MARLI MORREU




 

Esse ano, pra Marli, não começou bem. Logo no início, na ressaca das festas de fim de ano, soube que ela foi parar na UTI e ficou mais de uma semana por lá.

Voltou, zoou a situação. Fez pouco caso.

Marli estava de volta a sua rotina.

De manhã cedo, normalmente com um casaquinho, seja qual for a estação, pegando sol para se aquecer nos fundos do ferro-velho.

De vez em quando, atendemos fregueses por esse portão. Ela catava as sucatas que caía no chão ou ganhava dos fregueses, pois ela sempre levava água para eles.

Sua alegria, era quando enchíamos a caçamba de caminhão com latinha.

Se caísse no chão, a latinha era dela.

_Espera aí , Marli, a gente tá carregando ainda!

Ela não deixava os meninos catarem. Respondia orgulhosa que o Alex permitia.

E era verdade. No final do dia, Marli juntava até 5Kg de latinha e no dia seguinte revendia para o Alex, na cara limpa, a sua própria latinha. Como falei antes, Alex não ligava.


 

Como moramos em ruas paralelas, a conheço de vista desde criança. Ela é da geração Fininho, Ana, Marquinhos... Um povo um pouco mais velho que eu.

Marli sempre foi magrinha, muito magrinha mesmo, uma Olívia Palito de cabelos louros.

A conheci, realmente, somente adulta. No bar do Seu Careca. Onde eu ia comer hambúrguer, e ela sempre estava ali, sentada no meio-fio da calçada, com uma cerveja e um copo do lado.

Marli era uma máquina de fumar e beber cerveja. Talvez isso não fosse grande coisa, o problema é que ela não comia. Não sentia fome. Só bebia e fumava.

De vez em quando ela fazia uns favores pra mim, como ir a pizzaria fazer um pedido, comprar um cigarro na Valéria. A pagava com uns trocados ou em cigarros. Marcelo pagava seus favores com cerveja.

Marli, tenho que esclarecer, não é uma mulher pobre e abandonada. Teve casa, sempre trabalhou, infelizmente na última enchente do Guaraciaba, perdeu a sua máquina de costura, da qual tirava seus trocados. Desde então, a filha a sustentava, como babá da sua neta.



Nesse ano, ouvi suas preocupações em não poder ir a festa de 15 anos da neta, por falta de roupa.

Mas foi.



 Nosso último papo:

Ela estava no portão principal do ferro-velho, sentada na calçada vizinha. Acho que ela havia vendido sua sucata para o Alex. Batemos um papo descontraído. Ela me disse que não tinha forças para ir pra casa.

Zoei, disse que se quisesse, poderia levá-la. Sem exageros, Marli com certeza, não ultrapassava os 40Kg. Depois ofereci o motorista pra carregá-la.

Ela levou na boa, contudo, reuniu forças e partiu.

Nunca mais vi Marli.



Em seguida, somente notícias de que estava muito doente. Ela não saía mais do quarto de sua casa.

Conversei com a sua irmã, mandei um beijo. Não a visitei.

A família de Marli é reclusa. Podemos bater altos papos na rua, mas eles nunca se abriram para uma intimidade maior.

Tenho a certeza que não seria bem vinda ao tentar visitar Marli.

Sua filha nunca mais falou comigo, desde que conheceu o meu Facebook. (?!)

Tem a escrota da mulher do Mário, que não vai com a cara do ferro-velho, com gente assim, lidamos desde o princípio.

E normal pessoas odiarem comerciantes de sucata.

Tem o Mario, Mario Zumbi. Apelido dado por mim. Um cara totalmente consumido pela, talvez, depressão. Não toma banho, passa os seus dias dentro de uma lojinha que nada vende, porque não tem mercadorias pra vender. Rodeado de lixo.

Um verdadeiro morto-vivo.

Ele, apesar de morto, continua vivo, já Marli partiu de verdade. Nunca mais a veremos, ouviremos. Se foi pra sempre.

Uma pena.

Que esteja bem,

Querida Marli.

 


 

 

 

 

 

 

 

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