OS MALUCOS E EU


Meu pai tinha o costume de viajar pelos cantos de Mimoso do Sul, divisa com Espírito Santo, onde ele nasceu e viveu, e visitar seus parentes.
Tias, tios e primos.
Era um pouco chato.
Eram casas que nunca tinham crianças, quando tinham elas eram arredias, na certa, filhos dos vizinhos, que tinham a sua atenção chamada pelo carro presente na casa ao lado.
As vezes uma outra menina muito mais velha que eu, mas que por caridade, me chamava pra conversar ou brincar, mesmo com uma diferença grande de idade e mentalidade.
Em uma delas, moravam duas mulheres.
Não sei se realmente tinham parentesco conosco ou se era alguma afilhada de meu pai. Lembro que uma vez ele me disse que batizou um monte de meninas. Embora só mantivesse contato com duas: Rogney e minha prima Solange. As outras eram filhos de amigos e parentes dele que continuaram em Mimoso do Sul.
Mais uma casa sem criança. Nessa não tinha, acho, nem eletricidade. Nem TV e nem rádio!
Uma delas começou a brincar comigo. Coisa boba. Ela pegou um limão, começou a jogar pra cima, e contar por quantas vezes ela poderia agarrá-lo, sem deixar cair.
Em seguida passou o limão pra mim.
Me diverti.

Depois veio o arrependimento.
Dona Aparecida, como de costume. Curtiu com a minha cara o resto da semana. Contava para todas as visitas, que eu brinquei com uma maluca. Gargalhou e debochou muito do meu momento de distração com a mulher, que pelas suas afirmações, era completamente doida.

Mas ela também teve o seu momento “interação com maluco”.
Uma senhora apareceu no portão pedindo roupa.
Minha mãe deu um vestido e uma calcinha, ainda na embalagem. Nunca havia usado.
Era domingo, dia frio...
O bar, a mercearia, e o ferro-velho fechados.
Foi na varando do bar, que a mulher começou a se trocar.
Ficou totalmente nua, deu uma limpada na periquita com o vestido que acabara de ganhar.
Enquanto isso, passou uma mulher com uma criança xingando muito, e dois caras zoando a situação:
“Que calor!!”
“Tá muito calor!”
E estava frio pra dedéu...

Uma vez um catador, deu para mim e o Alex, um monte de brinquedos de plásticos. Apitos, carrinhos e bonecos.
Comecei a brincar com o apito.
Meu tio:
_Vai brincar com esses brinquedos do maluco?
Ele pega tudo isso do lixão!
E o cara tinha dado pra gente com tanto carinho...

Não dá pra reconhecer malucos logo de cara.
A não ser que eles estejam pelados em público ou queimando dinheiro...
Você pode ter uma sóbria conversa com alguém totalmente doido de pedra, e cinco minutos depois, a pessoa começar a surtar.

Não há um dia no ferro-velho que não apareça um, quando não, dois, três, quatro...
Apesar da zombaria de D. Aparecida, eu os tratos normalmente.
-Oi!
_Obrigada!
_Deu tanto.
_Volte sempre.
Se eles começarem a falar coisas sem nexo, apenas balanço a cabeça. Contrariar não é bom.
Mesmo malucos, são todos fregueses, e merecem respeito.
Pois a vida, e talvez até suas famílias, tiraram a sua dignidade e respeito.
Eu sei como é um pouco isso.
Afinal, como já disse antes, tenho um irmão que desde sempre, “alerta” as pessoas que se aproximam de mim, dizendo que sou doente mental.
Tive inúmeras decepções com pessoas que acreditava ser meus amigos, mas que debochavam e não me levavam a sério, pelas minhas costas, por acreditarem nas mentiras do Almir,
Ser maluco, é ser um pária em seu próprio ninho.

A que brincou comigo, foi a de vestido azul. Que minha mãe disse que era maluca e ficou me zoando por ter interagido com ela. Só as vi nessa oportunidade. Depois, nunca mais. Não lembro os seus nomes e nem se são parentes meus.



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