Obrigações Sociais



Sempre tive um lado meio matuto. Não sei se nasci assim ou se nasci assim, e foi cultivado pela clausura imposta pelos meus pais até a pré-adolescência.

Minha primeira experiência social, a escola, foi um pesadelo.
Não lembro de ter conquistado amigos no jardim de infância.
Havia o encosto chamado Gisele, que apenas se aproximava de mim, para jogar as piores pragas possíveis, como essa em que ela dizia, que quando chegasse em casa, encontraria toda a minha família morta. Vivia me caguetando para a professora, tudo e qualquer coisa que fizesse, como por exemplo, catar meleca...

Não podia brincar na rua com as outras crianças. Por minha casa também ser um ferro-velho. Meus pais não eram fãs de visitas e crianças em casa. Havia as filhas das vizinhas, com quem minha mãe tinha amizade, e permitia algumas vezes, brincar comigo.
Lembro que nos divertimos muito numa tarde. Tanto que elas voltaram.
_Nossas mães permitiram que a gente ficasse, até o início da novela Sétimo Sentido.

Abri o portão toda entusiasmada para elas, minha mãe, da varanda, assistia a tudo, com a sua cara rabugenta de quase sempre.
Viviane tropeçou, caiu no chão, começou a chorar. Dona Aparecida explodiu.
Expulsou as meninas aos gritos.


Eu tinha o meu mundo, o meu reino, o meu quarto. Minhas bonecas, meus brinquedos, criava história. Novelinhas, algumas até ficção-científica, como a girafa de rodinhas, que girando até a velocidade da luz, viajava no tempo... Sim, eu comecei cedo.

Sem tato ou “experiência” social. Quando aparecia uma outra criança pra brincar, eu simplesmente não sabia o que fazer com ela. Ficava muda. No quarto com a pobre da pequena visita, também muda.
No colégio, consegui amigas. Nunca foi uma amizade verdadeira, mas valeu.
Infelizmente, eu era a única que não morava nas proximidades das casas delas.
Então, não nos víamos nos períodos de férias. Fazer trabalho era impossível. Minha mãe não permitia ir à casa de uma delas, e elas se recusavam a visitar a minha.

Minha mãe vivia criticando essas garotas, sem nunca conhecê-las. Ela criticava todos que se aproximavam de mim, menos as filhas da vizinha.
Adultos que me conheciam e me elogiavam, como a vendedora de livros, que amou o meu interesse pela leitura, numa feirinha que aconteceu na escola, ela debochou por semanas, fazia desdém, da admiração da dona de livraria tinha por mim, na minha frente e das visitas.
O bizarro é que ela queria, que no estalar dos dedos, eu fosse a mais extrovertida das crianças.
Fiquei ao lado de uma professora minha, quando fomos à escola comprar material escolar.
Nada falei, comentei com a tal professora.
Chegamos em casa com ela furiosa. Reclamando muito, com todo mundo que aparecia no ferro-velho, me dando esporro toda hora, jogando na minha cara a “chance perdida em ser amiga da professora”.

 Um parênteses:

_Sempre me perguntei, qual a razão pra tanto isolamento, e também, qual a razão de minha mãe de me botar sempre pra baixo, se alguém me elogiava, ela me criticava, e ainda dizia pra mim o que tinha feito. Eu tento culpar a neurose que ela tinha pelo meu cabaço. Só pode. Afinal, filha segura de si, e com amor próprio, na sua concepção, dava antes de casar..._ 

Outra coisa que a família me obrigava, era servir café, para um tal de Doutor Heidy. Devia ser advogado do meu pai...


Tentei ser uma tia presente para os meus sobrinhos. Ao menos com os dois mais novos. Infelizmente, percebi que Alex não quer isso. O negócio dele, é ele trazer os filhos, e eu acenar. Detesta que eu visite as crianças.
Na teimosia, visito o Anthony, visitar Vitória é impossível. Tento então presenteá-la sempre que posso.
Cara, hoje sou assim.
Gosto de ficar sozinha.
Minha casa, meu reino.
E como detesto obrigações sociais.
Com meus parentes, até tinha um carinho, vontade de visita-los. Mas sempre que ia a alguma casa de algum parente do meu pai, via-me à cabeça, a surra que levei em uma reunião de toda a família paterna, dada pelo meu pai.
O trauma aliviou, depois que todos eles morreram.
Encará-los era um pesadelo.

Cresci, agora tenho sobrinhos e cunhados.
Alex, tão ou mais arisco que eu. Por sua total e completa independência financeira, esnoba todos os parentes.
Quando aparecem meus primos de Minas Gerais no ferro-velho, ele “me convida”, para fazer sala para eles.
É bom. Gosto desses primos, porque a gente se ver pouco...
 
Se com essa família, escolhida pelo próprio Cristo, deu uma treta dos diabos... Por que tenho que sempre procurar, sorrir, saber se tá vivo um parente meu? Ainda mais quando sei o que eles realmente pensam e acham de mim. Falsidade é regra no convívio familiar?
E como a minha vida financeira decaiu bastante, não gosto de procurar os parentes vivos.
(Não visito nem os mortos em seus enterros, não vou à missa, não acendo vela!)
Parente se visita quando estamos por cima, não por baixo.
É difícil se esconder.
Temos redes sociais, zap, e negar o acesso a elas aos parentes, é como recusar o bolo feito com tanto carinho pela vovó, especialmente pra você.
Não procurar, não quer dizer que não os amos, não sinto saudades, não quero bem.
Apenas quero ficar na minha.
Alguém pode respeitar minha opção?
É pedir muito, ficar só?

Odeio obrigações sociais...



UM ANEXO
 
A humanidade esperou tanto pelo vídeo fone. Seu lançamento foi devagar, caro, difícil. Hoje, a possibilidade de termos uma chamada em vídeo está no nosso bolso, mas ninguém usa.
Eu mesmo detesto. Fui fazer uma para falar com meu irmão Alex, passei pro motorista, e o Alex deve ter tido a sensação de "beijo roubado" pois o cara fez, como fazem os mortais: Enfiou o bocão na tela e começou a falar, para ouvir encostou no ouvido! Ri pra dedéu!
Depois veio aquele esporro básico do patrão:
_Ora quê chamada de vídeo?!
Chamada de vídeo é pra esposa ciumenta!!
 
 

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