BURCOSKA SOLTA O VERBO II


Damiana

A Virgem de 36 Anos





Nessa vida morta que tive, conheci pessoas parecidas comigo, porém, diferente de mim, encontraram suas tampas de panelas. Embora não tenha sido nada fácil.

Damiana e eu somos da mesma geração.

Sem conversas sobre sexo com a mãe. Pai repressor, filhos vigilantes, famíla que sempre a cobrava pelos namoradinhos nas reuniões, porém, ao mesmo tempo que criava todos os empecilhos para iniciar ou ter um relacionamento ou namorico qualquer.


Ela dizia que seis horas da noite devia ficar trancafiada em casa, dentro do quarto.

Seu quarto possuía banheiro ,TV e videocassete. Às oito da noite saía pra jantar, inquirições básicas do pai e da mãe sobre a escola. Um elogio pelas notas e uma reclamação básica principalmente da mãe.


“Não gosto das suas amigas de colégio.”

“Te viram na lanchonete da rua da escola, rodeada de meninos.”

Ela e os irmãos estudavam na mesma escola…


O pai de Damiana era o pai antigo, a geração que mais criou filhas infelizes no casamento.

Bem sucedido, não negava nada material à filha.

Sua voz, mesmo serena, era assustadora.  Era comum seus gritos dentro de casa, com sua mãe principalmente.

A mãe de Damiana era perfeita mãe e dona de casa. Obediente e fiel, porém, quando acusada de algo injusto, encarava o marido e sua voz de trovão.

Nunca houve violência física. Aparelhos destruídos e chutes na porta sim.

Damiana não entendia, como uma mulher que nunca saía de casa, a não ser acompanhada do cônjuge, que recebia poucas visitas, ainda poderia fomentar ciúmes e as mais mirabolantes “traições” na cabeça do seu pai.




Mas um dia, Damiana se arriscou.

_ Quero fazer arquitetura no interior do Rio de Janeiro…

Seu pai arregalou os olhos, perguntou por quê…

Ela alegou que a concorrência nessas universidades são mais baixas, e que não gostaria de ser reprovada em mais um vestibular.

_Eu posso pagar uma particular.

_Vai gastar muito, muito dinheiro em um ensino de baixa qualidade.


Nesse dia aconteceu um milagre. O pai concordou. Apenas exigiu que ela tentasse vestibular nas universidades da capital novamente e em uma particular de renome, por precaução.


Livrou-se da marcação cerrada da família, e ainda pôde viver numa cidade pacata e diferente com uma farta mesada do pai, até se formar.


_Foi aí que perdeu a virgindade, finalmente?

_Não.

_?

_ Eu sei o que está pensando: as festas, as bebedeiras, os acampamentos no mato com o namorado…

_ Então…

_Eu quase pensei, quase cedi a tentação. Mas você sabe do estigma de uma mulher descabaçada, o peso para nossa geração.

E eu testemunhei muitas histórias horríveis.

Não tínhamos a internet, mas tinha o pior de tudo: a palavra de um homem.

Várias garotas de família, ludibriadas no conto do príncipe, tiveram a sua reputação na lama, no dia seguinte após a perda da virgindade.

Eu não queria isso pra mim.


Já formada, trabalhando, morando num apartamento que meu pai me deu de presente, mas que fiz questão de ajudá-lo no pagamento das prestações, eu conheci um cara.

Eram os meus 25 anos.

_Virgem?!

_ Sim.

Começava a crer que ficaria pra titia, e que de um jeito ou de outro era mais que a hora de transar com alguém.

_Damiana, a nossa geração transava com 16 anos ou quando noiva.

_Eu sei. Mas tente relembrar quantas infelizes você conheceu ao longo da vida.

_ Nem tanto, embora eu conhecesse muitas “conformadas”.

_ Eu queria mais que isso.

_ Entendo. Fala do cara.

Bem, ele era mais velho. Bem mais velho.

_Caramba, Damiana! Procurava um homem igual ao teu pai?!

_Não sei. Talvez…

_ Linda, independente… A procura de velhos corocas!

Ela solta uma risada leve.

_ Olha tudo parecia ir bem. Embora ele não soubesse ainda tudo de mim.

_No meu carro, levando ele pra casa…

_O velho ainda era pobre!! _ Minha surpresa, fez aumentar o meu tom de voz, lhe causando uma gargalhada mais forte que a anterior. Não vi surpresa em sua reação, apenas achou engraçado. Eu não era a primeira pessoa a saber desse rolo com o velho. Então ela se mostrou acostumada com a minha reação.

Ainda dominada pela minha reação, ela retoma a narração mais solta.

_ Estávamos no meu carro, a caminho da casa dele. O velho ainda morava com a mãe…

_ Putz!!

_Muito velhinha, eu a conheci, apesar de bem idosa, ainda lúcida e saudável. Ele tinha irmãos, mas somente ele morava com ela. Seria uma boa sogra.

_Claro! Não iria durar muito!!

Ela retoma a risada e diz:

_ Para! Deixa eu contar a história!

_Tá! Continua! Tá ficando bom! 

_ Tínhamos amigos em comum, e do nada, ele afirmou, praticamente me acusou sem dúvida de nada. Estranho que havíamos tido um bom encontro. Eu realmente não sei o que deu nele…

“Viram você entrando num Mothel, numa caminhonete com um homem e mais 3 mulheres!”

Arregalei os olhos.

_ Burka, eu era virgem, mas ele ainda não sabia.

Na hora fiquei sem reação, continuei a dirigir atônita, enquanto ele descrevia o carro, as mulheres, o cara, o mothel e até o horário.

Acho que fiz o pior, quando consegui falar alguma coisa;

“Quem te contou? Que história maluca é essa!

Isso lhe deu mais gasolina. Começou a me acusar a cobrar.

Puta indaguei: “Se fiz tudo isso, porque estamos aqui?

Ele ficou sem resposta. Calou-se, mas estávamos a metros do portão da sua casa.

Desceu batendo a porta do carro, sem falar mais nada.

_ Ele queria terminar contigo?

Não (...). No dia seguinte, trabalhávamos na mesma rua, apareceu para o nosso almoço, que sempre era eu que pagava, pois gostava de um restaurante mais caro, como se nada tivesse acontecido.

Apenas o ignorei.

O ignorei, ignorei, ignorei… e ele sempre com aquela cara de sem entender nada.

Uma vez me perguntaram o que havia acontecido, falei.

Esse meu amigo, também era amigo dele. quando se viram, ele deu um soco na sua cara.

“Damiana é virgem, idiota! Ela é amiga da minha esposa e frequentam o mesmo ginecologista! Imbecil!! Aprende a respeitar as damas!!!”

Quando soube fiquei com tanta vergonha. Foi na frente de muita gente, e minha virgindade não era uma coisa pública.

_ Caramba, Damiana. Houve um depois?

_Com ele e eu nada. De resto, risinho das mulheres e admiração e desejo por parte dos homens do escritório, pra não dizer do prédio.

Perdi o controle:

_ KKKKKKK! _Engoli o meu riso e disse em seguida, me esforçando muito_ Desculpa…

_Tá tudo bem.

_ Mas da onde esse cara ouviu essa história.

_ Ele não ouviu. Ele inventou.

Nunca soube de homens que simplesmente inventam traições, para culpar suas companheiras e as deixarem inseguras nos relacionamentos, para assim ter maior controle?

  • É o que mais tem, miga.

_ Livrei-me de um encosto.

_ Legal, mesmo virgem, estava cascuda em matéria de relacionamentos. Quem te descabaçou?

_ Meu marido. Eu casei virgem.




Foi quando eu, imediatamente, coloquei as mãos sobre a minha boca, depois com grande esforço, segurei seja lá o que iria sair dela, mas em seguida, bati de forma rápida com os punhos fechados na mesa do restaurante em que estávamos.

Não era o momento de rir, de fazer piada ou seja lá o que for.

Eu fui ao seu casamento, embora como convidada da convidada de uma conhecida do seu marido; levei um bom presente e fui apresentada aos noivos, que estavam impecáveis. Foi uma belíssima festa. Por respeito, não transei com ninguém no banheiro da casa de festas ou no meu carro.

Como boa festa de família, um parente bêbado começou a querer arranjar encrenca, mas foi posto imediatamente no seu lugar.

Ali nasceu uma bonita amizade entre eu e eles.


Ela continuou sorrindo, indiferente a mim.

_Conheci o Gerônimo com 32 anos, e me casei com 36!

_Quatro anos no osso!?

_ Eu chego lá. Se controla e escuta.

Sacudi de leve o corpo, respirei fundo, e sorri para ela com muito mais atenção. Queria saber o começo dessa bonita história de amor.


_O Gerônimo estava em processo de divórcio, quando me abri com ele, sabe, a sua reação foi a pior possível.

Disse que não queria relacionamentos sérios naquele momento, queria sexo, curtir o tempo perdido com a ex e terminamos. Me desejando de forma desacreditada, mais sorte em encontrar o príncipe que não seria ele.

_Nossa…

_ Reapareceu um mês depois. Se desculpando, pedindo pra voltar. Ele nunca conheceu uma virgem. Sabe, sua esposa não era…

_ Sei… Mas antes?

_Nunca namorou o suficiente pra descabaçar uma. As moças de família sempre o davam um pé na bunda.

Disse-lhe que não estava desesperada, que mesmo se retornássemos o nosso namoro, talvez não fosse ele o meu primeiro.

Ele aceitou. 

_ Que lindo.

Mas… Por que quatro anos?

_Divórcio complicado, o filho mais velho dele se envolvendo com pessoas erradas, e ele perdeu muito financeiramente nessa separação.

_ Ahh… normal. Infelizmente.

_ Todavia, com um ano de namoro fui apresentada a sua família. Me dei bem com todas as crianças. O mais velho me deu muita dor de cabeça, e sempre que ele soltava um “Você não é minha mãe” sempre lhe respondia que meu amor pelo pai dele e por ele, me fazia responsável por todos.  

Com 20 anos ele já havia tomado juízo e Gerônimo resolveu ceder a sua casa para ele se casar.

A segunda filha na faculdade e ele comprou uma casa para morar com os dois mais novos.

_Era o momento de morarmos juntos, mas disse que queria casar antes. Cartório, igreja e celebração.

_Eu lembro. Festa maravilhosa, e até hoje o casal mais lindo que conheci. Havia uma luz em vocês.

Damiana sorrir e solta um…

_Penetra!

_ Não! Não era não. Eu era convidada da amiga da vizinha da amiga do seu marido!

Ela começa a gargalhar e me afana passando uma de suas mãos em meu braço.

E continua:

_ Adorei o presente, penetra. 

_Eu amei as lembrancinhas, ainda tenho uma guardada.

Mas, ainda… Gesticulo com as minhas mãos a minha curiosidade.

Damiana faz aquele sorriso de safadinha que poucos conheceram.

_ Pau nas coxas, masturbação mútua e… eu sempre o chupei muito bem.

Nunca saiu insatisfeito de um mothel ou qualquer quarto onde estivéssemos.

Quando a gente estava em algum mothel, porque a gente curtia esses lances, e ainda frequentamos. ele ligava no canal pornô e dizia:

“Na lua de mel eu quero isso, isso também…!

Morrendo de vergonha eu riiia!

_Fez?



_Claro! Tirar o meu e o atraso dele, né amiga?.

Foi quando eu fiz, depois de tanto controle, a minha pergunta imbecil:

_ Nesses quatro anos, ele nunca apareceu com a desculpa dos meninos, de quando a gente namorava de: “É somente sexo que tenho com ela, afinal o homem tem suas necessidade.”

Me arrependi logo em seguida, mas Damiana não se abalou.

_ Não chegou a esse ponto, mas sempre que aparecia uma “Engraçadinha” - lembrando a personagem de Nelson Rodrigues - eu tomava a frente e deixava bem claro pra biscate que aquele homem tinha dono. Depois eu lhe passava um sabão, quando não fazia uma greve de… sexo? 

_Acho que sim. Pode não ter havido coito, mas uma brincadeira rolava… 

Sem a minha autocensura…

_Nunca rolou um: “Desculpe, errei o buraco!” Ele nunca tentou?

_ Ahhh… De vez em quando fazia o seu papel de homem, dava um empurrãozinho pra trás e explicava que estava convicta da minha decisão.

Isso o deixava ainda mais louco por mim.


O resto da conversa foram amenidades. Manicure, novos cremes de beleza, academia, crianças, ela teve um casal de gêmeos, Hoje pré-adolescente, mas parece que não darão problemas.

Gerônimo chegou pra buscar a esposa. Conversamos um pouco e nos despedimos. Num abraço triplo. Eu sou amiga do casal.


Ao vê-los partir pensei:

Damiana seguiu todas as regras impostas a minha geração, mesmo chegando em uma idade que não precisaria mais seguir, mesmo chegando em tempos que a virgindade tornou-se algo vergonhoso para as meninas.

E deu tudo certo, conforme prometiam nossas mães em seus conselhos.


Damiana foi a exceção.







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