A LENDA


Era mais um trabalho escolar do Sidney. O tema era o folclore. Tínhamos que levar artesanato para escola e participar de uma exposição.
A cada objeto um ponto.
A exposição aconteceria no turno da manhã. Na quadra da escola.
Fiz e hora depois, subindo a escadaria da escola, senti uma dor até então inédita na minha vida, na região da barriga.
Comentei com a minha amiga Patricia, que estava ao meu lado:
_Hum... Uma dor na barriga, agora.
Cheguei em casa, era tempo apenas para tomar banho, almoçar vestir o uniforme e voltar para o CEM.

No banheiro, a surpresa no fundilho da calcinha: Eu me tornei uma “moça” de fato.
Chamei pela minha mãe, minha tia veio me atender. De primeiro duvidou e pediu para ver a calcinha, mostrei e saiu cheia de nojo, arrependida do pedido.
Antigamente o absorvente era chamado de "Modess" por causa dessa marca. Era o rival do Sempre Livre.

Fui a penúltima das primas a “me formar”. Cristina, Solange, todas já eram moças, para o orgulho das suas mães.
De certa forma, me orgulhei também.
Porém o pesadelo apenas começava...
 
Olha o tamanho da fralda que a gente usava nos anos 80, vendido como coisa de última tecnologia

Minha casa era um reduto de testosterona. Pai, irmãos, tio e empregados.
Pedi para que minha mãe não comentasse com ninguém o ocorrido. Afinal, menstruação também era tabu. Era vergonha, quando não nojo.
A mulher menstruada era um segredo somente dela.


A coroa não se conteve.
Assim que saí do banheiro, senti os olhares tortos dos (muitos) homens da família.
Minha mãe morreu meses depois e tive que aprender a lhe dar com o absorvente praticamente sozinha.
Entortava, manchava a calcinha, meu mundo acabou quando um deles vazou.
E pior, saber que mentiram pra mim de forma descarada.
Que dura entre 3 ou 4 dias no máximo.

Que era um sanguinho de nada, e a minha era uma torneira jorrante, com direito a pedaços gigantes de sangue pisado. O maior terror de todos: a cólica.
Eram cólicas de me jogar no chão e rolar de dor. Além de durar exatos 10 dias.
 
Moças honradas não podia usar esse daí. Usei uma vez e me machucou toda por dentro. Prefiro o OB ou intimus
Vendo meu histórico familiar materno, minha tia e minha mãe possuía esses ciclos horrendos. Mesmo assim, insistiram na mentira. Fora o fato de que torna-se “moça” era prêmio. Pra mim sempre foi castigo...

Menstruei ou “monstruei” como gosto de dizer num dia “especial”, no dia do folclore. Tudo a ver. Pois tudo que me ensinaram sobre essa monstruosidade que é sangrar, era o mais puro folclore.

Era apenas mais uma entre tantas outras mentiras deslavadas e descaradas que falam para nós, meninas, e caímos direitinho.

Talvez eu escreva sobre as outras mentiras que nos contam, que acreditamos até a idade adulta, e que aprendemos da pior maneira o quanto fomos enganadas, uma delas é sobre virgindade e casamento.
Mas isso é tema para outro texto.


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