O DEMÔNIO QUE RI




 

Ela sempre sorria

Cantos dos lábios em cada lado da face

Sorriso tímido

Às vezes uma boa gargalhada.

Riso deboche

Riso vitória

Riso vergonha

Sorriso derrota

Rindo chorando...

Sua alegria(?), às vezes irritava.

Nunca séria ficava.

_Para com isso! Não é momento pra tal!

_Tá rindo de que, mulher?

Como se quisesse controlar os lábios, com bastante força, ela dizia:

_Desculpe, mas eu não posso...

_Não pode ficar triste?! Por acaso estou te pedindo isso? Eu apenas quero respeito! É o mínimo exigido aqui!

Foi expulsa de vários velórios por causa disso. Às vezes de forma educada, quando a família do morto sabia de sua condição, porém na maioria das vezes, aos gritos.

Partia enxugando as lágrimas, porém rindo.

Sua vida era difícil, vizinhos que viravam a cara pra ela, alta rotatividade em empregos...

Havia um paradoxo na sua vida. Tatiana era querida pelas crianças, principalmente pelas crianças cruéis.

Umas xingavam, outras espetavam coisas nela, as mais abusadas a beliscavam e saiam correndo.

_Ai! Filho da puta! Isso dói!

E uma gargalhada descontrolada em seguida.

Ela saía do portão de casa, e um mundarél de crianças a rodeava e a seguia, até ela pegar o ônibus.



 

Infelizmente, não se deve duvidar da maldade de ninguém, nem das crianças (principalmente).

Seu gato amanheceu morto no portão da sua casa, e quando ela pegou o seu gato, seu companheiro de quase dez anos, que resgatou ainda na fase de mamar no peito da mãe, sentiu os ossos do Tico moídos, galos... Mataram seu gato à pancadas.

Não havia uma criança a sua espera para zombar, lhe machucar.

Apenas dois moleques, sentados no bar em frente a sua casa, olhando fixamente para ela.

Um deles disse para o que estava ao seu lado:

_Será que ela vai parar de rir?

_Presta atenção na boca dela, tá mais esticada que nunca!

_Que droga! Uma hora dando pancadas no gato pra nada!!

Tatiana, por leitura labial “escutou toda a conversa”.

Os meninos nem disfarçavam.

Coração dispara, o corpo treme, o estômago gelado, um dolorido nó na garganta.

Seus lábios criam câimbras pelo esforço dela continuar sorrindo.

Vem uma lágrima, duas... A terceira é imensamente dolorosa.

Tatiana cai de joelhos e desaba.

Os meninos, chamando atenção dos presentes no bar, explodem em gargalhadas. O riso da vitória, da zombaria, do desrespeito.

Tatiana tenta entrar, mas tá tão descontrolada no seu choro que não consegue colocar a chave na fechadura e ainda deixa cair. Então ela corre.

Os moleques, continuam a gargalhar, porém, entre os risos, eles conseguem fôlego pra zombar da dor de Tatiana.

Que cai metros adiante.

Quando ela cai, os meninos caem juntos.

Tatiana parece ter perdido os sentidos.

Da sua boca, sai uma nuvem fedorenta, sua face, mesmo inconsciente possui um semblante triste.

A nuvem, colorida começa a se materializar em uma forma conhecida e adorada por muitos: um palhaço.



A diferença é que a sua enorme boca pintada é invertida, como a de uma boca triste e abaixo de um dos olhos, uma lágrima pintada de um azul brilhante.

Ele atravessa a rua e se dirige ao bar.

Todo mundo corre, o balconista se abaixa e começa a rezar, os meninos, caíram no chão porque quando se gargalha tanto, você perde a força nas pernas, e a barriga dói. Alienados ao que acontece neste momento.

O palhaço fica de pé de frente pra eles, e pega os dois meninos pelo pescoço, eles imediatamente param de rir e se debatem para escapar e respirar.

O palhaço com seus olhos de fogo diz:

_Obrigado por me libertarem, mas ainda estou fraco, e preciso da alma de vocês para voltar a caminhar pelo mundo dos vivos e espalhar o medo o caos na vida das pessoas.

Com toda força, eles gritam, a garganta parece explodir, no esforça para que o ar saia pra fora e alguém escute seus gritos de “socorro” “Mãe” “pai”...

Ninguém ouve seus gritos, e o balconista reza baixinho descontroladamente.

Uma névoa sai dos orifícios de um dos garotos, que seca e vira pó, se havia um corajoso correndo para salvar os meninos, ao presenciar o bizarro e assustador ocorrido, da meia volta e corre, quem olhava da fresta da janela ou do buraco do portão, tranca todas as suas portas, correm pra dento e se enfia pra de baixo da cama.

O ainda vivo agora chora feito neném. Dizendo que não quer morrer, pede desculpa, chama pela mãe...

Seu destino está selado, e sua boca, nariz, olhos e orelhas começam a soltar “vapores”.

Alguém toca o ombro do palhaço que surpreendentemente, olha para trás.

É Tatiana:

_Rá... Rá... Rá...

O palhaço tenta gritar mas sai de sua garganta um grito mudo, rapidamente se desfaz, voltando para o corpo de Tatiana.

O menino, ainda chorando muito, tenta se levantar, Tatiana pisa com força em cima dele, muito chateada, mas com a boca sorrindo.

E alegre diz:

_Eu salvei a sua vida.

O garoto continua a chorar, ainda quer seus pais por perto.

Ela levanta o garoto pelo cabelo e segura o seu queixo para encará-lo:

A sua face explana o mais assustador dos sentimentos: o da vingança, a alegria de ter vencido.

_A maldição agora é sua, mas serei boazinha. Deixar-te-ei crescer.

E quando estiver preparado, libertarei o palhaço para ti, e finalmente poderei descansar em paz.

Pode fugir, eu vou te encontrar. Eu tenho 166 anos! Conheço todas as formas, tenho todo o tempo e dinheiro do mundo.

Ela o solta e o deixar, ele ainda choraminga.

Se me matar o seu corpo o aprisionará.

Ela se agacha a sua altura:

_Bem ainda tem a opção suicídio. Mas pergunte a sua mãe, para onde vão os suicidas.

Agora corre daqui, suma da minha frente, e aproveite a vida normal que tem... até os 21 anos.



 

Não é a primeira vez que acontece isso na vida de Tatiana, e sempre preferiu continuar como prisão do palhaço-demônio, mas dessa vez ela está convicta em não servir mais de masmorra de ninguém.

E pela primeira vez, ela não partiu da cidade ou do país.

Agora, por onde ela passa, sempre escuta uma piada. Os mais abusados e chagados fazem cosquinhas nela.

A convidaram até pra passar o natal com uma família, e não havia o tio metido a piadista, dedicaram a ela, um show de stand up com profissionais.

A alegria de Tatiane, pela primeira vez em décadas, é verdadeira.




 

 

 

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