O ESPELHO




 

Quando eu era criança, havia em todos os mercados, até mesmo em grandes redes da época, como as Sendas, atual Extra, um macarrão que era vendido a granel. Você pedia para o atendente, e ele colocava dentro de um saco de papel, o quilo pedido.

Era um macarrão sem marca, e que possuía todos os tipos de macarrão. Obviamente não podia escolher, pois estava tudo misturado: espaguete, parafuso, ninho, talharim, canelone, concha e outros “macarrãozinhos de sopa”.

Era bem baratinho e sempre havia uma dona de casa comprando dele.

Não temo em dizer que esse macarrão, oriundo de embalagens rasgadas e de massas próximas do vencimento:

Nunca matou alguém.



 

Infelizmente ele desapareceu. Provavelmente sob os rigores da vigilância sanitária.

A mesma que ordena que legumes em vias de vencimento sejam jogados no lixo e não doados.

A mesma que implica com os queijos caseiros.

Sim, precisamos dela, embora o abuso de poder e o excesso de regulações seja basicamente a regra, sei que ela salvou muita gente de ir para o hospital.

Nas poucas conversas que tive com cozinheiros de pensão e restaurantes pequenos, a regra é clara: a imundície da cozinha.

Parece que há uma rivalidade entre os cozinheiros e os ajudantes de cozinha.

O cozinheiro não se vê na obrigação de limpar o fogão e as panelas. Se tiver ninho de barata dentro de uma panela, e se não houver opção, ele cozinhará com o ninho dentro.

Vi casos na TV, que apesar do desespero do dono da pensão, o seu descuido com a higiene parecia proposital.

Por exemplo:

As batatas para o purê eram esmagadas em uma pia suja e gosmenta, a cor da pia era verde, com certeza, nunca foi lavada desde a sua instalação no restaurante.

O cozinheiro poderia simplesmente amassar as batatas dentro de uma panela...

Os fiscais imediatamente ordenaram aos clientes que eles largassem seus pratos e fossem embora.

 

Voltando ao macarrão a granel, que nos anos 90, já havia desaparecido de todos os mercados, menos nos pequenos mercadinhos localizados em longínquos bairros e pequenas cidades.

A última vez que o revi foi na casa da escrota Tia Leninha.

Se acompanha o blog, sabe as minhas críticas que tenho a essa alma, que em vida foi um verdadeiro encosto das irmãs e da minha infância/adolescência/vida adulta.



 

Minha tia era uma mulher difícil, talvez ruim mesmo.

Depois de um período de prosperidade, após sair da nossa casa, onde trabalhou para um casal, altos funcionários de Furnas, onde ganhava 10 SALÁRIOS MÍNIMOS para ser babá da bebê deles. Conseguiu comprar sua casinha em Vila Maia, Nova Aurora, Belford Roxo.

Antes de torna-se um reduto de traficantes, Vila Maia era tipo aqueles bairros que haviam acabado de sair da roça.

Casas simples, com quintal, todos criando galinhas, outros cabritos, e ao se distanciar-se um pouco do Centro ou da pracinha, ainda encontrava sítios ou pequenas fazendas, com criação de gado e venda de queijo e leite.

Ao sair do emprego, abriu um bar na casa, que nunca vendeu nada além de cachaça.

Ela até tentava vender outras coisas como arroz, feijão, canetas, porém não havia saída.

O bairro era muito pobre.

Além dela não saber vender as coisas mais simples como sorvete.



 

Não sei se foi pela sua arrogância ou por acreditar até a sua morte que eu era uma retardada mental, ela não escutou um conselho simples, que impediria de mais um produto-fracasso de venda da sua barraquinha: o sorvete.

Quando a vi vendendo falei com ela:

_Tia, pergunta ao freguês qual cobertura prefere. Não coloque todas!

Ela não me ouviu e fez o mesmo com a outra criança. A garota fez cara de nojo, até tentou comer, mas deve ter jogado fora.

Ela colocou todas as cinco coberturas, de chocolate á menta, passando pelo morango, juntas, por cima do sorvete.

Criança não fala, não guia o atendente ao que ela quer: ela apenas nunca mais volta.

 

Várias vezes tentei ajuda-la levando mercadorias para o bar, como ingredientes para fabricar laranjinhas, e ela apenas reclamava, e muito, o dia inteiro, pela minha colaboração. Não precisava agradecer, mas o que ela fazia era coisa de gente com uma maldade insana.

 

Uma vez, em uma visita com minha prima Elvira, tudo que ela tinha a oferecer era esse macarrão misturado vendido a granel.

Acompanhado de pescoço de boi.

Gosto não se discute, e ninguém reclamou de nada. Sabíamos da situação da Leninha.

O diferencial foi o fato de ela falar durante todo almoço que aquele era o melhor macarrão do mundo, e que pescoço de boi, com muita cartilagem, nervo e gordura, era a melhor carne do planeta. Não se comparando a picanha ou ao filé.

Eu sabia que aquilo era mentira, mas eu escutei tantas... Deixa a pessoa se enganar. Algumas precisam disso. Quanto as outras, que querem apenas estar por cima dos outros contando vantagens, dou as costas.

E até sinto falta do macarrão. Ele realmente era diferente e uma delícia.

 


Uma curiosidade👇





 

  

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