Benjamin e Rebeca


Benjamin e Rebecca


Benjamin não conheceu a sua mãe. Conheceu várias candidatas a sua mãe, mesmo na sua jovem vida, oito anos. Mulheres que apareciam na casa de seu pai, ficavam alguns meses ou anos, e partiam.
Essas despedidas quase sempre surpresas, pois a maioria simplesmente desaparecia de sua casa, quase sempre o fazia sofrer.
Teve mulheres que, quando Benjamin não a via mais em sua casa, o fazia chorar.
_Pai, cadê a mãe Madalena?
Seu pai, seco, importunado pela pergunta, respondia:
_Ela não mora mais com a gente.
Benjamin danou-se a chorar na mesa do café. Madalena foi a única namorada do papai por quem ele realmente se apaixonou, aquele amor de menino, por sua mãe.
As outras eram frias, o ignoravam, tinha até as amáveis, somente quando seu pai estava por perto.
_Larga de ser maricas! Ela não era sua mãe! Depois da escola, vá direto para a sua avó.
Era a avó materna de Benjamin. Era meio que uma avó robô. Dava comida, banho, respondia as perguntas básicas do menino, não conversava com ele.
Benjamin não sabe, mas sua avó guarda mágoa do neto. O culpa pela morte da filha única.
Uma vez resolveu xeretar o quarto da velha. Encontrou uma caixa de sapatos, cheias de fotos de uma mulher. Como a maioria delas, a jovem estava ao lado da sua avó, levou a caixa até ela e perguntou se era a sua mãe.
A velha, enfurecida, tirou a caixa da mão dele. Deu um cascudo no neto e disse:
_Nunca mais mexa nas minhas coisas! Seu pai além de botar uma piranha por mês na casa dele, não te dá educação, não?!

Dessa vez, o papai ficou meses sozinho.
Fora essa adversidade, nada na vida mudou muito.
Escola, casa da avó, depois casa do papai. Havia uma diarista que três vezes por semana, dava uma geral na casa, fazia a comida da semana.
_Eu sou diarista, e não babá. Se quiser que cuide do garoto, vai ter que pagar mais caro!
_Deixo ele com a minha sogra, então.



O papai começou uma reforma na casa. Remodelou o banheiro, colocou rampa onde havia salto e escada, barras pelas paredes, construiu um quarto.
Neste quarto depois, uma cama, diferente, em meio a um todo aparato.
Terminado a obra, aparece um caminhão com alguns móveis. Seu pai, atrás, de carro; saíram dele, uma mulher e uma criança.
Mais uma nova candidata a mãe, dessa vez com uma irmã junto.
O menino ficou tão feliz.
Se aproximou da nova irmãzinha.
_Oi...
Ela não respondeu. Seu corpo era todo torto, atrofiado, não mexia nem o pescoço.
_Se afasta, Benjamin. Depois vocês conversam. Essa é a Rebecca, sua nova irmã.
O menino estava extasiado. Aquilo não o assustava. Embora ele não tivesse ideia mínima da situação da garota, que aparentava ter mais ou menos a sua idade.
Tudo que ele via nela era o fim dos dias na casa da avó, e uma companhia. Apesar da apresentação não ter sido lá essas coisas, ele não se abalou.

Sharona era nova esposa do papai.
Pela demora da escolha, pelo investimento que o pai fez na casa, talvez seja pra valer.

Feita as devidas apresentações, uma explicação um tanto complicada sobre a situação de Rebecca, nada que tirasse o entusiasmo do menino, uma nova rotina se instalou na casa.
Benjamin, apesar dos avisos do pai e madrasta, agia como se a irmã, tudo ouvisse e entendesse.
Conversava com ela, brincava com ela, jogava videogame com ela.
Quase sempre escondido dos pais, pois se dependesse de Sharona, ele nem chegava perto. A mulher era meio que paranoica e histérica com a fragilidade da saúde da menina.

Um dia sua madrasta atendeu um telefonema. Era para ela mesma. Ficou muito nervosa com que ouviu. Teria que sair imediatamente para resolver a questão. Não teria nem como chamar uma enfermeira ou outro adulto.
_Benjamin!_Grita a mulher_Eu tenho que sair urgente! Vai ser por poucas horas. Tudo que peço é que fique em casa. Vigia sua irmã; não mexa em nada!
Sharona se arruma apressadamente e parti.
O menino fica com a garota, vendo TV.
Escuta gritos no portão pelo seu nome. São seus coleguinhas de rua. Vão jogar futebol e querem Benjamin para montar o time. Ele sempre foi um ótimo goleiro.
_Estou tomando conta da minha irmã...
_Leva ela. A Talita tá lá brincando com as meninas, e o Afonso...
Risos das crianças.
_O Afonso prefere brincar de casinha com as garotas do que jogar bola com a gente!
Agora as risadas são maiores e mais longa.
_É que a Rebecca é diferente...
_Por quê? Ela por acaso tem pênis?
Os garotos explodem em risadas, Benjamin parte pra cima do coleguinha.
_Calma, cara. Vi isso num filme e achei engraçado.
Separados e acalmados:
_Vamos! Sem você a gente não tem muita chance. Sabe que o time do Oswaldo só tem garotos mais velhos e maiores que nós.
_Tá bom, mas preciso de ajuda.
Dois meninos entram com ele. Ao adentrarem ao quarto da Rebecca, as crianças se assustam.
_O que vamos fazer?
_Colocá-la na cadeira de rodas.
E fazem, cheios de medos e cuidados.
O campinho fica na outra rua, onde os outros meninos o esperavam.
Num cantinho, Afonso e suas amigas. Os garotos levam Rebecca até elas.
_Trouxe uma nova colega pra vocês.
_Nossa!
_Coitada!
_Ela não é coitada. Podem brincar de filhinha com ela. Tem até “carrinho de bebê”.
_A gente tá brincando de salão de beleza._Afonso.
_Melhor ainda.
As garotas se olham e...
_Ok!
_Rebecca, será a modelo perfeita!
Sofia roubou o kit de maquiagem da irmã mais velha, Lucia trouxe escova e bobs da mãe, Julia o kit de manicure.
Apesar da brincadeira ser “salão de beleza” Afonso, que tinha uma mini máquina de costura portátil, e fazia vestidos de boneca para vender na escola e na rua, imaginou logo de cara o que costuraria para Rebecca. Fitinhas, pulseiras e tornozeleiras para a nova integrante do grupo.

No jogo, Benjamin, mesmo como goleiro, não tirava os olhos da irmã.
E ainda agarrava todas. Como era melhor de três, os meninos suaram, mas conseguiram ganhar os grandões.
Os moleques, donos da bola e putos, se foram.
O grupo se dirigiu às meninas.
Rebecca estava maquiada, com fita trançada no cabelo, unhas pintadas. Uma dama.
_A gente quer brincar!
_Se for pra brincar pode! Atrapalhar não!
_Ninguém vai bagunçar o meu ateliê._ Afonso.
Todos participam da brincadeira. Os meninos, foram “vestidos” com os panos de Afonso, alguns colocaram até maquiagem, a brincadeira agora era de “modelo de passarela”
Rebecca foi a mais aplaudida. Depois resolveram brincar de pique, Na vez de Rebecca, com seu irmão empurrando a cadeira, ninguém deu mole para a nova integrante do grupo. Não havia café com leite, correram à vera.
Benjamin empurrava a irmã com todas as forças, chegando a atropelar uns amiguinhos.


Ouve-se gritos histéricos. Alguém chamando pelos irmãos. As crianças ficam tão assustadas que muitas saem correndo, outras ficam.
_O que você fez!! Quer matar a sua irmã!!
_A gente só estava brincando!
_Sim, tia. A Rebecca até riu. Ela estava gostando.
Sharona empurra o moleque defensor do amigo, e grita com os outros.
_Vão Pra casa! Já tenho “um filho dos outros” pra me infernizar! Somem!! 
Outros correm, poucos apenas se afastam.
A madrasta tira o salto agulha e começa a bater vigorosamente no enteado. Para o horror dos que ainda ficaram.
Afonso, Julia e Roberto, mesmos assustados, tentam intervir.
_Você não vai machucar minha filha!
Ela não para de bater
_Eu já tenho um fardo e você não vai ser outro!
A mulher não se cansa, bate cada vez mais forte.
_Julia! Corre! Vá chamar um adulto!
Os meninos pulam em cima da enlouquecida mulher, com Benjamin já ensanguentado, antes de ser derrubada, ela joga o salto com todas as suas forças em direção ao enteado, atingindo em cheio sua cabeça, fincando nela, ele cai no chão desacordado.
Aparece um adulto, praticamente arrastado por Julia, muito nervosa. Era o Cesão da barraca, o cachaceiro, o único que quis vir, ( a contragosto), pois todos os outros adultos não queriam se meter e falavam para ela fazer o mesmo.
_Você matou o garoto!!


Rebecca, a razão de toda essa confusão, assistiu a tudo, totalmente ignorada. Ninguém percebe que uma lágrima escorre em um de seus olhos.


O menino está no hospital. O buraco aberto pelo salto não atingiu o cérebro do garoto, mas houve uma pequena hemorragia. Está em coma induzido.
Na antessala onde está a criança, pai e madrasta brigam, mesmo estando os dois em um hospital. O motivo: Há uma outra mulher sentada ao lado, segurando a mão do Benjamin. É Madalena.
Sharona fica no corredor, seu marido entra.
Madalena nem encara o ex.
_Você ainda está com ela...
Voz carregada com reprovação.
_Madá, o que você está fazendo aqui?
_Eu fui madrasta dele, até você enjoar de mim. Lembra?
_Foi! Foi! Quem deixou você entrar?!
_ Vo-cê a-in-da está com e-la.
_O que isso tem a ver, Madalena! Poderia sair por favor?!
Ela se levanta e o encara:
_E-la ten-tou ma-tar o SEU FILHO!
_Foi um acidente, ela estava nervosa, o menino desobedeceu as ordens...
_Ele é seu filho, Carlos! Está todo ralado, com osso quebrado e um buraco na cabeça!
Carlos, não gostando nem um pouco da atitude da ex, empurra-a para que ela se afaste dele.
Madalena tropeça, mas não cai.
Se despede do ex-enteado. Respirando fundo para não chorar. Sai encarando a atual de Carlos com todo ódio em sua alma.
Ficam poucos minutos no quarto.
_Quero ir embora. Não tem clima._Sharona
O casal parte.
Na saída, Carlos é surpreendido por um golpe fulminante de Madalena. Que tem dois metros, faz musculação e artes marciais. Bate muito nele, Sharona tenta intervir, mas também é derrubada.
_Meu negócio é com ele! Covarde e safado é ele! Que colocou uma psicopata dentro de casa! Não vou te quebrar, pois sei da situação da sua filha! Coitada da sua filha!!
Só para de bater no ex, quando este pede arrego. Sobe na moto e vai embora.

Os dias de Rebecca são os mais horríveis possíveis.
Ela sentia muita saudade da única alegria que teve em sua vida. Algumas crianças a chamavam no portão, mas sua mãe e seu padrasto as expulsavam.
Ficava dias olhando para a TV e o videogame desligados, relembrando o irmão.
Seu sofrimento interno era inimaginável.

A TV se liga sozinha, assim como o videogame...


_Rebecca! Benjamin!
_Rebecca! Benjamin!
_Essas crianças não desistem! Vai lá falar com elas! Rebecca não pode receber visitas e Benjamin tá no hospital.
_Vai você...
Quando Sharona se levanta para despachar as crianças, ela escorrega, da um salto pra trás, jogada com toda força contra a parede. Assustando Carlos.

Rebecca surge no portão

No hospital, Benjamin tem um sonho. E a irmã, ela tá diferente. Tá em pé, ao lado da sua cama, sorrindo pra ele, ao mesmo tempo chorando muito.
_Volta logo, por favor.
E beija sua testa.

Benjamin voltou. Ainda com a cabeça enfaixada, porém, sem sequelas.
Seus amiguinhos estão de visita em sua casa. Não é ainda seguro brincar na rua.
Estão brincando de bobinho.
Um deles joga a bola pra cima da Rebecca, que imediatamente rebate contra outra menina.
Ela cai no chão. Todos riem.
_Manéra, Rê! Assim todos serão café com leite, menos você!
Eles escutam Rebecca rindo também, riso verdadeiro, não grunhidos limitados por pessoas com necessidades especiais. Ela ainda diz:
_Desculpa, Julia. Eu ainda estou aprendendo a me mexer.
Com ajuda de Rebecca, Julia se levanta e volta às brincadeiras.
_Lembrando!_Afonso_ O café com leite aqui é o Benjamin!
_Por pouco tempo!

Carlos e Sharona estão encolhidos na sala, cheios de medo, se olham procurando respostas, mas eles não sabem o que fazer.

_Mãe Madalena! Benjamin corre para a ex-madrasta. Todos fazem o mesmo. Ela se dirige ao casal na sala:
_Vou levar as crianças para um cinema, a turma toda, ok?
As crianças celebram, o casal concorda.
Madalena não percebe os olhares apavorados deles, os seus silenciosos pedidos de ajuda. Ela os ignora completamente.


FIM







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