AS HORAS SEGUINTES




 

_Adriana, como foi?

Perguntou-me Solimar. Afinal o meu encontro acabou virando assunto da escola. Eu tinha um admirador secreto (?), que independente da minha vontade, na verdade eu não acreditei no bilhete, virou tema na escola. Graças as garotas que mesmo eu dizendo que aquilo parecia trote, insistiram que não.

Ainda estava sob o barulho das gargalhadas.

Solimar, talvez achasse que aquela quizumba na porta da escola fosse outra coisa. Senti um interesse genuíno na sua pergunta.

_É tudo trote. Não existe Robinho. Mas eu já sabia.

Dei as costas e me apressei para sair dali. Sem olhar pra trás.

Seu rosto surpreso, parecia não acreditar no que eu dizia. Ao menos dela tive essa impressão. Mas não posso dá certeza de nada.

Fui para o ponto sem olhar pra trás. Havia meninas da minha sala. Garotas que não deram muita bola para o que aconteceu comigo durante a semana, e tão pouco no que aconteceu minutos atrás.

Acho que queria conversar. Ela nada perguntou e quando comecei a falar, ela iniciou um papo de ônibus demorar. Achei que era sobre mim. Continuei a falar.

 


Nesse dia também, eu teria o meu primeiro trabalho.

Eu venderia Natura.

A casa da mulher ficava em Caxias, próxima a faculdade de odontologia.

Muito longe. Longe mesmo! Em tempos sem GPS, eu realmente me pergunto como achava esses endereços.

No ônibus eu imaginava como voltaria à escola no dia seguinte.

Eu rindo, fazendo piada da situação.

Como eu compraria briga com uma escola inteira?

Por algumas horas, segui o roteiro do dia.

Esqueci o assunto. Teria que procurar o endereço da promotora. E foi fácil. Robótico, automático.

Foi uma visita até demorada.

Reclamava que a filha pré adolescente não comia. Falou sobre a Natura.

 

1991

A década de 90, o início dela foi um pesadelo. Em 1990, passei por um problema parecido que me fez sair da escola e perder o ano.

Na volta foi quando o meu corpo desabou. Não chorei. Chorar em público não é bom, embora eu tenha sentado nos fundos do ônibus vazio. Não sabia se seguraria.

Tudo voltou a minha cabeça. O bilhete, a força que as garotas me deram, os “recados” que elas me passavam, o encontro a descoberta do trote.

 

_Você não é o Robinho?

 

Nos encontramos no pátio da escola, na hora da saída.

 Saímos de braços dados.

Achava que ele me acompanharia até o ponto, pelo menos, ele disse que sua casa era do outro lado e que seu nome era Antônio.

Até a explosão de risadas de toda escola, as pessoas ao meu lado, engasgavam, “explodiam” sob a pressão de segurar um riso. Curvavam o corpo, tropeçavam em si mesmos, tudo para não rir antes do tempo. Do gran finale.

 


Cheguei em casa. Tomei banho deitei e chorei.

Chorei a tarde,  noite, por toda manhã do dia seguinte, encolhida no colchão.

E concluí que não tinha cara pra voltar a essa escola.

Perderia mais um ano por causa de bulyn.

E perdi.

Meu segundo grau foi tão conturbado, que até pouco tempo atrás eu sonhava de forma realística, que nunca havia o concluído. Sonho que estou estudando...

Teve vezes que procurei o meu diploma para conferir a realidade em que estava ao acordar.

Não fiz o curso que queria, para não perder o ano, me matriculei numa escola cujo curso era péssimo.

Tentei vestibular por três anos seguidos. Não passei.

A vida me levou por outros caminhos.

Me moldou sob o molde do medo da desconfiança e do trauma.

Não me curei.

Eu perdi.

Eles venceram.

 

Como estão hoje?

Sem culpa, não devem nem se lembrar o estrago que fizeram na minha vida e em minha mente.

Felizes, constituíram família, carreira.

Como sei?

A vida sempre foi farta, confortante com quem me sacaneou ou fez algum mal, mesmo que extremo. Acredite.

Pode me bater, tacar pedra. Não acumulará carmas! Terá seus sonhos realizados. Fique tranquilo.



 

Quanto a Natura...

Ela nessa época era uma empresa muito mais cara, e não dava nenhum material de apoio. Recebi apenas a tabela e um folheto sobre um produto, mais nada. Se quisesse a revista da campanha, teria que comprar.

Alex agiu como todo irmão agiria ao saber do meu empreendimento e até entusiasmo na minha empreitada.

Ti jogar pra baixo, implicar, tira suas esperanças pra tudo.

Contudo ele estava certo.

Como conseguiria vender caríssimos produtos de beleza em meio ao confisco do Collor, desencadeando a maior crise econômica da história?

Fabricas falindo, entrando em concordata, classe média alta dormindo há uma semana na porta de escola pública para matricular seus filhos, demissões, suicídios.

Havia produto mais caro que o salário mínimo!

Comuniquei ao meu pai que não estudaria mais na escola. Na primeira semana, diante da família agi normalmente. Eles sabiam que havia acontecido algo, mas não sabia o que, tão pouco a gravidade.

Ninguém sabia.

Chorei por meses.

Somente me abri com algumas pessoas, mais de um ano depois.

E depois que narrei, tremia, o peito doía. Segurei o choro. Chega. Passou.

Ficou uma cicatriz gigante, horrorosa, com sequelas e ela ainda sangra.


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Momento constrangedor, que hoje, acho graça

As desgraças começaram cedo. Carma?

Chega de "a vida horrível como ela é". Vamos de conto fantástico?




Conhece?



 

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