NÃO GANHAVA, EU DAVA


Não fui a criança que pegava doce.
Estudava à tarde, e no tempo em que ficava em casa, não tinha autorização nem pra colocar o dedão do pé no portão, imagine então sair pelas adjacências à procura de doce.

Fui uma criança que “dava doce”. Todo Cosme e Damião ajudava minha mãe na compra dos doces, na arrumação dos saquinhos.
Bem, não chegava a entregar os doces. Isso era minha mãe que fazia.
Era tradição:
“O ferro-velho dá doce.”

Sempre levava saquinhos para minhas amigas de escola. Patricia nunca comia, dava para professora ou distribuía os doces entre o grupo. Dizia que não queria, que estava com azia. Não entendia na época que o motivo dela era outro: Patricia era crente.


Nada que abalasse a festa da criançada. A alegria, a caça pelos saquinhos.

Meu primeiro contato com a religião dos meus pais, a umbanda, foi numa festa de erê. Era bem novinha. Não tinha ideia do que realmente era aquilo. Pra mim era uma festa, não estranhei os adultos se comportando como crianças.
Mariazinha me viu, me puxou pra roda e fizemos um “corripique” que é segurar nas mãos do parceiro e rodar.

Pouco a pouco, um terror coletivo começou a assombrar as crianças.

“Doces de Cosme de Damião são do diabo.”
“Conheci uma criança que comeu esses docinhos e morreu.”
“As pessoas passam os doces nas feridas do doente, para que a doença passe para a criança que come.”


Há poucos anos testemunhei uma cena inusitada. Uma senhora tentando convencer crianças a pegarem doces de Cosme e Damião na data (!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!?????????????????????????????????????)


O ódio, o preconceito, a ignorância, fez com que crianças abrissem mão daquilo que elas mais gostam: doces e ainda por cima de graça!!

A homenagem aos protetores dos enfermos e das crianças está cada vez mais reduzida.
Só alguns redutos de alguns bairros ela ainda é presente.
Acabou a alegria, a festa, a caridade, a pureza.
Venceu o preconceito, o ódio, a maldade.

Se no haloween aparecer um pentelho pedindo doces ou travessuras, colocarei um saquinho de Cosme e Damião no cesto da praga. Acredite, tem muito filho de crente praticando essa bobagem!
E porque não fundir as tradições?
Até que os crentes impliquem novamente...



ANEXO

A Última vez em que NÃO peguei doce de Cosme e Damião

Eram amigos da minha tia. A garota, apesar de ser mais velha que eu, estava o dia inteiro a caçar os saquinhos.
Fui com ela em uma casa que estava dando os doces.
Ela pegou o dela, como era distribuição com cartão, isto é, quem não recebeu o convite antecipado não ganharia, não ganhei o saquinho.
Ela abriu sua reação foi a mesma de muitas criança:
_IH?!
_Carai!!
_Poxa...

O saquinho gordo, estufado até a boca era pura enganação:
Era um saco de pipoca bem vagabundo, e umas balinhas.
Voltando a sua casa, ela foi guardar o saquinho, ao lado de outros trinta, que ela recolheu durante todo o dia!!!
Até que repentinamente ela teve um estalo, virou-se para trás, onde estava, e me ofereceu a vagabunda pipoca, odiada pelas crianças.
Eu respondi um “Não, obrigado”, mas deveria tê-la mandando enfiar a pipoca no rabo.
Filha única, um mundarél de sacos de doce, e ela me oferece a pipoca que provavelmente jogaria no lixo.
Cosme e Damião é antes de tudo, caridade. Vale até para as crianças. Lembrem-se disso!


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