiro.

Ela o leva para um dos banheiros da casa, que é acoplado a área de serviço. Onde estão a lixeira, a cesta de roupa suja, a máquina de lavar, e um tanque de lavar roupa.

Anne como boa anfitriã, aguarda o garoto na área de serviço, aparece sua mãe, indo jogar um pouco do lixo que ela recolheu pela casa.

Ao ver sua filha, ela não se contém. 

_Você me paga, garota!! Onde já se viu?! Promover essa baderna na minha casa!

Eu mandei você convidar essas pessoas?! Me responde, garota!

A última frase, vem junto com beliscões no braço de Anne que está calada, ela continua paralisada de cabeça baixa.

_Amanhã vou te pegar de jeito, viu! Aproveita a sua festa! Porque amanhã vou te dá uma cintadas!! Seu pai vai estar com uma ressaca tão pesada, que ele não vai nem ouvir seus gritos, e não vai me impedir de te bater!! Aproveita!!

Anne sai correndo, esquecendo o coleguinha, que escutou tudo, assustado no box do banheiro.

Quando ele sente que não há mais ninguém ali, toma coragem e sai devagar, não quer que a mãe de Anne o veja e saiba que ouviu tudo.

Na varanda, se surpreende.

Anne obedeceu a mãe, e está dançando com os “convidados”. Tem até adulto no meio.

Ele vê sua mãe servindo os salgados e puxa a barra do vestido querendo falar com ela. Com a música alta, ela se abaixa para escutar o que o filho tem a dizer.

Fica chateada, e responde.

_Não faça nada agora.

_Mas eu quero ir embora.

_Vai se quiser, mas é convidado da aniversariante. Deixe que os adultos resolvam isso, e bico calado..





A mãe do menino vai até a uma das amigas da mãe de Anne:

_Você deve ser íntima da Valéria, talvez possa conversar com ela e pedir explicações pelo o que está acontecendo.

_Na verdade não. Eu e meu esposo fomos convidados por sermos um grande cliente do marido dela. Nossa empresa aluga parte da sua frota de caminhões. A Valéria é muito fechada. Mal a vejo na empresa, e até descobrir quem eu realmente era, me olhava de cima a baixo nas poucas vezes que ela aparecia lá.. Enquanto meu marido fica no escritório, eu costumo visitar a transportadora, para conferir os caminhões, fazer algum pagamento; resolver alguma emergência. Essas coisas. 

_ Tá, mas me ajuda. Não sei se o que quero fazer é certo, mas meu filho saiu apavorado do banheiro querendo ir embora.

A senhora arregala os olhos.

_Não é o que está pensando.

A mãe explica o que aconteceu.

_Não se meta. Isso é coisa de família. Não têm nada a ver com vocês. É dela. Duvido que bata na garota por causa disso. A menina é criada igual a princesa. Filhinha do papai e da mamãe.


Anne até tentou curtir a sua festa, mas murcha.

Seus tios percebem e vão falar com ela. Cai em um pranto contido, que chama a atenção de alguns adultos e crianças. 

Sua mãe aparece:

_Vai chorar agora?! É pra isso que você pediu festa?!

Astrogildo, que estava abaixado à altura do sobrinha, se levanta.

_Valéria, chega.

_Chega o quê?! A filha é minha, a casa é minha e eu estou se estressando toda pra fazer as vontades dessa garota!

A discussão já atrai a atenção do restante dos convidados.

Até dos homens que estavam mais afastados do recinto.

_Valéria, é uma vez por ano. É o dia dela!

Se aproximam algumas mulheres, iniciando o “deixa disso”.

Por enquanto os homens não se metem, mas continuam calados onde estão, ouvindo os gritos, vão deixar que as mulheres resolvam a pendenga. Alguns pais chamam seus filhos que estão prestando atenção na desavença para perto deles.

Clodoaldo que conversava com a menina se levanta e com uma voz mais forte diz,

_Você não vai bater nela amanhã!

_Eu falei que ia bater? Tá mentindo agora, Anne!

_Quem tá mentindo é você! Por que a menina ficaria toda chorosa e medrosa na sua festa de aniversário?!

_Não se mete, BICHA!

Clodoaldo explode:

_Sou bicha sim, mulher do seu irmão e seu cunhado! Sou da família!

Valéria que estava com uma bandeja cheia de copos descartáveis com guaraná, joga em cima do cunhado, seu irmão parte pra cima dela, mas as mulheres se enfiam no meio, e os homens correm em direção aos dois.

A briga parecia que ia explodir, mas Clodoaldo, banhado em guaraná começa a se sacudir, e cai sentado no chão.

Sai de sua boca uma gargalhada que não é dele.

Chamando a atenção de todos.

Astrogildo:

_Clô?

_Biga, não tia! Não biga!

Vão cumê bolo, quero guaraná!

Alguns fazem sinal da cruz, outros sem entender nada. Nem Astrogildo.

Uma das convidadas entende o que está acontecendo, e traz da cozinha guaraná e umas lascas de bolo, que sobrou na hora de montar o bolo de aniversário de Anne.

_Tia, foxê na Anne. Cosme e Damião num fai dchexar.

_Esse lance de santo, comigo não pega. Eu tenho um Deus maior, que é Jesus Cristo.

_Clodoaldo…

A mulher que serviu a entidade, segura Astrogildo.

_Você não pode tocar nele, são um casal.

É Beatriz, ela é de umbanda e está entendendo o que está acontecendo.

O erê se lambuzando com o bolo e o guaraná diz:

_Tchenta, tchia. Mar cuidchadcho pa não she arendenper!

Lembra que fochê fech promessa pas crianchas, quando queria uma menina? Fochê nunca mais dcheu dchoche pa chente. Mas Cosme e Damião não gostcha de inchusticha. A menina Anne tchem a potrechão dos ibejis.


Clodoaldo roda como se fosse desmaiar, mesmo sentado, Beatriz segura o seu torso. Quando este se levanta sozinho, não está entendendo nada.

_Clodoaldo! Desde quando você dá santo!! _ Astrogildo

_Que santo! Tá louco!

O marido de Valéria:

_Acabou, Voltamos pra festa! Anne, para de chorar. Se não parar eu vou mandar todo mundo embora. Eu quero te ver feliz no seu aniversário.

Ela corre pra abraçar o pai e pede desculpa.

_Não tem que se desculpar. Sua mãe falou de brincadeira. Ela não vai te bater nem hoje e nem amanhã. a não ser que volte a chorar.

_Tá.

_O que aconteceu! Alguém me explica!

Clodoaldo é levado para o quarto do mais velho para trocar de roupa. Os manequins são parecidos.

Um menino pentelho responde:

_Tio, você deu santo!




_Que santo! A única coisa que dou é o meu ra… Astrogildo faz um “xiii” com o dedo indicador na boca do companheiro.:

_Clodoaldo, é uma festa de criança!

_Vamos, tio. Tenho umas roupas pra você. Quer tomar um banho antes?

Todos se afastam, menos o casal anfitrião, o marido joga um olhar fulminante na esposa que se dirige à cozinha. Ainda nervosa com tudo, talvez para se distrair, ela joga um monte de salgadinhos de qualquer maneira no óleo quente da fritadeira.

O óleo jorra pra fora, com boa parte dele caindo em uma das mãos de Valéria. Aparece Bernadete, a salgadeira.

_Meu Deus! Não disse que cuidaria disso! Você não está acostumada!

Valéria segura o grito de dor, enquanto Bernadete leva a mão queimada de Valéria pra debaixo da torneira da pia.

_Ai ai… tem uma pomada no armário, é pra isso mesmo. 

A salgadeira ainda pega esparadrapo e gaze. Valéria não diz, mas queimou justamente a mão que segura o cinto, nas surras que dá nos filhos.


O resto da festa transcorre bem.

Chega a hora do parabéns, e no final, todos vão embora se despedindo, sem forçar a barra.

Na despedida das convidadas:

_Vá descansar, amanhã eu e Elisa voltaremos pra te ajudar na faxina de manhã. Com ou sem empregada. Não faça nada até a gente aparecer.

_Obrigada, mas não…

_Para, Valéria! Somos vizinhas. A gente tem que se ajudar.



A vida de Anne voltou ao normal.

Anne nunca soube disso, mas no ano seguinte, seus amiguinhos montaram uma festa surpresa para ela. Foram com bolo, guaraná e doces da venda do seu Asdrubal. Sua mãe não permitiu que eles entrassem e mandou as crianças embora.


Embora seus amiguinhos ainda aparecessem no seu portão para chamá-la para brincar, sua mãe não permitia.

Uma vez, sem a presença dos pais e somente com o seu irmão mais novo em casa, ela abriu o portão para eles entrarem e brincar no quintal.

Quando seus pais chegaram, sua mãe aos gritos expulsou todas as crianças.

Depois desse acontecimento, nenhuma criança ousou a se aproximar do portão da casa de Anne.

Suas mães e pais passaram a ignorar os vizinhos.

No fundo era isso que a família queria.

O pai de Anne achava um erro ter investido tanto numa casa, em um bairro que não condiz com as condições financeiras deles.

O casal estava pensando em vendê-las e se mudarem para um condomínio em área mais nobre. Até pela segurança da família.


Uma vez um candidato a deputado, amigo de seu pai, foi visitar a família. Levou três de seus filhos: Jaqueline, Joelma e Jakson.

A visita foi rápida, mas as crianças se entreteram tanto, que eles convenceram Anne a passar o resto do dia na casa deles.

Anne foi junto com os novos amigos pedir aos seus pais.

O pai de Anne, talvez pra não contrariar o amigo e possível deputado, permite. Sob as bençãos do consentimento de sua mãe.


Eles moravam num morro, porém todo asfaltado.

Como não passava carro, brincaram, correram toda tarde.

Anne nunca sentiu tanta alegria..

Viu crianças pulando de um topo, de uma altura enorme, para cair num barranco de barro fofo.

Levou bolada de queimada, foi goleira de futebol. Se embreou por todos os cantos do morro. Brincaram de pique-esconde.

Sete horas seus pais chegaram para buscá-la.

Adultos conversam amenidades e se despedem, tudo em menos de cinco minutos.

No carro, do banco de trás, Anne deu tchau para seus novos amigos, até eles sumirem de vista, nas curvas de tantas ruas que cortava o morro.

Seus pais conversam coisas de adultos, até que sua mãe vira o pescoço pra trás em direção a filha e avisa de forma bem séria.

_Não gostei, não! Ouviu Anne.

Anne ainda era criança, sua idade mal ganhara dois dígitos, porém, entendeu bem o recado da sua mãe.

Ela nunca mais teria um dia igual àquele, assim como nunca mais teve um aniversário como o de alguns anos atrás.

Anne cresceu no seu castelo de princesa, triste na sua torre, voltando para o seu mundo de bonecas e brinquedos pelo resto da sua infância e adolescência.

Entretanto, levou para a vida adulta as lembranças do dia mais feliz da sua vida. O dia em que ela conheceu a liberdade, lutou muito para conquistá-la na sua vida adulta.

Seu pai morreu, Anne já morava sozinha e tinha emprego. Seus irmãos tocam a empresa e ela ganha a sua parte.

Numa reunião entre os irmãos, sobre o que fazer com a mãe, que estava começando a caducar, a votação foi unânime.

Valéria agora é órfão de filhos vivos, passa o resto dos seus dias em um “orfanato de velhinhos”.

Só quem a visita é o seu cunhado gay, viúvo de seu irmão...





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