A PIOR FESTA INFANTIL DO MUNDO - Uma Noite de Bolo e Horrores

A PIOR FESTA INFANTIL DO MUNDO
UMA NOITE DE BOLO E HORRORES

Inspirado em fatos

Clarissa é uma adolescente ainda por encontrar o seu caminho.
Estuda, não trabalha legalmente, mas vive atrás de um extra. Em vez de vender Avon, como faz as suas coleguinhas, ela vende bolos na escola. Na encolha. Entre os corredores vazios, e até no banheiro. Principalmente depois do que aconteceu com sua amiga Luciana.

Foi oferecer coxinha, (e saborosa), na sala de aula, causando até briga entre os alunos, pois a comida da cantina era horrível e de má fama. Foi caguetada pelo pela-saco do Guilherme. Sua mãe trabalhava na secretaria, e íntimo dos funcionários e diretores do colégio. No final do recreio, diretora grossa e carrancuda da Beth, deu um carão na garota, no pátio da escola, pelo microfone!
Tudo em nome do monopólio dos sanduíches recheados com queijo e barata da cantina.

Como boleira aprendiz de confeiteira, ela fazia bolo de graça para as festas dos seus parentes e amigos. Cobrava somente os produtos e o gás.

Foi numa dessas circunstâncias que ela topou (a contragosto), fazer o bolo do afilhado e sobrinho da Rosineide, a sua melhor amiga.

Ela não queria nem ir à festa. Imagine comparecer para fazer o bolo.
Era num morro altíssimo, numa casa apertada, num quintal, cheio de puxadinhos de irmãos, suas famílias e tudo que ela não gostava: pagode, cerveja e assédio de homem feio e pobre.

Apesar de ser fave... OPS! Comunidade, em um bairro pobre, que nada tinha e onde tudo era contramão em matéria de condução, para fazer uma compra decente, ou era em Pilares ou em Madureira, a comunidade era em Cavalcante. Um bairro que vivia do passado, por ser o berço de grandes sambistas como João Nogueira. 
Na festa ela, com certeza, ainda teria que aguentar as esnobadas do carioca suburbano, que morava num bairro bosta, mas não era Baixada Fluminense...

O bordão bairrista:
“Tu mora mau, hein?!”

Dia da festa

Na metade da subida do morro, Rosineide se encontra com a irmã, num boteco. Ela, alcóolatra de cerveja, não assumida, parou pra beber. Sempre que ela ia à algum lugar, seja visitar alguém na rua de trás da sua, se houvesse um bar, ela parava e bebia uma ou umas cervejas. Para sua sorte, ela tinha conta em muitos bares. Nesse do morro não era diferente. Sua irmã lhe disse que já estava tudo pronto para a festa, faltava somente o Rambo do bolo, o tema do aniversário do menino.

Beberam, beberam, beberam, até que Clarisse perdeu a paciência e seguiu em frente. Chegando lá, do bolo faltava tudo!
Estavam todos ainda em suas formas, não montados, não recheados, espalhados pela cozinha e quarto do casal.
A casa era minúscula. Esse era um dos motivos para Clarisse detestar o lugar.
Não havia banheiro na casa. Os moradores usavam um cantinho de terra batida, que seria o futuro banheiro da casa, ou ia no banheiro dos vizinhos parentes, por consequência, as visitas também.
Bem, também tinha opção “lata de tinta”.
Quatro anos de casamento, dois filhos, e nada de banheiro!
Pobres costumam ter outras prioridades...

Quando as irmãs chegaram, a primeira confusão. Rosineide deu de cara com sua amiga, ainda montando o bolo!
_Porra! Você disse que só faltava o Rambo!!!
E dá-lhe bate-boca!
Até que, no passar das horas, as crianças chegando, foi aqui que elas se lembraram de ajudar Clarisse, que começara a montar o Rambo no bolo.

Eu já disse que o terreno era pequeno, com a casa da matriarca na frente, a maior de todas, e os puxadinhos dos filhos e seus cônjuges atrás. O quintal era apertado, um bequinho entre as casas e o muro, e ainda tinha que dividi-lo com um chiqueiro...

Começa a festa oficialmente. Em vez de músicas infantis, como as da Xuxa, pagode de roda do pai do aniversariante e seus amigos.
A segunda discussão da festa...
Rosineide entrou pra dentro da casa da irmã, resmungando, e seu cunhado atrás dela.
_Vamos fazer festa pra isso?!
Se fazendo de desentendido, depois de um breve bate-boca do lado de fora.
Razão:
99,99% de tudo que tinha na festa, estava sendo bancada por Rosineide.
Bolo, doces, lembranças, enfeites, a carne do churrasco, salgados, refrigerante, até a roupa do garoto, assim como o calçado, foi ela quem bancou. Rosineide bancou também a sua cerveja. Que era apenas sua.
Se seu cunhado Roger e sua irmã Rosicleide quisessem cerveja na festa. Que eles bancassem com a grana deles. Foi o que Roger fez. Pão duro e duro que era, comprou a mais barata, a mais vagabunda que havia em todo mercado carioca, uma tal de cerveja Sul Americana, Rosineide comprou as suas caixas de Antarcticas para seu deleite na festa. O que Roger estava fazendo?
Abrindo as Antarcticas da cunhada, oferecendo aos seus amigos de roda, tirando onda!

No auge das acusações, os próprios convidados começaram a cantar o parabéns. Rosicleide correu em direção ao filho, que brincava na frente da casa da avó, para levá-lo à mesa do bolo.
O segundo susto
O moleque de cinco anos começou a espernear, a gritar, a chorar, só não se jogou no chão porque a mãe segurou. Ele não queria cantar o parabéns. Parecia que a criança refletia o clima daquele desastre de festa que apenas começava.

A tia-madrinha se aproximou e ficou uns dez minutos falando baixinho para o garoto se acalmar e finalmente bater o maldito parabéns!

Bolo cortado, repartido e distribuído. Era a hora das lembranças...
Quando a criançada viu a Rosi distribuindo os brinquedinhos com doces, ficou pior que Cosme e Damião.
Cercaram a mulher, subiram em cima dela, derrubaram a coitada, que xingava e pedia ajuda. Sabemos que nesses lances, as mães não se metem...
E ninguém é louco de puxar pelo braço a peste que elas pariram!
Clarisse que acudiu, e ainda teve que escutar esporro de mãe. Algumas foram reclamar com seus maridos, já bêbados, e nada adiantou. Quando um deles ousou a querer bater na Clarisse, aí foi Rosi que avançou em cima do valentão.

Chegou aquele momento em que convidados, ficando um ou outro bêbado sem noção de hora ou um convidado mais íntimo, partem. Todos moradores do morro. E ficam apenas os parentes e... Clarisse. Era madrugada, e não havia condução para Belford Roxo.
Aparece um cara. Clarisse sentiu o clima tenso com a presença do (claramente) não convidado.
Ele parecia simpático. De bom humor. O pagode parou e Roger foi atendê-lo.
Era um dos bandidos do morro, pedindo a arma que Roger guardou a “pedido” deles.
Eis a tensão:
O bandido que entregou a arma pra guardar, era outro, e deixou ordens expressas para entregar somente a ele. Nada de entregar a arma para alguém estranho, mesmo se dizendo sobre suas ordens.

Meu, não deu merda, pois, por incrível que pareça, ainda havia algumas crianças na festa.
O cara saiu bufando, ameaçando, falando bravatas. Felizmente, nada aconteceu.

Era pouco antes das cinco da manhã. E Clarisse, de saco cheio, aconteceu tudo o que ela havia imaginado: stresse com os convidados, com a musica chata e coisas piores.
Estava doida pra mijar. Se rendeu a lata de tinta e foi embora sobre os protestos dos anfitriões.
Ela não queria saber da escuridão que ainda dominava, tão pouco da bandidagem do morro, menos ainda do risco de ser assaltada na estação de trem a essa hora.

Tudo isso poderia ser evitado se ela apenas dissesse não.
Temos a certeza, porém, que esse foi o seu último sim.
Se a amizade vale à pena. Ela vai resistir aos nãos. É assim que se livra dos exploradores.

Ela também desistiu da confeitaria, embora hoje, mais de vinte anos depois do ocorrido, ela se arrependa. Pois atualmente vive numa merda sem fim.


FIM




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