A MÁQUINA DE COSTURA DA MINHA MÃE - REMAKE

 




Décadas se passaram e atualmente, alcancei o auge da minha maturidade. Revisei conceitos,, comportamentos passados e até minha fé.


Entretanto, embora me sinta arrependida da minha mesquinhez. De ter se desfeito de algo tão caro a minha mãe, a última lembrança física dos tempos áureos da família, digo que não foi gratuito. Não foi o comportamento de uma pobre menina rica e mimada.


Quando somos crianças, é comum nos interessarmos por alguma arte/trabalho manual.

O meu primeiro foi o crochê. Era bem criança, mas já conhecia meninas da minha idade que mandavam bem no crochê. Faziam porta moedas, paninho de penteadeira, chapeuzinho de boneca. Queria muito aprender. 

A papelaria São Jorge abriu um curso de crochê gratuito. Era comum nos anos 80 papelarias abrirem esses cursos artesanais. 

Implorei a minha mãe, mas ela não deixou.

Levar e trazer a filha alguns dias de semana de um curso, nunca esteve em seus planos. Enquanto ela foi viva, nunca nem pude fazer trabalho de escola na casa de uma colega. Ela oferecia a casa dela, mas aí quem não queria fazer os trabalhos escolares na minha casa, eram as meninas do meu grupo. De certa forma, seria complicado. As outras moravam todas no mesmo bairro, eu em outro. Bem contramão.


Nessa época, ela me ofereceu aprender bordado com a empregada.

Sempre as empregadas…

Coitadas das empregadas de casa.

Empregadas

Babás 

Amantes do meu pai ou de algum irmão meu

Dormir no trabalho com folga de a cada 15 dias

Ouvir minha mãe o dia inteiro reclamando delas. Isso era fato, li num diário abandonado de uma delas, e minha tia confirmou que D. Aparecida era uma patroa muito chata. Meu pai deve ter comido muita empregada na base do desejo de vingança delas, contra minha mãe.


Eu considerava o bordado não criativo. Crochê se criava do zero, bordado não…

E por favor, a empregada?

Tive um estalo de consciência trabalhista, e disse não. Provavelmente, nas parcas horas de descanso que tinha durante o dia, ela teria que me ensinar bordado…


Um dia ela comprou a máquina de costura da sua melhor amiga Vera.

Uma Singer com um gabinete muito bonito e elétrica.

Entretanto ela nunca mexeu na máquina. Chego a desconfiar que ela comprou pra ajudar a amiga.

Um dia quis aprender a costurar. Na prática mesmo, usando a máquina.

Minha mãe permitiu, ou achava isso.

Com respeito e cuidado, pois não era um brinquedo, comecei a fazer roupa de bonecas.

Num determinado momento, precisei de uma tesoura. Fui à minha avó pedir a tesoura emprestada, Ela morava no mesmo quintal.

Na volta dei de cara com a minha mãe de cara zangada. Aquela irritação totalmente concentrada na sua face. Ela me disse:

_Não quero que perturbe a sua avó..



Ao chegar na sala onde ficava a máquina, falei pra Zenilda pra gente terminar logo e fechar o gabinete.

Eu percebi que minha mãe não estava gostando nenhum um pouco de estar mexendo na sua máquina de costura. Coisa que ela mesmo nunca fez.


Ela só usou a máquina uma vez na vida, no sítio. Não fiquei ao seu lado, mesmo com ela bordando um coração de tecido que eu havia feito com um pedaço de pano. Ela estava fazendo uma saia pra mim.


Nunca mais nem cheguei perto da máquina. Décadas depois da sua morte. Seu gabinete se desfez, e jogamos uma Singer quase nunca usada na sucata. Sem arrependimento, sem culpa.


Acho que faria tudo outra vez

Se tivesse de mudar algo, seria o de fazer o pedido a D. Aparecida em querer mexer na máquina pra aprender a costurar. Não faria mais. -Nunca aprendi a costurar -

Entretanto relevo o comportamento da minha mãe.

Hoje entendo que a máquina era o seu tesouro, e só dela.

Casais abrem mão de quase tudo pelos seus filhos. A mãe principalmente.

E ela tinha o seu direito de ter o seu bibelô de penteadeira, o seu xodó. O fato de nunca mexer, não me dava o direito de me interessar por costura, e de mexer no seu tesouro.


O único arrependimento, é que a Singer, que mesmo sem gabinete, valia muito dinheiro ainda. Poderia ter revendido ou

 doado, infelizmente, o rancor foi mais forte.




Mais sobre minha avó e a relação difícil com minha mãe




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