De Quem é a Sorte, afinal?


DE QUEM É A SORTE, AFINAL?



Catia Maria caminhava em direção ao bar, para fumar um varejo do Paraguai.
A vida anda difícil, ela cortou o máximo de despesas possível. Adotou a horrenda dieta vegana de pobre. Sabemos que veganos usam em suas receitas, ingredientes caros, que nunca estão na feira. Catia Maria como vegana pobre, só come aquilo que tem na feira ou na xepa do CEASA.
Quando tem um extra, manda a dieta vegana pra PQP e come ovos de granja. É só esquecer a definição dos veganos dada a eles: menstruação de galinha. 
E viva o carro do ovo!
Há alguns anos ela não compra mais roupas novas. Tudo brechó, do sapato ao sutiã. Uma vez a dona da barraquinha lhe ofereceu biquini, mas ela ficou com nojo...
Faz sua manicure.
Não vendeu seu secador e sua chapinha, para fazer o cabelo de vez em quando, tratando-o com receitas da vovó, como maionese com ovo.
Eventos somente os 0800, coleciona amostras grátis de perfume. Nunca mais jogou fora as lascas de sabão ou sabonete. Junta e depois comprime tudo, transformando_os em um novo sabonete, tanto para banho, quanto para roupa.
Não desperdiça moedas. Não tem vergonha de exigir troco de cinco centavos, e cata as moedas de mesmo valor no chão.

Sua maior dificuldade, nesses tempos difíceis, foi o vício. A falta de grana fez bem ao seu pulmão, era três maços por dia, hoje são religiosamente, dois varejos por dia.

No caminho, encontra duas pessoas em pé, paradas, olhando fixamente para algo no chão, que ela ainda não visualizou.
Ao se aproximar da dupla descobriu o que lhes atraía tanto:
Era um despacho de macumba, recente, ainda com as velas queimando. Parecia ser mais uma oferenda, agrado para a entidade.
Perfume em forma de maçã, Nina Ricci, espumante Chandon, brincos e anéis, provavelmente, de ouro puro, com pedras de jade e rubis e sobre a farofa do alguidar, muita moeda de um real e notas de 50 e 100. A pessoa caprichou até nos charutos: eram cubanos autênticos. 

_Heitcha!!!
Foi a expressão de Catia ao se dar de frente com tudo isso. Olhos se arregalaram, a boca se abriu, em instantes, uma baba escorreu.
Os homens continuaram imóveis, surdos e cegos a reação de Catia.
"Será que são eles os macumbeiros? Parecem ainda rezar ou fazer os pedidos em silêncio, diante do despacho!"
Ela atravessa a pista e fica atrás do tronco de uma enorme e grossa árvore, prestando atenção nos dois.

Passam-se meia hora e nada dos caras se mexerem, nem piscam, se quer saber!
"Seria um pedido para trazer a paz mundial ou agradecimento a um pedido de ganho na loteria? Que demora!"

Aparece mais um pedestre a caminhar em direção a essas duas estátuas vivas. 
Quando percebe o que acontece...
Olha para os caras, olha para o despacho, olha para o despacho e para os caras.
Incrédulo:
_Oi? A macumba é de vocês?
_Claro que não!
_Sangue de Jesus tem poder!!
_Então...
O terceiro se agacha rapidamente e começa a saquear o despacho.
_Hei!!!
_Não faz isso!
_Por quê, não?
_Porque não pode!
_Ué?! A macumba não é de vocês!
_Ela é nossa sim!
_Acabaram de dizer que não! E o crente ainda disse "sangue de jesus tem poder".
_Não é nossa, mas nos pertence!
_???????!!
De dentro da farofa, agora toda revirada, surgem alguns nomes.
_Se a macumba tem dono, então os donos são esses azarados aqui!
Ele pega o papel:
_Letícia Almeida, João Nogueira, ih! Eu os conheço! Vou levar os presentes para eles.
Os dois juntos:
_Não!!
_Acha que somos otários?
_Otários vocês em acreditar nessas coisas e ainda fazerem mal para os meus amigos!
_A Macumba não é nossa!
_É do diabo!
_E o diabo parece que cobra caro.
Ele volta a se agachar e a recolher os valores. paga um charuto, acende com a vela, dá suas tragadas, bebe o espumante, calmamente.
Os dois "guardiões" do despacho se olham. São homens de paz que pensavam num jeito de dividir a macumba igualitariamente; depois do abuso desse desconhecido cara de pau. ambos avançam sobre ele.
Porradaria das grandes. Chegam a sacudir o terceiro de cabeça pra baixo, para recuperar tudo que ele tomou.
A carteira do saqueador cai e é roubada por eles também. É expulso do local bastante machucado a chutes na bunda, cambaleante.

Eles se olham. Quase tudo está fora da macumba, espalhado, a oferenda em si destruída. Embora ainda tivesse muito dinheiro nela. O alguidar era enorme, a farinha infinita, pois quando mais revirava, mais dinheiro aparecia.
_Podemos ficar com o que ele retirou do despacho.
_É mesmo. Assim não seremos ladrões.
_Você é mesmo crente?
_Já fui.
_Tem medo?
_Não.
_Respeito?
_Não? E você?
_Não crente, sem respeito e medo.
_Então por que ainda estamos aqui?
Eles não responderam, mas o pensamento foi o mesmo:
Um planejava roubar ou passar a perna no outro. A intenção dos dois nunca foi dividir.
Se fosse pra dividir, já teriam feito e partido há muito tempo.
_Eu cheguei primeiro.
_Eu vi primeiro! Se não fosse a minha estúpida reação, a macumba passava batida. 

Eles correm um em direção contra o outro e começam a brigar.
Nesse meio tempo, passa um morador de rua e recolhe os charutos e a bebida.
Catia percebe que é o momento de agir.
É quase atropelada por uma Ferrari que para quase em cima dela.
Enquanto os brigões tentam matar um ao outro, o motorista da Ferrari desce do carro e vai em direção a oferenda. Levanta o alguidar e o coloca no porta-malas, volta e recolhe os valores espalhados na calçada.

É hora da Catia agir. Ela não pode perder essa oportunidade.
Começa a saltar feito louca, para todos os lados. Quase é atropelada e quase causa vários acidentes com  seus pulos. Para de frente ao motorista da Ferrari e gargalha.
_AH AH AH AH AH! Não rouba o que não é seu!
Não faxa ixxo seu moxo! Não desagrade a pombagira!
_Você não é pombagira nem aqui, e nem na PQP!
_Eu vou lancar-te uma maldixão!
O motorista a ignora.
Catia começa a falar em línguas, mas nada abala o milionário. Os outros dois, brigaram tanto, que rolaram pela rua sem controle e foram atropelados pelos carros.

Depois de tudo recolhido, o motorista se volta para sua Ferrari, mostrando o dedo do meio pra Catia.
_É por isso que cês não saem da merda!! AH AH AH!

Convencido e feliz pela pequena fortuna que conseguiu, fura o sinal vermelho. Um caminhão bate no carro ferozmente. O porta malas se abre, expulsando a oferenda e tudo que havia nela pra fora. Espalhando-se pelo ar.
Enquanto o motorista da Ferrari agoniza, pedestres literalmente "catam borboleta" no ar, pelos valores que eram da oferenda.
Catia ver tudo de longe.
Logo o cruzamento vira um caos, brigas, sangue espirrando para todos os lados. Sua vontade de fumar até passou. Volta para casa.
Sentados na calçada, os dois "guardiões" da oferenda, bebendo, fumando, rindo muito de toda desgraça que acontecia mais a frente.
_Foi isso mesmo que a pessoa pediu?
_Ele queria vingança, né? E das grandes.

Catia finge não escutar o que acabou de ouvir.
Seja quem for o dono da macumba, deve tá satisfeito agora. 
"Se for alguém que conheço, que eu morra amiga dele!"

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