Amanda
AMANDA
“Às Vezes eu pensava
que era filha de alguma amante do meu pai.”
“Filho de urubu nasce
branco.”
"Você é piranha?
Sou sim, saio com os homens das outras!"
Amanda não gostava do seu sobrenome. Sempre respondia quando lhe perguntavam "Amanda Pavone", e se apresentava como realmente nossa irmã.
Algumas frases que
ouvi da boca da Amanda, há outras bem mais pesadas, ofensivas, horrendas, mas
preferi não escrever nesse epitáfio.
Epitáfio
Epitáfio, pois Amanda
morreu.
Fazia uns dois anos
que não a via. Nos vimos pela última vez no início da pandemia. Batemos um papo
ameno.
Estava trabalhando na
Fundação Oswaldo Cruz há quase uma década, chutou a bunda do negão que metia o
cacete nela, quando eu perguntei por ele.
Celebrava estar
sozinha, que pela primeira vez tinha um cartão de crédito de 5000 reais, que em
menos de uma década, ela se aposentaria.
Amanda foi testemunha
da minha infância, testemunha. Apesar de termos a mesma idade, ela não fazia
parte da turma das meninas com as quais minha mãe permitia que eu brincasse.
Dona Aparecida não
gostava das filhas da divorciada Luzia.
Se eu fui criada na
maior hipocrisia de um patriarcado, em um calabouço dentro de um castelo de
cartas erguidos sobre pesada repressão e conservadorismo, Amanda cresceu de
forma completamente antagônica.
Sua mãe se separou,
mesmo com quatro filhas pequenas, e todas viveram com padrastos problemáticos.
Luzia não vivia
sozinha.
Em poucos anos
depois, ela mudou-se pra Muriaé e largou as filhas no Rio de Janeiro.
Viúva, vinha ao Rio
receber a pensão, pagava o aluguel das filhas, fazia algumas compras e voltava
para Minas Gerais.
Ainda na minha
infância, elas se mudaram, e só voltei a ver Amanda com uma barriga enorme de
grávida.
Com a criança ainda
em gestação, ela não escondia que queria doar a menina para adoção.
Pessoas boas se
destacam.
Pessoas ruins ainda
mais.
Amanda era como todo
mundo.
Uma pessoa ruim,
perversa, invejosa, insegura, com uma baixíssima autoestima que ela tentava
esconder via shortinhos fio dental que ela usava e blusa decotada. Além de
gostar muito de dançar no portão, ouvindo walkman e depois radinho com fone.
Eu conheci todas as
camadas horríveis da Amanda.
Depois de muito
sofrimento, pancadaria e choro, talvez você pudesse finalmente enxergar algo de
bom no miolo da cebola que podia lhe fazer chorar sangue.
Ainda assim, ela
sofreu ao doar a sua filha. Sabia que a sua vida instável, e ao ver os percalços
da Ariana, sua sobrinha, passou na
primeira infância com a instabilidade da vida da Paula. Sua doação foi um ato
de amor.
Ao menos entregou
para o bem-sucedido tio Luizinho, irmão da sua mãe.
Voltamos a nos
encontrar quando nos tornamos órfãos.
Ela e suas irmãs, eu
e meus irmãos, não tínhamos mais nem pai e nem mãe.
Nesse tempo, elas
estavam morando com meu irmão Almir.
Meu pai falindo, a
fonte secou, e os três foram morar em Jaceruba, onde Alex montou um ferro-velho
que não deu certo com um cara amigo do seu cunhado na época, o Fininho. Alex,
via pedido da esposa, sustentava essa trupe e as enteadas.
Pouco antes do meu
pai morrer, com o fim da sociedade, ele voltou a morar com meu pai, e a trupe
veio junto. Alex tomou a frente dos negócios, pois com meu pai, ninguém queria
fazer negócio.
Lembro do Censo de
2000, quando explicamos a nossa situação para o recenseador.
Nossos pais morreram
e a gente resolveu morar juntos. Vivemos como irmãos.
_Se você quiser, eu
coloco elas pra fora agora. Você realmente quer elas morando aqui?
Disse que sim.
Acreditei que poderíamos
viver como família.
Deu tudo errado.
Elas eram e sempre
foram irmãs do Almir.
_Adriana, eu acho que
o Almir vai enterrar a gente.
_Que bom! Você vai
trocar as fraudas dele? Eu não vou. Deixa isso pra Paula e pra Amanda. A única
família que ele diz que tem.
_Olhando por esse
lado, até que é bom.
Agora, para o Almir,
sobrou apenas a Paula.
“Cara, eu vi o Almir revirando
lixo na rua! O Alex esqueceu os irmãos dele!
Respirei fundo, o
rapaz não sabia nem a milésima parte de 0% da história, fiz um pequeno resumo
pra ele.
Depois, fui zoar o
Alex:
_Alex, você virou o
vilão da família.
_Ué, por quê?
Contei rindo muito, e
ele cada vez mais puto, a cada parágrafo.
Amanda que sempre me
perseguiu, falava sempre coisas horríveis com a maior naturalidade, eu sempre
dava as costas e deixava ela falando sozinha, e que nunca levava desaforo pra
casa, seja homem ou mulher, quando o assunto era Marinho a coisa era diferente.
_Bom dia minha
piranha, dormiu bem?
Ela não rugia, miava
pra esse cara.
Quando soube que ele
falou umas merdas com o meu nome, eu falei umas verdades para ele.
Ele continuou
frequentando a minha casa, por ser amigo delas, porém nunca me importei. Apenas
não dirigia minha palavra a ele.
E quando Paula me
chamou:
_Adriana, Marinho
quer falar contigo. – Ela sabia da minha treta com o asqueroso, fui a
contragosto, era difícil negar algo a Paula.
Foi o Marinho que me
apresentou o advogado da quadrilha dele.
Foi esse advogado que
abriu os meus olhos, pois o que a minha prima me arrumou, foi um merda.
Foi um momento bem
tenso da minha vida.
Contei (acho) essa
história no outro blog. Onde tive que aturar policiais civis cheirando cocaína
em cima da minha laje, e meus irmãos presos num flagrante que nunca existiu.
Quando esse primeiro
advogado de merda, um tal de “Doutor Telso” mandou escolher um dos meus irmão,
pois um teria que ficar como garantia do pagamento, não pensei duas vezes,
falei na hora.
“O Alex”
Elas gritaram comigo logo em seguida. Entretanto a minha escolha foi pragmática, o Alex seria o contato com
os tubarões da sucata para arrecadar o dinheiro.
No dia seguinte
voltaram a reclamar comigo. Dessa vez o Esperto, um amigo em comum me defendeu
diante da papagaiada.
_Para de chamar a
garota de babaca. Ela fez o que tinha de fazer. Olha a situação de vocês! Que
moral tem pra criticar a menina!
Amanda saiu correndo
e Andrea, outra irmã delas, depois veio se desculpar.
E quando, seguindo os
conselhos do advogado, mandei sustar o cheque, pois a causa era ganha, e não
havia flagrante de nada. Eles reapareceram no ferro-velho, empunhando suas
metralhadoras, engatilhando suas pistolas pensei: Já estão sabendo do cheque.
Vão matar a gente!
Vieram entregar ao
Alex de forma educada a intimação para ele depor....
Nesses tempos, eu
fazia exercício e não fumava, hoje, tenho a certeza que meu coração não
aguentaria.
Amanda foi a amiga(?)
com quem briguei, troquei porradas, ficamos meses sem nos falar. Porém,
diferente das outras inimizades, ela ficou quieta comigo. No começo, agiu como
agia com todo mundo. Jogava piada, cantarolava indiretas e depois parou.
Perguntou a Paula se
havia uma chance de nos reaproximarmos:
_Amanda, quando a
Adriana sonha contigo, ela sonha que está te matando. _ E era verdade.
Não lembro quando ou
como, mas voltamos a nos falar.
Seria isso uma
amizade verdadeira?
Não. Minha amiga ela
nunca foi, tão pouco minha irmã, e ela não escondia de ninguém.
_Adriana, enquanto
você entrava no quintal, Amanda atrás de você fazia caretas pra tu, pelas suas
costas.
Foram elas que me
carregaram no enterro do meu pai. Apesar de tudo, fomos parceiras por um
momento da vida.
Ela fez parte da
minha história.
Quando chegar a minha
vez, tenho certeza que não iremos nos rever no inferno.
Ela teve uma morte
tranquila.
Acamada, morreu quase
que dormindo.
Isso me dá a certeza
que Deus a perdoou.
E o perdão dele é o
bastante.
Quanto a mim, resta
saber se terei uma morte dolorida e sofrida como a da minha mãe ou uma morte
violenta como tantos nesse Brasil ou pior ainda, antes de morrer, vegetar por
anos numa cama inválida.
Não dizem que os bons
morrem cedo?
Amanda inspirou alguns personagens em contos publicados aqui👇
Protagonista com um final feliz, totalmente inspirado nela. O tarado da eletrônica também existiu
Um texto que conta um pouco dos meus tempos de porraloka, quando andávamos juntas
Buscando uma música para homenagear... Tá minha amiga, admito, eu senti a sua morte, sem despedidas ou festas. Amanda curtia um pagode, mas essa do Luiz melodia é a que melhor define.
Passei poucas e boas, principalmente por causa do seu ciúme doentio, eu fui vítima dele. Sempre que estava namorando alguém, ela criava uma inimiga do nada. Poderia ser amiga, irmã, qualquer coisa.
Xingava a pessoa, perseguia, e se não abrisse os olhos, ela podia até te enfiar uma faca, mesmo a vítima não sabendo de nada.
Não vou chorar pela Amanda, ela também não se importaria com isso.
Tenho crises de ansiedade horrendas com choros descontrolados e doloridos.
Contudo, eu senti a sua morte. Ela não merecia morrer no seu auge, na sua até onde sei, felicidade plena.
Talvez daqui a alguns dias a máscara caia.
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